terça-feira, 24 de setembro de 2013

Em chamas - capitulo 20




— Peeta! — eu grito.
Eu o sacudo com mais força, até dou um tapa no seu rosto, mas é inútil. Seu coração parou. Estou batendo o vazio.— Peeta!
Finnick apoia Mags contra uma árvore e me empurra para fora do caminho.— Deixe-me.
Seus dedos tocam pontos do pescoço de Peeta, correm sobre os ossos das suas costelas e espinha. Então ele fecha as narinas de Peeta.— Não! — eu grito, arremessando-me contra Finnick, certa de que ele tenciona ter certeza de que Peeta está morto, de que nenhuma vida vai retornar para ele. A mão de Finnick sobe e me bate tão forte no peito que vou voando para trás, em direção a um tronco de uma árvore mais próxima. Fico desnorteada por um momento, pela dor, tentando ter fôlego, quando vejo Finnick fechar o nariz de Peeta novamente.
De onde estou sentada, puxo uma flecha, coloco-a no arco, e estou quase a soltando quando sou interrompida pela visão de Finnick beijando Peeta. E é tão bizarro, até para Finnick, que fico parada. Não, ele não está o beijando. Ele bloqueou o nariz de Peeta, mas deixou sua boca aberta, e está bombeando ar para seus pulmões. Posso ver isso, e posso realmente ver o peito de Peeta subindo e descendo. Então Finnick abre o zíper do macacão de Peeta e começa a empurrar o ponto sobre seu coração com as palmas das mãos. Agora que atravessei meu choque, entendo o que ele está tentando fazer.Muito raramente, vi minha mãe tentar algo similar. Se seu coração falha no Distrito 12, é improvável que sua família consiga o levar para minha mãe a tempo, de qualquer forma. Então geralmente seus pacientes estão queimados, feridos ou doentes. Ou famintos, é claro.Mas o mundo de Finnick é diferente. O que quer que ele esteja fazendo, ele já fez antes. Há um ritmo certo, um método. E eu encontro a ponta da flecha afundando enquanto eu me inclino para observar, desesperadamente, procurando algum sucesso. Agonizantes minutos se passam e minhas esperanças diminuem. Quando decido que é tarde demais, que Peeta está morto, seguiu adiante, no para sempre inatingível, ele tosse suavemente e Finnick se senta.Deixo minhas armas na sujeira e vou até ele.— Peeta? — chamo suavemente.
Eu tiro as mechas de cabelo loiro e úmido da sua testa, encontro o pulso contra meus dedos no seu pescoço.Suas pálpebras sobem e seus olhos encontram os meus.— Cuidado — ele diz fracamente. — Há um campo de força adiante.
Eu rio, mas há lágrimas correndo pelas minhas bochechas.— Deve ser bem mais forte do que o do telhado do Centro de Treinamento — diz. —Estou bem, porém. Só um pouco abalado.
— Você estava morto! Seu coração parou! — Explodo, antes de realmente considerar se essa é uma boa ideia.
Coloco minha mão sobre minha boca porque estou começando a fazer aqueles sons horríveis que aparecem quando eu soluço.— Bem, parece que está funcionando agora — ele diz. — Está tudo bem, Katniss.
Assinto com minha cabeça, mas os sons não estão parando.— Katniss? — Agora Peeta está preocupado comigo, o que acrescenta mais insanidade nisso.
— Tudo certo. São só os hormônios dela — diz Finnick. — Do bebê.
Olho para ele e o vejo sentando sobre os calcanhares, mas ainda ofegando um pouco pela subida, pelo calor e pelo esforço de trazer Peeta de volta dos mortos.— Não. Não é... — eu solto, mas sou interrompida por mais uma rodada de soluços histéricos que parecem apenas confirmar o que Finnick disse sobre o bebê.
Ele encontra meus olhos e eu olho para ele através das minhas lágrimas. É estúpido, eu sei, que o esforço dele tenha me deixado tão irritada. Tudo que eu queria era manter Peeta vivo, e o que eu não consegui e Finnick conseguiu, e eu deveria estar grata. E estou. Mas também estou furiosa porque isso significa que eu nunca vou parar de dever a Finnick Odair. Nunca. Então como eu posso matá-lo durante seu sono?Espero ver uma expressão arrogante ou sarcástica no seu rosto, mas ele parece estranhamente embaraçado. Ele olha entre Peeta e eu, como se tentasse descobrir algo, então balança sua cabeça levemente como para clareá-la.— Como você está? — pergunta a Peeta. — Acha que pode continuar?
