terça-feira, 24 de setembro de 2013

Em chamas - capitulo 5




O homem tinha acabado de cair no chão quando uma parede de Pacificadores de uniformes brancos bloqueia nossa visão. Alguns soldados têm armas automáticas apontadas com seus braços estendidos enquanto eles nos empurram em direção à porta.— Estamos indo! — diz Peeta, empurrando o Pacificador que está me pressionando. —Entendemos, certo? Vamos, Katniss.
Ele passa o braço ao meu redor e me guia de volta para o Edifício da Justiça. Os Pacificadores seguem um passo ou dois atrás de nós. No momento em que estamos dentro, ouvimos as botas dos Pacificadores se movendo de volta para a multidão.Haymitch, Effie, Portia e Cinna esperam sob a tela cheia de estática que está pendurada na parede, seus rostos apertados com ansiedade.— O que aconteceu? — Effie se apressa. — Nós perdemos a refeição depois do belo discurso, e então Haymitch disse que pensou ter ouvido um tiro, e eu disse que era ridículo, mas quem sabe? Há lunáticos em todos os lugares!
— Nada aconteceu, Effie. Um velho truque de fogos de artifício — diz Peeta firmemente.
Mais dois tiros. A porta não abafa muito o som. Quem foi esse? A avó de Thresh? Uma das irmãzinhas de Rue?— Vocês dois. Comigo — diz Haymitch.
Peeta e eu os seguimos, deixando os outros para trás. Os Pacificadores que estão situados perto do Edifício da Justiça têm pouco interesse em nossos movimentos agora que estamos seguros aqui dentro. Subimos pela magnífica escada helicoidal de mármore. No topo, há um longo corredor com um tapete gasto no chão. Portas duplas estavam abertas, dando-nos boas vindas no primeiro cômodo que encontramos. O teto deve ter sete metros de altura. Desenhos de frutas e flores foram entalhados no teto e crianças pequenas e gordas com asas olham para nós de todos os ângulos. Vasos de flores exalam um farto odor que faz meus olhos arderem. Nossas roupas de noite estão penduradas em cabides contra a parede. Então Haymitch arranca os microfones dos nossos peitos, enfia-os dentro das almofadas do sofá, e acena para nós.Pelo que sei, Haymitch só esteve aqui uma vez, quando ele estava no seu Tour da Vitória décadas atrás. Mas ele deve ter uma memória notável ou instintos confiáveis, como ele nos leva para um labirinto de escadas torcidas e corredores incrivelmente estreitos. Às vezes ele tem de parar e forçar uma porta. Pelo rangido das dobradiças, você pode dizer que faz um bom tempo desde que foram abertas. Eventualmente, subimos uma escada de mão até um alçapão. Quando Haymitch o empurra para o lado, encontramo-nos na cúpula do Edifício da Justiça.É um lugar grande, cheio de mobiliário quebrado, pilhas de livros e epitáfios e armas enferrujadas. As luzes lutam para atravessar as quatro janelas imundas que estão nas laterais da cúpula. Haymitch fecha o alçapão e se vira para nós.— O que aconteceu? — pergunta.
Peeta relata todo o ocorrido na praça. O assobio, a saudação, nossa hesitação no pórtico, o assassinato de um idoso.— O que está acontecendo, Haymitch?
— É melhor você responder — Haymitch diz para mim.
Eu não concordo. Acho que pode ser cem vezes pior vindo de mim. Mas conto a Peeta tudo o mais calmamente que posso. Sobre Presidente Snow, a intranquilidade nos distritos. Eu nem mesmo omito o beijo com Gale. Eu explico como todos nós estamos em perigo, como todo país está em perigo por causa do meu truque com as bagas.— Eu deveria consertar as coisas nesse tour. Fazer todos que duvidaram acreditar que agi por amor. Acalmar as coisas. Mas obviamente, tudo que fiz hoje foi conseguir que três pessoas fossem mortas, e agora todo mundo na praça vai ser punido.
Eu me sinto doente por ter de sentar no sofá, a despeito das molas expostas e do estofado.— Então eu piorei as coisas, também. Dando o dinheiro — diz Peeta.
De repente ele derruba uma lâmpada que estava mal equilibrada sobre uma caixa e ela voa pelo cômodo, e se quebra contra o chão.— Isso tem de parar. Agora. Esse... esse... jogo que vocês dois jogam, no qual vocês contam segredos um ao outro, mas os guardam de mim como se eu fosse inconsequente ou estúpido, ou fraco para lidar com eles.
— Não é assim, Peeta... — eu começo.
