sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Batalha do labirinto - capitulo 10




                                  Jogamos o game da morte

Nós fizemos nossas invocações após anoitecer, em um fosso de seis metros em frente ao tanque séptico. O tanque era amarelo luminoso, com uma cara sorridente e letras vermelhas pintadas no lado. DESCARGA FELIZ S/A. Meio que não combinava com o estado de espírito de invocar os mortos.

A lua estava cheia. Nuvens prateadas se espalhavam pelo céu.

– Minos já deveria estar aqui – disse Nico, fazendo uma carranca. – Está totalmente escuro.

– Talvez ele tenha se perdido – falei esperançoso.

Nico colocou cerveja e o churrasco dentro da cova, então começou a entoar um cântico em grego antigo. Imediatamente os insetos no bosque pararam de chilrear. Em meu bolso, o apito canino de gelo estígio começou a ficar mais frio, congelando contra o lado da minha perna.

– Faça ele parar – Tyson sussurrou para mim.

Parte de mim concordou. Aquilo não era natural. O ar da noite era gelado e ameaçador. Mas antes que eu pudesse dizer alguma coisa os primeiros espíritos apareceram.

Uma nevoa sulfurosa surgiu sobre a terra. Sombras começaram a ficar mais densas e ganhar forma humana. Uma sombra azul vagueou para extremidade da cova e ajoelhou-se para beber.

– Impeçam-no! – disse Nico, momentaneamente parando de entoar o cântico. – Somente Bianca pode beber!

Saquei Contracorrente. Os fantasmas recuaram com um coletivo assobio a vista da minha lâmina de bronze celestial. Mas era tarde para parar o primeiro espírito. Ele já havia se solidificado na forma de um homem barbudo com um manto branco. Um círculo de ouro coroava sua cabeça, e mesmo em morte seus olhos estavam vivos de malícia.

– Minos! – Nico disse. – O que você está fazendo?

– Minhas desculpas, mestre – o fantasma disse, embora não soasse muito arrependido. – O sacrifício parecia tão bom, eu não pude resistir. – Ele examinou suas próprias mãos e sorriu. – É bom olhar para mim mesmo novamente. Quase na minha forma sólida–

– Você esta rompendo o ritual! – Nico protestou. – Saia–

Os espíritos dos mortos começaram a brilhar perigosamente, e Nico teve que começar a cantar novamente para mantê-los acuados.

– Sim, faça direito, mestre – Minos disse com diversão. – Continue cantando. Eu só vim protegê-lo desses mentirosos que enganariam você.

Ele se virou para mim como se eu fosse algum tipo de barata.

– Percy Jackson... sim, sim. Os filhos de Poseidon não melhoraram com os passar dos séculos, melhoraram?

Eu queria socá-lo, mas imaginei que meu punho passaria direto por sua cara.

– Nós estamos procurando Bianca Di Angelo – falei. – Cai fora.

O fantasma riu.

– Sei que você matou meu minotauro uma vez com suas mãos nuas. Mas coisas piores o esperam no labirinto. Você realmente acha que Dédalo o ajudará?

Os outros espíritos começaram a se agitar. Annabeth puxou sua faca e me ajudou a mantê-los afastados da cova. Grover ficou tão nervoso que se agarrou ao ombro de

Tyson.

– Dédalo não se importa com vocês, meio-sangues – Minos advertiu. – Vocês não podem confiar nele. Ele é velho além da conta, e astuto. Ele está amargo de culpa pelo assassinato e é amaldiçoado pelos deuses.

– Culpa pelo assassinato? – perguntei. – Quem ele matou?

– Não mude de assunto! – o fantasma rosnou. – Você está impedindo Nico. Você tenta convencê-lo a desistir de sua meta. Eu faria dele um lorde!

– Basta, Minos – Nico ordenou.

O fantasma zombou.

– Mestre, eles são seus inimigos. Você não deve escutá-los! Deixe-me protegê-lo. Irei deixá-los loucos, como fiz com os outros.

– Outros? – Annabeth ofegou. – Você fez aquilo com Chris Rodriguez? Então era você?

– O Labirinto é minha propriedade – o fantasma disse, – não de Dédalo! Os que invadem merecem a loucura.

– Vá embora, Minos! – Nico exigiu. – Eu quero ver minha irmã!

O fantasma engoliu sua raiva.

– Como quiser, mestre. Mas eu o alerto. Você não pode confiar nesses heróis.