— Não, ele tem de descansar — respondo.
Meu nariz escorre loucamente e não tenho nem um pedaço de pano para usar como lenço. Mags rasga um pedaço de musgo de uma árvore e dá para mim. Estou muito confusa para questionar. Eu assoo meu nariz e limpo as lágrimas do meu rosto. É legal, o musgo. Absorvente e surpreendentemente macio.Percebo um brilho dourado no peito de Peeta. Estendo a mão e tomo o disco que está pendurado em uma corrente no seu pescoço. Meu mockingjay foi gravado nisso.— Esse é seu sinal? — pergunto.
— Sim. Você se importa por eu ter usado seu mockingjay? Eu queria que nós combinássemos.
— Não, claro que não me importo.
Forço um sorriso. Peeta aparecendo na arena usando um mockingjay é tanto uma benção como uma maldição. Por um lado, deve dar um incentivo aos rebeldes no distrito. Por outro, é difícil imaginar Presidente Snow ignorando isso, e faz com que o trabalho de manter Peeta vivo seja mais complicado.— Então você quer fazer acampamento aqui? — Finnick pergunta.
— Não acho que seja uma opção — Peeta responde. — Ficar aqui. Sem água. Sem proteção. Eu me sinto bem, sério. Se pudermos ir devagar...
— Devagar é melhor que nada.
Finnick ajuda Peeta a se levantar enquanto eu me recomponho. Desde quando acordei nessa manhã, vi Cinna levar uma surra, fui levada a outra arena e vi Peeta morrer. Ainda assim, estou satisfeita por Finnick continuar brincando com o elemento gravidez comigo, porque do ponto de vista de um patrocinador, eu não estou lidando muito bem.Verifico minhas armas, que sei que estão em condições perfeitas, porque faz com que eu pareça mais em controle.— Fico na liderança — anuncio.
Peeta começa a objetar, mas Finnick o interrompe.— Não, deixe-a. — Ele franze o cenho para mim. — Você sabia que o campo de força estava ali, não sabia? Logo no último segundo? Você começou a dar um aviso.
Assenti.— Como você soube?
Hesitei. Revelar que eu sabia o truque de Beete de Wiress para reconhecer um campo de força podia ser perigoso. Eu não sei se os Gamemakers notaram isso no momento do treinamento quando os dois o apontaram para mim. De uma forma ou de outra, eu tenho um pedaço de informação muito valiosa. E se eles souberem que eu o tenho, podem fazer algo para alterar o campo de força para que eu não possa mais ver a anormalidade. Então eu minto.— Eu não sei. É quase como se eu pudesse ouvi-lo. Escute.
Todos nós ficamos parados. Há o som de insetos, pássaros, a brisa da folhagem.— Não ouço nada — diz Peeta.
— Sim — insisto — é como quando a cerca ao redor do Distrito Doze está ligada, apenas bem mais silenciosa.
Todo mundo tenta ouvir atentamente. Eu também, embora não haja nada para ouvir.— Agora! — digo. — Não podem ouvir? Está vindo bem ao lado de onde Peeta levou o choque.
— Eu não ouço, tampouco — Finnick concorda. — Mas se você ouve, certamente, tome a liderança.
Decido jogar isso com tudo.— Isso é estranho — digo. — Viro minha cabeça lado a lado como se eu estivesse confusa. — Eu posso apenas ouvir com meu ouvido esquerdo.
— Aquele que o médico reconstruiu? — Peeta pergunta.
— Sim — encolho os ombros. — Talvez eles tenham feito um trabalho melhor do que pensavam. Sabe, às vezes eu ouço coisas estranhas desse lado. Coisas que você geralmente acha que não faz som. Como asas de insetos. Ou a neve batendo no chão.
Perfeito. Agora toda a atenção se voltou ao cirurgião que consertou meu ouvido surdo depois dos Jogos do ano passado, e eles vão ter de explicar por que eu posso ouvir como um morcego.— Você — diz Mags, empurrando-me para frente, para que eu tome a dianteira.
