domingo, 1 de setembro de 2013

A culpa é das estrelas - capitulo NOVE




                                               Capitulo NOVE


Um dia antes da viagem para Amsterdã voltei à reunião do Grupo de Apoio pela primeira vez desde que conheci o Augustus. O elenco havia sido ligeiramente alterado ali no Coração Literal de Jesus. Cheguei cedo, o suficiente para que Lida — a sempre forte sobrevivente do câncer de apêndice — me atualizasse a respeito de todo mundo enquanto eu comia um cookie industrializado de chocolate

encostada na mesa de biscoitos.

Michael, o leucêmico de doze anos de idade, tinha partido desta para melhor. Ele lutara bravamente, me contou a Lida, como se houvesse qualquer outra forma de lutar. O resto do pessoal ainda continuava por lá.

Ken estava SEC desde que terminara a radioterapia. Lucas teve uma recaída, e a Lida disse aquilo com um sorriso amarelado e um leve "dar de ombros", da mesma forma que contaria que um alcoólatra teve uma

recaída.

Uma menina gordinha e bonitinha se aproximou da mesa, disse "oi" para a Lida e depois se apresentou para mim como Susan. Eu não sabia ao certo qual era o problema dela, mas havia em seu rosto uma cicatriz que ia da lateral do nariz até o lábio e atravessava a bochecha. A Susan tinha passado maquiagem na cicatriz, o que só serviu para chamar mais atenção.

Eu estava com um pouco de falta de ar por causa daquele tempo todo em pé, então falei:

— Vou me sentar ali.

Foi quando o elevador se abriu, revelando o Isaac e a mãe. Ele estava de óculos escuros e se apoiava no braço da mãe com uma das mãos, a bengala na outra.

— A Hazel do Grupo de Apoio e não a Monica — falei, quando ele chegou perto o suficiente. O Isaac sorriu e disse:

— E aí, Hazel. Como vão as coisas?

— Tudo bem. Fiquei totalmente gata depois que você perdeu a visão.

— Aposto que sim — Ele comentou.

A mãe o guiou até uma cadeira, beijou a cabeça dele e se deslocou de volta até o elevador. O Isaac tateou o espaço abaixo do corpo e se sentou.

Eu me acomodei numa cadeira ao seu lado.

— E então, como está tudo?

— Bem. Feliz por ter voltado para casa, acho. O Gus me disse que você passou pela UTI.

— É — respondi.

— Que droga! — ele disse.

— Estou bem melhor agora — falei. — Vou para Amsterdã com o Gus amanhã.

— Sei disso. Estou bastante atualizado a respeito da sua vida, porque o Gus nunca. Fala. De. Outra. Coisa.

Sorri. O Patrick pigarreou e disse:

— Se todos pudermos ocupar nossos assentos… — O olhar dele

cruzou com o meu. — Hazel! — falou. — Estou tão feliz em vê-la!

Todos se sentaram e o Patrick começou a recontar a história da sua ausência de bolas, o que me levou a retomar a rotina do Grupo de Apoio: me comunicando com o Isaac por meio de suspiros, me sentindo mal por todas as pessoas naquele cômodo e também por todas as pessoas fora dele, me distraindo da conversa para me concentrar na minha falta de ar e na dor. O mundo continuou girando, como sempre, sem a minha participação integral, e eu só despertei do meu devaneio quando alguém disse meu nome.

Foi Lida, a Forte. A Lida em remissão. A loira, saudável, robusta Lida, que fazia parte do time de natação da escola. A Lida, que só não tinha o apêndice, falou meu nome, dizendo:

— A Hazel é uma baita fonte de inspiração para mim; de verdade. Ela continua lutando, acordando todos os dias e indo para a guerra sem reclamar. Ela é tão forte... Tão mais forte que eu. Queria ter sua força.

— Hazel? — indagou o Patrick.— Como você se sente ao ouvir isso?

Encolhi os ombros e olhei para a Lida.

— Dou minha força para você se puder ter sua remissão em troca. —

O sentimento de culpa me invadiu assim que completei a frase.

— Não acho que tenha sido isso o que a Lida quis dizer — o Patrick

falou. — Acho que ela…

Mas eu já havia parado de prestar atenção.

Depois das preces para os vivos e da ladainha interminável dos mortos (com o Michael adicionado no fim), demos as mãos e dissemos:

— Vivendo o melhor da nossa vida hoje!

A Lida foi correndo me pedir desculpas e se justificar, e eu disse:

— Não, não, está tudo bem — fazendo um gesto de "deixe pra lá" com a mão, e falei para o Isaac: — Você se incomoda de me acompanhar até lá em cima?