Com isso, ele desapareceu em névoa. Os outros espíritos avançaram, mas eu e Annabeth os contivemos.

– Bianca, apareça! – Nico entoou. Ele começou a cantar rápido, e os espíritos se mexeram inquietos.

– A qualquer momento agora – murmurou Grover.

Então uma luz prateada chamejou entre as árvores – um espírito que parecia mais luminoso e forte que os outros. Ele se aproximou, e algo me disse que o deixasse passar. Ele se ajoelhou e bebeu um gole da cova. Quando se ergueu, era a forma fantasmagórica de Bianca Di Angelo.

O canto de Nico vacilou. Eu abaixei minha espada. Os outros espíritos começaram a se aglomerar, mas Bianca ergueu seus braços e eles recuaram para as árvores.

– Olá, Percy – ela disse.

Ela parecia a mesma que quando viva: uma boina verde de lado em seu grosso cabelo preto, olhos escuros e pele azeitonada como a do irmão dela. Ela vestia uma jaqueta prateada, a vestimenta das caçadoras de Ártemis. Um arco pendia por cima de seu ombro. Ela sorriu fracamente, e sua forma chamejou.

– Bianca – falei. Minha voz estava grossa. Eu me senti culpado pela morte dela por muito tempo, mais vê-la na minha frente era cinco vezes pior, como se sua morte fosse fresca e recente. Eu me lembrei de ter procurado nos destroços do gigante guerreiro de bronze que ela tinha sacrificado a vida para derrotar, e de não ter achado nenhum sinal dela.

– Eu sinto muito – disse.

– Você não tem pelo que se desculpar, Percy. Eu fiz minha escolha. Eu não me arrependo.

– Bianca! – Nico tropeçou a frente, como se tivesse acabado de sair de um torpor. Ela se virou para seu irmão. Sua expressão estava triste, como se ela tivesse temido esse momento.

– Olá, Nico. Você ficou tão alto.

– Por que você não me respondeu mais cedo? – ele lastimou. – Eu venho tentando há meses!

– Eu tinha esperanças que você desistisse.

– Desistisse? – Ele soou magoado. – Como você pode dizer isso? Estou tentando salvar você!

– Você não pode, Nico. Não faça isso. Percy está certo.

– Não! Ele deixou você morrer! Ele não é seu amigo.

Bianca levantou uma mão como se fosse tocar o rosto do irmão, mas ela era feita de névoa. Sua mão evaporou quando se aproximou de pele viva.

– Você deve me ouvir – ela disse. – Guardar rancor é perigoso para as crianças de Hades. É nosso defeito mortal. Você deve perdoá-lo. Você tem que prometer isso.

– Eu não posso. Nunca.

– Percy tem estado preocupado com você, Nico. Ele pode ajudar. Eu o deixei ver o que você estava fazendo, esperando que ele achasse você.

– Então era você – falei. – Você enviou as mensagens de Íris.

– Por que você está ajudando a ele e não a mim? – Nico gritou. – Não é justo!

– Você está perto da verdade agora – Bianca disse a ele. – Não é com Percy que você deve estar zangado, Nico. É comigo.

– Não.

– Você está zangado porque eu deixei você para me tornar uma caçadora de Ártemis. Você está zangado porque eu morri e o deixei sozinho. Eu sinto por isso, Nico. Eu realmente sinto. Mas você deve superar a raiva. E parar de culpar o Percy por minhas escolhas. Isso será a sua ruína.

– Ela está certa – Annabeth interrompeu. – Cronos está se erguendo, Nico. Ele vai manipular quem ele puder para se unir a causa dele.

– Eu não ligo para Cronos – Nico disse. – Eu apenas quero minha irmã de volta.

– Você não pode ter isso, Nico. – Bianca disse a ele gentilmente.

– Eu sou filho de Hades! Eu posso.

– Não tente – ela disse. – Se você me ama, não...

A voz dela vacilou. Os espíritos começaram a se aglomerar de novo ao nosso redor, e pareciam agitados. Suas sombras se deslocaram. Suas vozes sussurravam, PERIGO!

– O Tártaro se agita – Bianca disse. – O seu poder chama a atenção de Cronos. Os mortos precisam retornar ao Mundo Inferior. Não é seguro permanecermos.

– Espere – Nico disse. – Por favor–

– Adeus, Nico. – Bianca disse. – Eu te amo. Lembre-se do que eu disse.