Visto que estamos nos movendo devagar, Mags prefere caminhar com o auxílio de um galho que Finnick rapidamente adaptou parar servir como uma bengala para ela. Ele faz uma vara para Peeta também, o que é bom porque, apesar dos seus protestos, acho que tudo que Peeta realmente quer é se deitar. Finnick fica no final da fila, então ao menos alguém vigia nossas costas.Caminho com o campo de força a minha esquerda, porque esse deveria ser o lado com meu ouvido super-humano. Mas dado que isso é tudo mentira, eu corto um punhado de nozes que estavam penduradas como uvas de uma árvore próxima e as jogo a minha frente enquanto ando. É bom eu fazer isso também, porque tenho a sensação de estar perdendo os remendos que indicam o campo de força mais frequentemente do que eu os localizo. Sempre que uma noz toca o campo de força, há uma baforada antes que a noz caia no chão, escurecida e com a casca quebrada, aos meus pés.Depois de alguns minutos eu fico consciente de um som agudo atrás de mim e me viro para ver Mags tirando a casca de uma das nozes e a colocando na sua boca já cheia.— Mags! — grito. — Cuspa isso. Pode ser venenoso.
Ela murmura algo e me ignora, lambendo seus lábios com aparente prazer. Procuro ajuda olhando para Finnick, mas ele apenas ri.— Acho que vamos descobrir — diz.
Eu continuo, pensando em Finnick, que salvou a velha Mags, mas vai deixá-la comer nozes estranhas. Que Haymitch selou com sua aprovação. Que trouxe Peeta dos mortos. Por que ele não o deixou morrer? Ele não teria culpa. Eu nunca teria imaginado que estava em seu poder reanimá-lo. Porque ele poderia possivelmente querer salvar Peeta? E por que ele está tão determinado a ficar no meu time? Pronto para me matar, também, se chegar a hora. Mas deixando a escolha da luta comigo.Eu continuo andando, jogando minhas nozes, às vezes pegando lampejos do campo de força, tentando pressionar para a esquerda para encontrar o campo onde nós podemos atravessá-lo, fugir da Cornucópia, e esperançosamente encontrar água. Mas depois de cerca de uma hora disso percebo que é fútil. Nós não estamos fazendo nenhum progresso tentando ir para a esquerda. Na verdade, o campo de força parece estar nos levando a um caminho curvo. Eu paro e olho para a forma franca de Mags, o brilho de suor no rosto de Peeta.— Vamos parar um pouco — digo. — Eu preciso dar uma olhada mais adiante.
A árvore que eu escolho parece ser mais alta que as outras. Faço meu caminho entre os ramos tortos, ficando tão perto do tronco quanto possível. Não é necessário dizer o quão facilmente três galhos elásticos vão se romper. Subindo além do bom senso porque há algo que eu tenho de ver. Quando subo para a parte do tronco que não é maior que uma muda, balançando para frente e para trás na brisa úmida, minhas suspeitas estão confirmadas. Há uma razão para que nós não possamos virar para a esquerda, nunca poderemos. Do meu ponto de vista precário, posso ver o formato de toda a arena pela primeira vez. Um círculo perfeito. Com uma roda perfeita no centro. O céu acima da circunferência da selva está tingido por um rosa uniforme. E acho que posso discernir um ou dois daqueles quadrados trêmulos, fendas na armadura, como Wiress e Beetee o chamaram, porque revelam o que era para estar escondido e é, então, uma fraqueza. Só para ter certeza absoluta, atiro uma flecha no espaço vazio acima da linha das árvores. Há um jorro de luz, um lampejo do céu azul verdadeiro, e a flecha volta para a selva. Eu desço para dar aos outros as más notícias.— O campo de força está nos prendendo num círculo. Uma redoma, na verdade. Eu não sei o quão alto vai. Há a Cornucópia, o mar, e então a selva ao redor. Muito preciso. Muito simétrico. E não muito grande — anuncio.
— Você viu água? — Finnick pergunta.
— Apenas a água salgada onde começamos os Jogos.