— É exatamente assim! — ele grita para mim. — Eu tenho pessoas com quem me importo, também, Katniss! Família e amigos no Distrito Doze que vão ser mortos se nós não consertarmos as coisas. Então, depois de tudo que passamos na arena, eu não tenho nem a sua confiança?
— Você é sempre de confiança, Peeta — diz Haymitch. — E tão esperto em como se apresentar ante as câmeras. Eu não quis interromper aquilo.
— Bem, você me superestimou. Porque eu realmente ferrei tudo hoje. O que você acha que vai acontecer às famílias de Rue e Thresh? Você acha que eles vão conseguir suas partes do nosso prêmio? Você acha que eu lhes dei um futuro brilhante? Porque eu acho que eles terão sorte se conseguirem sobreviver a mais um dia!
Peeta joga outra coisa, uma estátua. Eu nunca o vi assim.— Ele está certo, Haymitch — digo. — Estávamos errados em não contar a ele. Até na Capital.
— Até na arena, vocês dois tinham um tipo de plano, não tinham? — pergunta Peeta.— Sua voz está mais calma agora. — Algo do qual eu não era parte.
— Não. Não oficialmente. Eu podia dizer o que Haymitch queria que eu fizesse pelo que ele me mandava, ou não mandava.
— Bem, eu nunca tive essa oportunidade. Porque ele nunca me mandou nada até você aparecer — diz Peeta.
Eu não tinha pensado muito nisso. Como devia parecer pela perspectiva de Peeta quando eu apareci na arena tendo recebido remédio para queimadura e pão, enquanto ele, que esteve às portas da morte, não recebeu nada. Como se Haymitch estivesse me mantendo viva à custa dele.— Olhe, garoto... — Haymitch começa.
— Não se incomode, Haymitch. Eu sei que você escolheu um de nós. E eu quis que fosse ela. Mas isso é diferente. Há pessoas morrendo fora daqui. Mais irão morrer a menos que nós sejamos muito bons. Sou melhor que Katniss diante das câmeras. Ninguém precisa me ensinar o que dizer. Mas eu tenho de saber onde estou pisando —diz Peeta.
— De agora em diante, você será completamente informado — Haymitch promete.
— É melhor que eu seja — diz Peeta.
Ele nem se incomoda de olhar para mim antes de sair.A poeira que ele levantou agora procura novos lugares para se assentar. Meu cabelo, meus olhos, meu broche dourado.— Você me escolheu, Haymitch? — pergunto.
— Sim.
— Por quê? Você gosta mais dele.
— É verdade. Mas lembre-se, até quando eles mudaram as regras, eu só podia esperar tirar um de vocês vivo dali. Eu pensei que, dado que ele estava tão determinado em te proteger, bem, entre nós três, podíamos ser capazes de te levar para casa.
— Ah — é tudo que consigo dizer.
— Você verá as escolhas que terá de tomar. Se sobrevivermos a isso — Haymitch termina. — Você vai aprender.
Bem, eu aprendi uma coisa hoje. Esse lugar não é uma versão maior que o Distrito 12. Nossa cerca não tem guardas e raramente tem manutenção. Nossos Pacificadores não são desejados, mas são menos brutais. Nosso sofrimento incita a mais fadiga do que fúria. Aqui no 11, eles sofrem mais e sentem mais desespero. O presidente Snow está certo. Uma centelha pode ser suficiente para criar um incêndio.Tudo está acontecendo rápido demais para eu processar. O aviso, os tiros, o reconhecimento de que eu fiz algo que pode ter grandes consequências. Tudo é tão irracional. E seria uma coisa se eu tivesse planejando agitar as coisas, mas dada as circunstâncias... como diabos eu causei tantos problemas?— Vamos. Temos um jantar a comparecer — Haymitch lembra.
Eu fico um bom tempo no banho antes que eles me levem para me arrumar. A equipe preparatória parecia esquecida dos eventos do dia. Eles estavam todos excitados com o jantar. Nos distritos eles eram importantes o bastante para comparecer, enquanto na Capital eles quase nunca recebem convites para festas prestigiosas. Enquanto eles tentam adivinhar quais pratos serão servidos, eu continuo vendo a cabeça do idoso explodindo. Eu nem mesmo presto atenção ao que qualquer um está fazendo comigo até que estou para sair e me vejo no espelho. Um vestido rosa pálido sem alças ia até meus sapatos. Meu cabelo estava preso para longe do meu rosto e caia nas minhas costas com uma chuva de cachos.Cinna aparece atrás de mim, e arruma uma manta brilhante ao redor dos meus ombros. Ele me fita pelo espelho.— Gostou?
— É lindo. Como sempre — digo.