Sua forma tremulou e os fantasmas desapareceram, deixando-nos sozinhos com uma cova, um tanque séptico Descarga Feliz, e uma lua cheia impassível.



Nenhum de nós estava ansioso para viajar aquela noite, então decidimos esperar até de manhã. Grover e eu nos ajeitamos nos sofás de couro na sala de estar de Geríon, que estava mais confortável que um saco de dormir no labirinto; mas isso não fez meus pesadelos melhorarem.

Sonhei que estava com Luke, andando por um palácio escuro no topo do monte Tam. Era realmente uma edificação agora – não a ilusão meio-terminada que eu vira inverno passado. Fogo verde queimava em braseiros ao longo das paredes. O piso era feito de mármore preto polido. Um vento frio soprava pelo corredor, e sobre nós, pelo teto aberto, o céu se agitava com nuvens de tempestade cinza.

Luke estava vestido para batalha. Ele usava calça camuflada, uma camiseta branca, e um peitoral de bronze, mas sua espada, Mordecostas, não estava ao seu lado – somente uma bainha vazia. Nós caminhamos por um grande pátio onde dúzias de guerreiros e dracaenae estavam se preparando para a guerra. Quando eles o viram os semideuses se ergueram prestando atenção. Eles batiam suas espadas contra seus escudos.

– Esssstá na hora, meu senhor? – uma dracaenae perguntou.

– Logo – Luke prometeu. – Continue seu trabalho.

– Meu senhor – disse uma voz atrás dele. Kelly, a empousa estava sorrindo para ele. Ela usava um vestido azul esta noite, e parecia terrivelmente bonita. Seus olhos tremeluziam – às vezes castanho-escuro, às vezes puro vermelho. Seu cabelo trançado para trás parecia captar a luz das tochas, como se quisesse entrar em chamas.

Meu coração martelava. Eu esperei que Kelli me visse, para me afugentar do sonho como ela havia feito antes, mas desta vez ela pareceu não me notar.

– Você tem um visitante – ela disse a Luke. Ela deu um passo para o lado, e mesmo Luke pareceu atordoado com o que viu.

O monstro Campe avançou na direção dele. Suas cobras assobiavam ao redor de suas pernas. As cabeças de animais cresciam em sua cintura. Suas espadas estavam de prontidão, pingando veneno, e com suas asas de morcego estendidas, ela ocupava todo o corredor

– Você. – A voz de Luke saiu um pouco trêmula. – Eu disse para você ficar em Alcatraz.

As pálpebras de Campe piscaram lateralmente como as de um réptil. Ela falou naquele estrondoso idioma estranho, mas desta vez eu entendi, em algum lugar no fundo da minha mente:

– Eu vim para servir. Dê-me vingança.

– Você é uma carcereira – Luke disse. – Seu trabalho–

– Eu os terei mortos. Ninguém escapa de mim.

Luke hesitou. Uma linha de suor escorreu pelo lado de seu rosto.

– Muito bem – ele disse. – Você irá conosco. Você pode levar o fio de Adriane. É uma posição de grande honra.

Campe sibilou para as estrelas. Ela embainhou suas espadas e se virou, triturando o chão com suas enormes pernas de dragão.

– Nós devíamos ter deixado essa aí no Tártaro – Luke resmungou. – Ela é muito caótica. Muito poderosa.

Kelly riu suavemente.

– Você não devia temer o poder Luke. Use-o!

– Quanto mais cedo partimos, melhor – Luke disse. – Eu quero acabar com isso logo.

– Aww – Kelli condoeu-se, correndo um dedo pelo braço dele. – Você acha desagradável destruir seu velho acampamento?

– Eu não disse isso.

– Você está repensando sua, ah, parte especial?

O rosto de Luke ficou petrificado.

– Eu sei o meu dever.

– Isso é bom – o demônio disse. – Nossa força de ataque é suficiente, você acha? Ou devo chamar a mãe Hécate para ajudar?

– Nós temos mais que suficiente – disse Luke severamente. – O acordo está quase completo. Tudo que preciso agora é negociar passagem livre pela arena.

– Mmm – Kelli disse. – Isso deve ser interessante. Eu odiaria ver sua linda cabeça fincada em um espeto caso você falhe.

– Não falharei. E você, demônio, não tem outras coisas para fazer?

– Ah, sim. – Kelli sorriu. – Estou levando desespero para os seus inimigos bisbilhoteiros. Estou fazendo isto neste momento.