— Deve haver outra fonte — diz Peeta, franzindo o cenho. — Ou vamos estar mortos em questão de dias.
— Bem, a folhagem é densa. Talvez haja lagos ou fontes em algum lugar — respondo, com minhas dúvidas.
Instintivamente sinto que a Capital possa querer que esses Jogos não populares terminem o mais rápido possível. Plutarco Heavensbee já pode ter dado ordem para acabar conosco.— A essa altura, não há sentido em tentar descobrir o que existe no limite dessa encosta, porque a resposta é nada.
— Deve haver água potável entre o campo de força e a roda — Peeta insiste.
Todos nós sabemos o que isso significa. Voltar. Voltar para os Carreiristas e o banho de sangue. Com Mags quase incapaz de caminhar e Peeta fraco demais para lutar.Decidimos descer a elevação algumas centenas de metros e continuar circulando. Ver se talvez exista alguma água nesse nível. Eu fico na ponta, ocasionalmente atirando uma noz para minha esquerda, mas estamos bem fora do alcance do campo de força agora. O sol nos atinge diretamente, tornando o ar quente, pregando peças em nossos olhos. Pelo meio da tarde, é claro que Peeta e Mags não podem continuar.Finnick escolhe um local para acampar cerca de dez metros abaixo do campo de força, dizendo que podemos usá-lo como uma arma desviando nossos inimigos nele se atacados. Então ele e Mags puxam folhas de grama fina que crescem em tufos de um metro e meio e começam a tecer um tapete. Posto que Mags não parece ter nenhum efeito ruim das nozes, Peeta coleta punhados delas e as frita jogando-as no campo de força. Ele metodicamente as descasca, empilhando-as numa folha. Eu fico de guarda, inquieta, nervosa e aflita com as emoções do dia.Sede. Eu tenho tanta sede. Finalmente não posso mais suportar.— Finnick, por que você não fica de guarda e vou procurar alguma água? — digo.
Ninguém está ansioso com a ideia de eu sair sozinha, mas a ameaça de desidratação está sobre nós.— Não se preocupe, não irei longe — prometo a Peeta.
— Eu vou, também — ele diz.— Não, eu vou caçar um pouco se puder — digo a ele.
E não acrescento “E você não pode vir porque é muito barulhento.” Mas está implicado. Ele ia assustar a caça e me colocar em perigo com os seus passos pesados.— Não vou demorar.
Eu me movo furtivamente por entre as árvores, feliz por ver que o chão não faz barulho. Vou em diagonal, mas não encontro nada exceto mais plantas verdes e exuberantes.O som do canhão me paralisa. O banho de sangue inicial na Cornucópia deve ter acabado. O número de tributos mortos está agora disponível. Eu conto os tiros, cada um representando um vencedor morto. Oito. Não tanto quanto o ano passado. Mas parece mais, dado que eu conheço a maioria dos nomes.De repente fraca, eu me inclino contra uma árvore para descansar, sentindo o calor sugar a umidade do meu corpo como uma esponja. Agora mesmo, engolir é difícil e a fadiga está vencendo. Tento esfregar minha mão sobre minha barriga, esperando que uma mulher grávida atraia a simpatia dos meus patrocinadores e de Haymitch, e me mandem água. Sem sorte. Eu afundo no chão.Na minha imobilidade, começo a notar os animais: pássaros estranhos com uma plumagem brilhante, lagartos com línguas azuis cintilantes, e algo que parecer estar entre um rato e um gambá subindo nos galhos próximos ao tronco. Eu atiro no último e me aproximo.É feio, certo, um grande roedor com penugem acinzentada e dois dentes assustadores aparecendo sobre seu lábio inferior. Enquanto eu estou estripando e tirando a pele, percebo algo mais. Seu focinho está úmido. Como um animal que esteve bebendo de um rio. Excitada, eu vou até a sua toca na árvore e a rodeio. Não pode ser longe, a fonte de água da criatura.Nada. Eu não encontro nada. Nada além de gotas de orvalho. Eventualmente, porque sei que Peeta vai ficar preocupado comigo, volto para o acampamento, com mais calor e mais frustrada que nunca.Quando eu chego, vejo que os outros transformaram o lugar. Mags e Finnick criaram uma cabana com os tapetes de folhas que estavam tecendo, aberto de um lado, mas com três paredes, um chão e um teto. Mags também fez algumas sacolas que Peeta encheu com nozes torradas. Seus rostos viram para mim com esperança, mas eu balanço a cabeça.— Não. Nenhuma água. Está por aí, porém. Ele sabia onde estava — digo, içando o roedor esfolado para todos verem. — Ele esteve bebendo recentemente quando eu atirei nele, mas não pude encontrar a fonte. Juro, cobri cada centímetro num raio de trinta metros.