Ele pegou meu braço e eu o guiei até o elevador, grata por ter uma desculpa para evitar a escada. Já tinha quase percorrido o caminho todo quando vi a mãe dele parada num canto do Coração Literal.

— Estou aqui — ela disse para o Isaac, e ele trocou o meu braço pelo dela.

Então me perguntou:

— Você quer ir lá em casa?

— Claro — respondi. Eu me sentia mal por ele. E mesmo odiando a pena que as pessoas

tinham de mim, não consegui evitar ter pena dele.



* * *



O Isaac morava numa pequena casa estilo rancho em Meridian Hills, ao lado de uma escola particular para crianças ricas. Nós nos sentamos na sala de estar enquanto a mãe dele foi até a cozinha preparar o jantar, e aí ele me perguntou se eu queria jogar.

— Claro — respondi.

Isaac me pediu que lhe passasse o controle. Fiz isso e ele ligou a televisão e um computador que estava conectado a ela. A tela da TV continuou preta, mas, após alguns segundos, uma voz grave começou a

falar de dentro do aparelho.

Deception, disse a voz. Um ou dois jogadores?

— Dois — respondeu o Isaac. — Pausar. — E virou-se para mim. — Eu jogo isso direto com o Gus, mas é muito irritante porque ele é um jogador de videogame totalmente suicida. Ele é, tipo, muito radical quando

se trata de salvar civis e coisa e tal.

— É — falei, lembrando da noite dos troféus destroçados.

— Recomeçar — o Isaac falou.

Jogador um, identifique-se.

— Essa é a voz ultrassensual do jogador um — o Isaac disse.

Jogador dois, identifique-se. 

— O jogador dois sou eu, acho — falei.

O Sargento Max Mayhem e o soldado Jasper Jacks acordam em um lugar escuro e vazio, de aproximadamente um metro quadrado.

O Isaac apontou para a TV, como se eu devesse me dirigir a ela ou coisa assim.

— Humm — falei. — Tem algum interruptor para acender a luz?

Não. 

— Tem alguma porta?

O soldado Jacks localiza a porta. Está trancada.

O Isaac se juntou a mim.

— Tem uma chave em cima do batente da porta.

Sim. 

— Mayhem abre a porta.

A escuridão continua total. 

— Empunhar faca — o Isaac disse.

— Empunhar faca — repeti.

Uma criança, que deduzi ser o irmão do Isaac, saiu correndo da cozinha. Devia ter uns dez anos, toda agitada e elétrica, e meio que cruzou a sala de estar pulando e gritando, numa imitação perfeita da voz do Isaac:

— ME MATE. O Sargento Mayhem coloca a faca no pescoço. Tem certeza de que você…

— Não — disse o Isaac. — Pausar. Graham, não me faça sair daqui e te dar um chute no traseiro.

O Graham deu uma risadinha e saiu furtivamente por um corredor.Na pele do Mayhem e do Jacks, o Isaac e eu avançamos tateando pela caverna até que esbarramos num cara que acabamos esfaqueando, depois

de forçá-lo a nos confessar que estávamos numa prisão subterrânea na Ucrânia, mais de um quilômetro abaixo da superfície. Conforme continuávamos, efeitos sonoros — um rio subterrâneo ruidoso, vozes

falando ucraniano e inglês com sotaque — nos guiavam pela caverna, mas não havia nada para ver naquele jogo. Depois de uma hora inteira, começamos a ouvir os gritos de um prisioneiro desesperado, implorando:

"Deus, me ajude. Deus, me ajude."

— Pausar — o Isaac falou. — É sempre nessa hora que o Gus insiste em encontrar o prisioneiro, mesmo que isso nos impeça de vencer o jogo, e a única maneira de conseguir libertar o prisioneiro de verdade é vencendo o jogo.

— É. Ele leva muito a sério os jogos de videogame — falei. — Ele é apaixonado por metáforas.

— Você gosta dele? — o Isaac perguntou.

— Claro que gosto. Ele é legal.

— Mas você não quer namorar o cara?

Dei de ombros.

— É complicado.

— Sei o que está tentando fazer. Você não quer dar para ele algo com que ele não vai conseguir lidar. Você não quer que ele Monifique você — o Isaac disse.

— Mais ou menos isso — falei. Mas não era nada disso. A verdade é que eu não queria Isaaquificar o Gus. — Para não ser injusta com a Monica — falei —, o que você fez com ela também não foi muito legal.

— O que foi que eu fiz com ela? — ele perguntou, na defensiva.

— Você sabe, ter ficado cego e tudo mais. — Mas isso não foi culpa minha — ele disse.

— Não estou dizendo que foi culpa sua. Estou dizendo que não foi legal.

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