Ela virou seus olhos diretamente na minha direção, expôs suas garras, e rompeu meu sonho.

De repente eu estava em um lugar diferente.

Eu estava de pé no topo de uma torre de pedra, olhando penhascos rochosos e o oceano abaixo. O velho homem Dédalo estava curvado em cima de uma mesa de trabalho, lutando com um tipo de instrumento de navegação, parecido com um enorme compasso. Ele parecia anos mais velho do que quando eu o vira pela última vez. Ele se inclinou e suas mãos estavam nodosas. Ele praguejou em grego antigo e piscou como se não pudesse ver o seu trabalho, embora fosse um dia ensolarado.

– Tio! – uma voz chamou.

Um menino sorridente com a idade de Nico veio, pulando os degraus carregando uma caixa de madeira.

– Olá, Perdiz – o velho homem falou, embora o seu tom soasse frio. – Já terminou seu projeto?

– Sim, tio. Foi fácil!

Dédalo fez uma carranca.

– Fácil? O problema de mover água morro acima sem uma bomba era fácil?

– Ah, sim! Olhe!

O menino esvaziou sua caixa e revistou no meio de suas tranqueiras. Ele veio com uma tira de papiro e mostrou para o velho inventor alguns diagramas e notas. Eles não fizeram sentido algum para mim, mas Dédalo assentiu de má vontade.

– Sim. Nada mal.

– O rei amou isso – Perdiz disse. – Ele disse que eu poderia ser mais inteligente que você!

– Ele falou isso?

– Mas eu não acreditei nisso. Eu sou tão agradecido por minha mãe ter me enviado para estudar com você! Eu quero saber tudo o que você sabe.

– Sim – Dédalo murmurou. – Assim quando eu morrer, você pode tomar meu lugar, não é?

Os olhos do garoto se arregalaram.

– Oh não, tio! Mas eu tenho pensado... por que um homem tem que morrer, de qualquer maneira?

O inventor franziu a testa.

– É assim que as coisas são, menino. Tudo morre menos os deuses.

– Mas por quê? – o garoto insistiu. – E se você pudesse capturar o animus, a alma em outra forma... bem, você me falou sobre seus autômatos, tio. Touros, águias, dragões, cavalos de bronze. Por que não uma forma humana de bronze?

– Não, meu garoto – Dédalo disse bruscamente. – Você é ingênuo. Tal coisa é impossível.

– Eu não acho – Perdiz insistiu. – Com o uso de um pouco de mágica–

– Mágica? Bah!

– Sim, tio! Magia e mecânica juntos – com um pouco de trabalho, alguém poderia fazer um corpo que pareceria exatamente humano, só que melhor. Eu fiz algumas anotações.

Ele deu ao velho homem um pergaminho grosso. Dédalo desfraldou aquilo. Ele leu por um longo tempo. Seus olhos se estreitaram. Ele olhou para o menino, então enrolou o pergaminho e limpou sua garganta.

– Isso nunca funcionaria, meu garoto. Quando você for mais velho, você verá.

– Posso consertar aquele astrolábio, então, tio? Suas juntas estão inchando novamente?

O velho cerrou a mandíbula.

– Não. Obrigado. Agora porque você não vai passear por aí?

Perdiz parecia não notar a raiva do velho homem. Ele pegou um besouro de bronze de suas coisas e correu até a extremidade da torre. Um peitoril baixo circundava a beira, vindo só até os joelhos do menino. O vento era forte.

Volte, eu quis dizer a ele. Mas a minha voz não saia.

Perdiz lançou o besouro para o céu. Ele abriu suas asas e zumbiu para longe. Perdiz riu com prazer.

– Mais inteligente que eu – Dédalo murmurou, baixo demais para que o garoto pudesse ouvir.

– É verdade que seu filho morreu voando, tio? Eu ouvi que você fez asas enormes para ele, mas elas falharam.

As mãos de Dédalo se fecharam.

– Tomar o meu lugar – ele murmurou.

O vento chicoteava ao redor do menino, arrastando suas roupas, fazendo ondular seus cabelos.

– Eu gostaria de voar – Perdiz disse. – Eu faria minhas próprias asas que não falhariam. Você acha que eu consigo?