— Vamos ver como fica com um sorriso — ele diz gentilmente.
É seu lembrete de que em um minuto, haverá câmeras novamente. Consegui levantar os cantos dos meus lábios.— Aqui vamos nós.
Quando todos nós nos juntamos para ir ao jantar, posso ver que Effie está estranha. Claramente, Haymitch não lhe contou sobre o que aconteceu na praça. Eu não estaria surpresa se Cinna e Portia soubessem, mas parecia haver um acordo tácito para deixar Effie fora do giro de más notícias. Não vai levar muito tempo para ela ouvir sobre o problema, porém.Effie olha o horário da noite, e então o deixa de lado.— E depois, graças a Deus, todos nós podemos pegar o trem e sair daqui.
— Algo errado, Effie? — pergunta Cinna.
— Eu não gosto da forma com que somos tratados. Sermos jogados em vagões e impedidos de ir à plataforma. E depois, uma hora atrás, eu decidi dar uma olhada no Edifício da Justiça. Eu sou meio uma expert em projeto arquitetônico, sabe — diz ela.
— Ah, sim, eu ouvi falar — diz Portia depois que o silêncio fica muito longo.
— Então, eu estava olhando por aí porque as ruínas do distrito vão ser a moda do ano, quando dois Pacificadores apareceram e me mandaram de volta para nossos quartos. Um deles até apontou a arma para mim! — diz Effie.
Não consigo evitar pensar que esse é o resultado direto de Haymitch, Peeta e eu desaparecendo anteriormente. Acalma um pouco, na verdade, pensar que Haymitch deve estar certo. Que ninguém esteve monitorando a cúpula empoeirada onde nós conversamos. Embora eu aposte que eles estão agora.Effie parece tão estressada que espontaneamente dou-lhe um abraço.— Isso é terrível, Effie. Talvez não devamos ir ao jantar. Pelo menos até eles se desculparem.
Eu sei que ela nunca vai concordar com isso, mas ela se ilumina consideravelmente com a sugestão, como se isso confirmasse o valor de sua reclamação.— Não, eu vou conseguir. É parte do meu trabalho aguentar os altos e baixos. E não podemos deixar vocês dois perderem o jantar. Mas obrigada pela oferta, Katniss.
Effie nos arruma em formação para nossa entrada. Primeiro a equipe preparatória, então ela, os estilistas, Haymitch. Peeta e eu, é claro, ficamos por último. Em algum lugar lá em baixo, musicistas começar a tocar. Quando a primeira parte de nossa procissão começa a descer, Peeta e eu nos damos as mãos.— Haymitch diz que eu estava errado em gritar com você. Você estava apenas operando sob suas instruções — diz Peeta. — E não é como se eu não tivesse contado coisas para você no passado.
Eu me lembro do choque ao ouvir Peeta confessar seu amor por mim em frente de toda a Panem. Haymitch sabia disso e não tinha me contado.— Acho que eu quebrei algumas coisas depois daquela entrevista.
— Apenas um vaso — ele diz.
— E suas mãos. Não há mais sentido, entretanto, há? Não ser direto um com o outro?— digo.
— Não há — Peeta concorda. Ficamos no topo das escadas, dando a Haymitch uma vantagem de quinze passos com Effie. — Realmente aquela foi a única vez que você beijou Gale?
Fiquei tão assustada que respondi.— Sim.
Com tudo que aconteceu hoje, essa era a pergunta que o estava perturbando?— Já deu quinze. Vamos — diz.