— Podemos comê-lo? — Peeta pergunta.
— Eu não tenho certeza. Mas a carne dele não parece muito diferente da de um esquilo. Ele deveria ser cozido...
Eu hesito enquanto penso sobre acender uma fogueira aqui. Se eu conseguisse, há a fumaça para se pensar. Todos estamos tão próximos nessa arena que não há chance de não descobrir.Peeta tem outra ideia. Ele pega um pedaço da carne do roedor, prende-a na ponta de um galho, e deixa-o cair no campo de força. Há um chiado agudo e o galho voa de volta. O pedaço de carne está escurecido por fora, mas parece bem cozido por dentro. Damos a ele uma salva de palmas, então paramos rapidamente, lembrando-nos de onde estamos.O sol branco afunda no céu rosado enquanto colhemos nozes. Ainda estou atenta com as nozes, mas Finnick diz que Mags as reconheceu de outros Jogos. Eu não me importei em estudar as plantas comestíveis no treinamento porque era tão fácil para mim no ano passado. Agora eu queria que tivesse estudado. Certamente haveria algumas plantas desconhecidas para mim. E eu podia ter pensado mais sobre o que estava à frente. Mags parece bem, entretanto, e ela esteve comendo as nozes por horas. Então eu pego uma e dou uma pequena mordida. Tem um sabor suave e levemente doce que lembra uma castanha. Eu decido que está tudo bem. O roedor era musculoso e cheirava mal, mas era estranhamente suculento. Sério, não é uma má refeição para nossa primeira noite na arena. Se apenas nós tivéssemos algo para beber.Finnick faz muitas perguntas sobre o roedor, que decidimos chamar de rato de árvore. O quão alto estava, por quanto tempo eu observei antes de atirar, e o que estava fazendo? Eu não me lembro de muita coisa. Procurando insetos ou algo assim.Temo a noite. Ao menos a grama alta e espessa oferece alguma proteção do que quer que esteja escapando pelo chão da floresta depois de horas. Mas pouco tempo depois de o sol afundar atrás do horizonte, uma lua pálida aparece, deixando as coisas visíveis o bastante. Nossa conversa desvanece porque sabemos o que está por vir. Nós nos posicionamos em linha na boca da cabana e Peeta desliza sua mão na minha.O céu brilha quando o brasão da Capital aparece como se flutuasse no espaço. Enquanto escuto a melodia do hino penso, Será mais difícil para Finnick e Mags. Mas acaba sendo difícil para mim também. Ver os rostos de oito vencedores mortos projetados no céu.O homem do Distrito 5, o que Finnick tirou com seu tridente, é o primeiro a aparecer. Isso significa que todos os tributos do 1 até o 4 estão vivos – os quatro Carreiristas, Beetee e Wiress, e, é claro, Mags e Finnick. O homem do Distrito 5 é seguido pelo Morphling do 6, Cecelia e Woof do 8, ambos do 9, a mulher do 10 e Seeder do 11. O selo da Capital está de volta com um pedaço final de música e então o céu fica escuro, exceto pela lua.Ninguém fala. Não posso fingir que conhecia qualquer um deles bem. Mas estou pensando naquelas três crianças que abraçaram Cecelia quando eles a levaram. Na gentileza de Seeder para comigo quando nos conhecemos. Até o pensamento do Morphling de olhos vidrados pintando minhas bochechas com flores amarelas me dá uma pontada. Todos mortos. Todos se foram.Eu não sei por quanto tempo ficaríamos sentados aqui se não fosse pela chegada de um paraquedas prateado, que cai na folhagem ao nosso lado. Ninguém estende a mão para pegá-lo.— De quem você acha que é? — digo finalmente.