Talvez fosse um sonho dentro de um sonho, mas de repente eu imaginei o deus de duas caras, Jano, tremeluzindo no ar perto de Dédalo, sorrindo enquanto ele lançava uma chave prateada de uma mão para a outra. Escolha, ele sussurrou para o velho inventor. Escolha.

Dédalo pegou outro objeto dentre as coisas do menino. Os velhos olhos do inventor estavam vermelhos de raiva.

– Perdiz – ele gritou. – Pegue.

Ele lançou um besouro de bronze na direção do menino. Encantado, Perdiz tentou pegar, mas o lançamento era muito longo. O besouro voou em direção ao céu, e Perdiz se esticou um pouco demais. O vento o pegou.

De alguma maneira ele conseguiu agarrar ao peitoril da torre com os dedos enquanto ele caia.

– Tio! – ele gritou. – Me ajude!

O rosto do homem velho era uma máscara. Ele não se moveu de onde estava.

– Vá em frente, Perdiz. – Dédalo disse suavemente. – Faça suas próprias asas. Mas seja rápido.

– Tio! – o menino gritou quando perdeu o apoio. Ele caiu na direção do mar. Por um momento houve um silêncio mortal. O deus Jano cintilou e desapareceu. Então um trovão sacudiu o céu. Uma voz dura de mulher ecoou acima: Você pagará o preço por isso, Dédalo.

Eu já ouvira aquela voz antes. Era da mãe de Annabeth: Atena.

Dédalo fez uma carranca para os céus.

– Eu sempre a honrei, Mãe. Eu sacrifiquei tudo para viver do seu modo.

O menino tinha minha bênção também. E você o matou. Por isso, você deve pagar.

– Eu paguei e paguei! – Dédalo rosnou. – Eu perdi tudo. Eu sofrerei no Mundo Inferior, sem dúvida. Mas nesse meio tempo...

Ele pegou o pergaminho do menino, estudou por um momento, e o deslizou para dentro de sua manga.

Você não entende, Atena disse friamente. Você pagará agora e para sempre.

De repente Dédalo desmoronou em agonia. Eu senti o que ele sentiu. Uma dor que queimava se fechando ao redor do meu pescoço, como um colar muito quente – cortando minha respiração, fazendo tudo ficar preto.



Eu acordei na escuridão, minhas mãos apertando minha garganta.

– Percy? – Grover chamou do outro sofá. – Você está bem?

Eu estabilizei minha respiração. Não sabia como responder. Eu acabara de ver o cara que estávamos procurando, Dédalo, matar o próprio sobrinho. Como eu poderia estar bem? A televisão estava ligada. Luz azul tremeluzia pelo quarto.

– Que – que horas são? – resmunguei.

– Duas da manhã – Grover disse. – Eu não consegui dormir. Estava assistindo o Nature Channel. – Ele choramingou. – Saudades da Juníper.

Eu esfreguei o sono para fora dos meus olhos.

– É, bem... você a verá novamente em breve.

Grover sacudiu a cabeça tristemente.

– Sabe que dia é hoje Percy? Eu acabei de ver na TV. É 13 de junho. Faz sete dias que deixamos o acampamento.

– O quê? – falei. – Isso não pode estar certo.

– O tempo passa mais rápido no labirinto – Grover me lembrou. – A primeira vez que você e Annabeth desceram vocês pensaram que se passaram apenas alguns minutos, certo? Mas foram horas.

– Ah – eu disse. – Certo. – Então caiu minha ficha sobre o que ele estava falando, e senti minha garganta queimar novamente. – Seu prazo final com o Conselho dos Anciões do Casco Fendido.

Grover colocou a ponta do controle remoto na boca e mastigou.

– Estou sem tempo – ele disse com a boca cheia de plástico. – Assim que eu voltar eles vão tirar minha licença de buscador. Nunca me permitirão sair novamente.

– Nós iremos falar com eles – prometi. – Faremos com que eles te deem mais tempo.

Grover engoliu.

– Eles nunca concordarão com isso. O mundo está morrendo, Percy. O que você fez hoje – salvando os animais do rancho do Geríon – aquilo foi incrível. E-eu gostaria de ser mais como você.

– Ei – falei. – Não diga isso. Você é tão herói quanto–

– Não, eu não sou. Eu continuo tentando, mas... – ele suspirou. – Percy, eu não posso voltar ao acampamento sem ter achado Pã. Eu simplesmente não posso. Você entende isso, não entende? Eu não posso encarar Juníper se eu falhar. Não posso nem mesmo me encarar.