A luz nos atinge, e eu uso o sorriso mais deslumbrante que tenho.Descemos os degraus e somos sugados para dentro do que se torna um ciclo indistinguível de jantares, cerimônias e passeios de trem. Cada dia é o mesmo. Acorda. Veste-se. Anda pelas multidões que aplaudem. Escuta um discurso em nossa honra. Faça um discurso em agradecimento em retorno, mas apenas o que a Capital nos dá, nunca com adições pessoais agora. Às vezes um breve tour: um vislumbre do mar de um distrito, florestas em outro, fábricas feias, campos de trigo, refinarias que fedem. Vestir roupas de noite. Ir ao jantar. Trem.Durante as cerimônias, nós somos solenes e respeitáveis, mas sempre juntos, pelas nossas mãos, nossos braços. Nos jantares, ficamos delirantes de amor um pelo outro. Nós nos beijamos, dançamos, somos pegos tentando se afastar para ficarmos sozinhos. No trem, nós ficamos silenciosamente miseráveis enquanto tentamos avaliar que efeito isso tem em nós.Até sem nossos discursos pessoais para começar discórdia – desnecessário dizer que o que demos no Distrito 11 foi editado antes que o evento fosse transmitido – você pode sentir algo no ar, como uma fervura numa panela prestes a derramar. Não em todos os lugares. Algumas multidões são parecidas ao gado cansado que eu sei que o Distrito 12 geralmente projeta nas cerimônias dos vitoriosos. Mas em outros – particularmente o 8, o 4 e o 3 – há uma genuína arrogância nos rostos das pessoas ao nos ver, e debaixo da arrogância, fúria.Quando eles gritam meu nome, há mais gritos de vingança do que de prazer. Quando os pacificadores vão silenciar a multidão, ela fica firme em vez de recuar. E eu sei que não há nada que eu poderia fazer que mudaria isso. Nenhuma demonstração de amor, seja verdadeira ou não, mudaria essa maré. Se eu com aquelas bagas foi um ato de insanidade temporária, então essas pessoas vão abraçar a insanidade, também.Cinna começa a apertar minhas roupas na cintura. A equipe preparatória preocupa-se com os círculos sob meus olhos. Effie me dá pílulas para dormir, mas elas não funcionam. Não o bastante. Eu durmo apenas para ser acordada pelos pesadelos que aumentaram de número e intensidade.Peeta, que passa mais tempo perambulando no trem à noite, ouve-me gritar enquanto eu luto para sair do nevoeiro de drogas que meramente prolongam os sonhos horríveis. Ele consegue me acordar e me acalmar. Então ele sobe a cama e me abraça até que eu caia no sono.Depois disso, eu recuso as pílulas. Mas em todas as noites eu o deixo ficar na minha cama. Lidamos com a escuridão como fizemos na arena, abraçados nos braços um do outro, protegendo-nos contra os perigos que podem aparecer a qualquer momento. Nada mais acontece, mas nosso arranjo rapidamente se torna assunto de fofoca no trem.Quando Effie conta isso para mim, eu penso, Bom. Talvez isso vá aos ouvidos do Presidente Snow. Eu digo a ela que vamos tentar ser mais discretos, mas não tentamos.As aparições lado a lado no 2 e 1 é um tanto terrível. Cato e Clove, os tributos do Distrito 2, poderiam ter conseguido se Peeta e eu não tivéssemos conseguido. Eu pessoalmente matei a garota, Glimmer, e o garoto do Distrito 1. Quando tento fugir do olhar da família dele, descubro que seu nome era Marvel. Como eu nunca soube disso? Suponho que antes dos Jogos eu não prestei atenção, e depois eu não quis saber.Quando chegamos à Capital, estamos desesperados. Fazemos nossas aparições intermináveis para a multidão de adoradores. Não há perigo de revolta aqui entre os privilegiados, entre aqueles cujos nomes nunca serão sorteados, aquelas crianças que nunca morrem por supostos crimes cometidos há muitas gerações. Não precisamos convencer ninguém na Capital do nosso amor, apenas ter uma pequena esperança de que conseguimos fazer algo nos distritos. Qualquer coisa que façamos parece muito pouco e muito tarde.Voltando aos nossos antigos quartéis no Centro de Treinamento, sou eu quem sugere um pedido de casamento público. Peeta aceita, mas depois desaparece em seu quarto por um longo tempo. Haymitch me manda deixá-lo sozinho.— Eu pensei que ele queria — digo.
— Não assim — Haymitch diz. — Ele queria que fosse de verdade.
Eu volto para meu quarto e me deito debaixo das cobertas, tentando não pensar em Gale e nada mais.Naquela noite, na estação diante do Centro de Treinamento, respondemos a uma série de questões. Caesar Flickerman, em seu terno azul meia-noite brilhante, seu cabelo, pálpebras e lábios pintados de azul, guia-nos sem falhas pela entrevista. Quando ele pergunta sobre o futuro, Peeta fica de joelhos, derrama seu coração, e me implora para casar com ele. Eu, é claro, aceito. Caesar fica fora de si, a audiência da Capital está histérica, imagens das multidões em Panem mostram um país bêbado de alegria.O próprio presidente Snow faz uma visita surpresa para nos dar parabéns. Ele aperta a mão de Peeta e dá a ele um tapinha de aprovação no ombro. Ele me abraça, envolvendo-me no cheiro de sangue e rosas, e dá um beijo na minha bochecha. Quando ele se afasta, seus dedos ficam cravados nos meus braços, seu rosto sorrindo para o meu, eu ouso subir as sobrancelhas. Elas perguntam o que meus lábios não podem.Eu consegui? Foi o bastante? Dar tudo a você, manter o jogo, prometer casar com Peeta, é suficiente?Em resposta, ele quase imperceptivelmente balança a cabeça.

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