— Quem sabe — Finnick responde. — Por que não deixamos Peeta ficar com ele, já que ele morreu hoje?
Peeta desamarra a corda e abre a seda. No paraquedas está um pequeno objeto de metal que eu não posso identificar.— O que é? — pergunto.
Ninguém sabe. Passamos de mão em mão, tomando turnos para examiná-lo. É tubo de metal oco, levemente estreito numa extremidade. Na outra há um pequeno lábio curvado para baixo. É vagamente familiar. Uma parte que deve ter caído de uma bicicleta, uma vara de cortina, qualquer coisa, na verdade.Peeta assopra uma extremidade para ver se faz som. Não faz. Finnick coloca seu dedo mindinho nele, testando-o como uma arma. Inútil.— Você pode pescar com isso, Mags? — pergunto.
Mags, que pode pescar quase tudo, balança a cabeça e grunhe.Eu o tomo e rolo-o na minha mão. Desde que somos aliados, Haymitch vai estar trabalhando com os mentores do Distrito 4. Ele tinha uma boa mão em escolher seu presente. O que significa que isso tem valor. Pode salvar vidas, até. Penso no ano passado, quando eu tanto queria água, mas ele não me mandou porque sabia que eu podia encontrar se eu tentasse. Os presentes de Haymitch, ou falta deles, carregam mensagens. Quase posso ouvi-lo rosnando para mim, Use seu cérebro se tiver um. O que é?Limpo o suor dos meus olhos e estendo o presente para vê-lo com a luz da lua. Movo-o para lá e para cá, vendo-o de diferentes ângulos, cobrindo porções e então revelando-as. Tento fazer com que seu uso seja óbvio. Finalmente, frustrada, enfio uma extremidade na terra.— Desisto. Talvez se nós encontrássemos Beetee ou Wiress conseguiríamos descobrir o que é isso.
Eu me estendo, pressionando minha bochecha quente contra a grama, encarando a coisa com irritação. Peeta esfrega o ponto tenso entre meus ombros e eu me deixo relaxar um pouco. Pergunto-me por que esse lugar não esfriou nem um pouco agora que o sol se foi. Pergunto-me o que está acontecendo em casa.Prim. Minha mãe. Gale. Madge. Acho que eles estão me assistindo em casa. Ao menos espero que eles estejam em casa. Não tomados em custódia por Thread. Sendo punidos como Cinna está sendo. Como Darius. Punidos por minha causa. Todos.Começo a sofrer por eles, pelo meu distrito, pela minha floresta. Uma floresta descente com árvores de troncos duros, comida em abundância, caças que não são assustadoras. Rios. Brisas frias. Não, ventos frios para levar esse calor sufocante. Eu imagino aquele vento, deixando-o refrescar minhas bochechas e meus dedos dormentes, e de uma vez, o pedaço de metal meio enterrado na terra negra tem um nome.— Uma goteira! — exclamo, sentando-me.
— O quê? — pergunta Finnick.
Eu arranco a coisa do chão e a limpo. Fecho minha mão ao redor da extremidade estreita, escondendo-a e olho para o lábio. Sim, eu já vi um desses antes. Num dia frio e ventoso há muito tempo, quando eu estava na floresta com meu pai. Inserida suavemente num buraco de um bordo. Um caminho para a seiva fluir para nosso balde. Xarope de bordo pode fazer com que nosso pão vire uma ameaça. Depois que meu pai morreu, eu não sabia o que tinha acontecido com o punhado de goteiras que ele tinha. Escondidas na floresta, provavelmente. Para nunca serem encontradas.— É uma goteira. Um tipo de torneira. Você o coloca numa árvore e seiva sai. — Olho para os troncos verdes e sólidos ao meu redor. — Bem, o tipo certo de árvore.
— Seiva? — pergunta Finnick.
Eles não têm o tipo certo de árvores à beira-mar, tampouco.— Para fazer xarope — diz Peeta. — Mas deve haver algo mais dentro dessas árvores.
Todos estamos de pé de uma vez. Nossa sede. A falta de lagos. A árvore do roedor com longos dentes afiados e focinho úmido. Só pode haver uma coisa dentro dessas árvores.Finnick está prestes a martelar a goteira no tronco verde de uma árvore maciça com uma pedra, mas eu o paro.— Espere. Você pode danificá-la. Precisamos fazer um buraco antes — digo.