Sua voz soava tão infeliz que doía ouvir. Nós passamos por muita coisa juntos, mas eu nunca o vi tão pra baixo.

– Nós vamos pensar em alguma coisa – disse. – Você não falhou, você é o menino-bode campeão, certo? Juníper sabe disso. Eu também.

Grover fechou os olhos.

– Menino-bode campeão – ele murmurou abatidamente.

Muito tempo depois que ele cochilou, eu ainda estava assistindo a luz azul do Nature Channel iluminar os troféus de cabeça empalhada da parede de Geríon.



Na manhã seguinte nós andamos até a guarda de gado e dissemos adeus.

– Nico, você poderia vir conosco – eu disse bruscamente. Acho que estava pensando sobre meu sonho, e como o jovem menino Perdiz me lembrava Nico.

Ele balançou a cabeça. Eu não acredito que alguém tenha dormido bem na casa do demônio do rancho, mas Nico parecia pior que os outros. Seus olhos estavam vermelhos e seu rosto pálido. Ele estava embrulhado em um roupão preto que devia ter pertencido a Geríon, pois era três vezes maior mesmo para um homem adulto.

– Preciso de tempo para pensar. – Os olhos dele não encontravam os meus, mas eu podia dizer pelo seu tom que ele ainda estava zangado. O fato de sua irmã ter saído do submundo por mim e não por ele não foi bem aceito por ele.

– Nico – disse Annabeth. – Bianca quer somente que você fique bem.

Ela colocou a mão no ombro dele, mais ele saiu em direção à casa da fazenda. Podia ser minha imaginação, mas a névoa da manhã parecia se apegar a ele conforme ele andava.

– Estou preocupada com ele – Annabeth me falou. – Se ele começar a falar com o fantasma de Minos de novo–

– Ele ficará bem – Eurítion prometeu. O vaqueiro tinha se limpado bem. Ele estava usando uma calça jeans nova e uma camiseta Western limpa e ele tinha até aparado a barba. Ele estava usando as botas de Geríon. – O menino pode ficar aqui e organizar seus pensamentos pelo tempo que precisar. Ele estará seguro, eu prometo.

– E você? – perguntei

Eurítion coçou sob um dos queixos de Ortro, então sob o outro.

– As coisas vão andar um pouco diferente aqui no rancho de agora em diante. Sem mais carne de gado sagrado. Eu estou pensando em empadas de soja. E eu vou ajudar esses cavalos carnívoros. Talvez eu pudesse me inscrever no próximo rodeio.

Essa ideia me fez estremecer.

– Bem, boa sorte.

– É. – Eurítion cuspiu na grama. – Creio que vocês vão procurar a oficina de Dédalo agora?

Os olhos de Annabeth se iluminaram.

– Você pode nos ajudar?

Eurítion estudou o gado, e percebi que o assunto da oficina de Dédalo o deixou desconfortável.

– Eu não sei onde fica, mas Hefesto provavelmente sabe.

– Foi isso que Hera disse – Annabeth concordou. – Mas como acharemos Hefesto?

Eurítion puxou algo de debaixo do colarinho da camisa. Era um colar – um disco prateado liso em uma corrente prateada. O disco tinha uma depressão no meio, como uma impressão digital do polegar. Ele entregou a Annabeth.

– Hefesto vem aqui de tempos em tempos – Eurítion disse. – Estuda os animais e tal para poder fazer cópias autômatos de bronze. Vez passada, eu, hum, fiz um favor a ele. Uma pequena peça que ele queria aplicar em meu pai, Ares, e Afrodite. Ele me deu essa corrente em gratidão. Disse que se eu alguma vez precisasse achá-lo, o disco me conduziria às forjas dele. Mas só uma vez.

– E você está dando para mim? – Annabeth perguntou.

Eurítion ruborizou.

– Eu não preciso ver as forjas, senhorita. Tenho o bastante para fazer aqui. Apenas aperte o botão e você estará no caminho.

Annabeth apertou o botão e o disco pareceu ganhar vida. Surgiram oito pernas metálicas. Annabeth gritou e derrubou aquilo no chão, o que confundiu Eurítion.

– Aranha! – ela gritou.

– Ela tem, hum, um pouco de pavor de aranhas – Grover explicou. – Aquele velho rancor entre Atena e Aracne.

– Ah. – Eurítion pareceu embaraçado. – Desculpe, senhorita.

A aranha passou pela guarda de gado e desapareceu entre as barras.

– Rápido – eu disse. – Aquela coisa não vai esperar por nós.

Annabeth não estava ansiosa para segui-la, mas não tínhamos muita escolha. Nós dissemos adeus a Eurítion, Tyson tirou a guarda de gado de cima do buraco, e nós pulamos de volta ao labirinto.



Eu desejava ter posto a aranha numa coleira. Ela correu pelos túneis tão rápido, que na maior parte do tempo eu não pude nem mesmo vê-la. Se não fosse pela audição excelente de Tyson e Grover, nós nunca teríamos sabido pra onde ela estava indo.

Nós descemos correndo por um túnel de mármore, então nos arremessamos para a esquerda e quase caímos em um abismo. Tyson me agarrou e me puxou pra trás antes que eu pudesse cair. O túnel continuou à nossa frente, mas não havia chão por uns trinta metros, só a escuridão escancarada e uma série de hastes de ferro pendiam do teto. A aranha mecânica estava a meio caminho, balançando de barra em barra atirando teias de metal.

– Barras – Annabeth disse. – Eu sou muito boa nisso.

Ela saltou sobre a primeira barra e começou a se balançar de um lado pro outro. Ela tinha pavor de aranhas minúsculas, mas não de despencar para a morte de uma barra.

Vai entender.

Annabeth chegou do lado oposto e correu atrás da aranha. Eu a segui. Quando atravessei, olhei para trás e vi Tyson carregando Grover nas costas. O grandão fez o percurso em três balanços, o que foi uma coisa boa já que, no momento que ele pousou, a última barra quebrou com o seu peso.

Nós continuamos a nos mover e passamos por um esqueleto amassado no túnel. Ele usava os restos de uma camisa, calças compridas, e uma gravata. A aranha não diminuiu a velocidade. Eu deslizei numa pilha de fragmentos de madeira, mas quando os iluminei percebi que eram lápis – centenas deles, todos quebrados pela metade. O túnel se abriu para uma grande sala. Uma luz ardente nos atingiu. Quando meus olhos se ajustaram, a primeira coisa que notei foram os esqueletos. Dúzias cobriam o chão ao nosso redor.

Alguns eram antigos e esbranquiçados. Outros eram mais recentes, mais inteiros. Eles não cheiravam tão mal quanto os estábulos de Geríon, mas chegavam perto. Então eu vi o monstro. Ela se levantou de um estrado resplandecente no lado oposto da sala. Ela tinha o corpo de um grande leão e a cabeça de uma mulher. Ela teria sido bonita, mas o cabelo dela estava amarrado para trás em um coque apertado e ela usava muita maquiagem, tanto que ela me lembrava minha professora de coro do terceiro ano.

Ela tinha um distintivo azul fixado no tórax que me levou um momento para ler. ESTE

MONSTRO FOI CLASSIFICADO COMO EXEMPLAR!

Tyson choramingou.

– Esfinge.

Eu sabia exatamente porque ele estava assustado. Quando ele era pequeno, Tyson foi atacado pelas patas de uma Esfinge e desapareceu.

Annabeth foi adiante, mas a esfinge rugiu, mostrava os caninos no seu de outra forma rosto humano. Barras caíram sobre ambas as saídas do túnel, atrás de nós e à frente. Imediatamente o rugido do mostro se transformou em um sorriso radiante.

– Bem vindos, sortudos concorrentes! – ela anunciou. – Se preparem para jogar... RESPONDA AO ENIGMA!

Aplausos ensaiados soaram do teto, como se houvesse alto-falantes invisíveis. Refletores brotaram ao redor do quarto e refletiram o estrado, jogando todo o resplendor da discoteca em cima dos esqueletos no chão.

– Prêmios fabulosos! – falou a Esfinge. – Passe no teste, e poderá avançar! Falhe, e eu te comerei! Quem vai ser o nosso participante?

Annabeth agarrou meu braço.

– Deixe comigo – ela sussurrou. – Eu sei o que ela vai perguntar.

Eu não discuti muito. Eu não queria que Annabeth fosse devorada por um monstro, mas pensei que se a Esfinge fosse perguntar enigmas, Annabeth era a melhor de nós para tentar. Ela pisou adiante e avançou para o pódio do competidor, que tinha arqueado sobre ele um esqueleto em uniforme escolar. Ela tirou o esqueleto do caminho, e ele caiu ruidosamente no chão.