Não há nada para perfurar, então Mags oferece seu furador e Peeta o enfia direto na casca da árvore, cravando-o com alguns centímetros de profundidade. Ele e Finnick se revezam para abrir o buraco com o furador e as facas até que possa conter a goteira. Eu a insiro cuidadosamente e todos nos afastamos em antecipação.No início nada acontece. Então uma gota de água desce o lábio e cai na mão de Mags. Ela a lambe e a estende novamente.Só meneando e ajustando a goteira, conseguimos um jorro estreito. Revezamo-nos para colocar a boca sob a torneira, molhando nossas línguas ásperas. Mags traz uma cesta, e a grama está tão bem tecida que segura o líquido. Nós enchemos a cesta e a passamos um para o outro, tomando grandes goles e depois limpando nossos rostos. Como tudo aqui, a água é quente, mas não é hora para ser exigente.Sem nossa sede para nos distrair, ficamos conscientes de quão exaustos estamos e nos preparamos para a noite. No ano passado, sempre tentei ter minhas coisas ao alcance para o caso de eu ter de fazer alguma retirada rápida durante a noite. Nesse ano, não há mochila para preparar. Só minhas armas, que não deixam meu alcance, de qualquer forma. Então penso na goteira e a arranco do tronco. Eu arranquei um pedaço de videira próximo, coloquei-a através do buraco central, e a amarrei seguramente no meu cinto.Finnick se oferece para tomar guarda primeiro, sabendo que tem de ser um de nós dois até que Peeta descanse. Eu me deito do lado de Peeta no chão da cabana, dizendo para Finnick me acordar quando ele estiver cansado. Em vez disso eu me encontro tirada do sono poucas horas depois pelo que parece ser som de um sino. Bong! Bong! Não é exatamente como aquele que eles tocam no Edifício da Justiça no Ano Novo, mas é próximo o bastante para eu reconhecer. Peeta e Mags continuam dormindo, mas Finnick tem a mesma expressão de atenção que eu tenho. O som para.— Eu contei doze — ele fala.
Assenti. Doze. O que isso significa? Uma badalada para cada distrito? Talvez. Mas por quê?— Significa alguma coisa, não acha?
— Não tenho ideia.
Esperamos por mais sinais, talvez uma mensagem do Claudius Templesmith. Um convite para um banquete. A única coisa para se notar aparece à distância. Uma faísca de eletricidade descobre uma árvore imponente e então uma tempestade com relâmpagos começa. Acho que é uma indicação de chuva, de uma fonte de água para aqueles que não têm mentores tão espertos quanto Haymitch.— Vá dormir, Finnick. É minha vez de ficar de guarda, de qualquer forma — digo.
Finnick hesita, mas ninguém pode ficar acordado para sempre. Ele se deita na boca da cabana, uma mão agarrando um tridente, e caí num sono inquieto.Eu me sento com meu arco carregado, observando a selva, que está pálida como um fantasma e verde à luz da lua. Depois de cerca de uma hora, os relâmpagos param. Posso ouvir a chuva vindo, porém, chocando-se contra as folhas a poucas centenas de metros de distância. Eu continuo esperando que nos atinja, mas isso nunca acontece.O som do canhão me assusta, embora faça pouca impressão em meus companheiros. Não há sentido em acordá-los para isso. Outro vencedor morto. Eu nem mesmo me permito imaginar quem é.A chuva para de repente, como a tempestade fez no ano passado na arena.Momentos depois que parou, vejo o nevoeiro se aproximando suavemente da direção do aguaceiro. Só uma reação. Chuva fria no chão quente, penso. Ele continua a se aproximar, e a parte de baixo parecem dedos curvados, como se eles estivessem puxando o resto para sempre. Enquanto eu observo, sinto os cabelos da minha nuca começarem a se arrepiar. Há algo estranho nesse nevoeiro. A progressão da linha frontal é uniforme demais para ser natural. E se não é natural...Um odor doce e doentio começa a invadir minhas narinas e eu grito para os outros acordarem.Nos poucos segundos que levam para acordá-los, bolhas aparecem na minha pele.

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