– Desculpe – Annabeth disse a ele.

– Bem vinda, Annabeth Chase! – o monstro falou, embora Annabeth não tenha dito seu nome. – Você está pronta para o seu teste?

– Sim – ela falou. – Pergunte o seu enigma.

– Vinte enigmas, na verdade! – a esfinge falou alegremente.

– O quê? Mas nos velhos tempos–

– Ah, nós elevamos os nossos padrões! Para passar você tem que mostrar conhecimento em todos os vinte. Isso não é ótimo?

Aplausos tocavam de tempos em tempos como alguém virando uma torneira. Annabeth olhou nervosamente para mim. Eu lhe dei um aceno encorajador.

– Certo – ela disse a Esfinge. – Eu estou pronta.

Os tambores tocaram acima. Os olhos da esfinge brilharam de excitação.

– Qual é a capital da Bulgária?

Annabeth franziu o cenho. Por um terrível momento, eu pensei que ela estava empacada.

– Sofia – ela disse, – mas–

– Correto! – Mais aplausos ensaiados. A Esfinge sorriu tão selvagemente que seus caninos apareceram. – Por favor, não se esqueça de marcar sua resposta claramente na sua folha de teste com um lápis preto número dois.

– O quê? – Annabeth parecia aturdida. Então uma folha de teste apareceu no pódio à sua frente junto com um lápis afiado.

– Preste atenção na bola que você assinalar e fique dentro do círculo – a esfinge disse. – Se você tiver que apagar, apague completamente ou a máquina não vai conseguir ler as suas respostas.

– Que máquina? – Annabeth perguntou.

A esfinge apontou com sua pata. Em cima do refletor estava uma caixa de bronze com um monte de engrenagens e alavancas e uma grande letra H na lateral, a marca de Hefesto.

– Agora – disse a Esfinge, – a próxima questão–

– Espere um segundo – Annabeth protestou. – O que aconteceu com “O que caminha com quatro pernas de manhã...?”

– Perdão? – A esfinge disse, claramente aborrecida agora.

– O enigma sobre o homem. Ele caminha em quatro pernas de manhã, como um bebê, duas pernas ao entardecer, como um adulto, e três pernas ao anoitecer, como um velho com uma bengala. Esse é o enigma que você costumava perguntar.

– Exatamente porque eu mudei o teste! – a Esfinge exclamou. – Você já sabia a resposta. Agora a segunda questão, qual é a raiz quadrada de dezesseis?

– Quatro – Annabeth disse, – mas–

– Correto! Qual presidente dos Estados Unidos assinou a Proclamação de Emancipação?

– Abrahan Lincoln, mas–

– Correto! Enigma número quatro. Quanto–

– Espere aí! – Annabeth gritou.

Eu queria falar para ela parar de reclamar. Ela estava indo bem! Ela deveria somente responder as questões para podermos ir.

– Isso não são enigmas – Annabeth disse

– O que você quer dizer? – a esfinge vociferou. – Claro que são. Esse teste é especialmente projetado–

– Isso é um monte de fatos estúpidos e aleatórios – Annabeth insistiu. – Os enigmas devem fazer você pensar.

– Pensar? – a esfinge fez uma carranca. – Como é que eu deveria testar se você sabe pensar? Isso é ridículo! Agora, quanta força é requerida–

– Pare! – Annabeth insistiu. – Esse é um teste estúpido.

– Hã, Annabeth – Grover se intrometeu nervosamente. – Talvez você devesse, você sabe, terminar primeiro e reclamar depois?

– Eu sou uma filha de Atena – ela insistiu. – E isso é um insulto a minha inteligência. Eu não vou responder essas questões.

Parte de mim estava impressionada por ela se impor daquela forma. Mas parte de mim pensou que o orgulho dela ia matar todos nós. Os refletores resplandeceram. Os olhos da esfinge faiscaram puro preto.

– Então, minha querida – o monstro disse calmamente. – Se você não passar, você falhará. E como nós não permitimos que crianças fiquem para trás você será DEVORADA!

A Esfinge expôs suas presas, que brilhavam como aço inoxidável. Ela pulou para o pódio.

– Não! – Tyson atacou. Ele odeia quando as pessoas ameaçam Annabeth, mas não pude acreditar que ele estava sendo tão valente, especialmente quando ele teve uma experiência tão ruim com uma esfinge antes.

Ele agarrou a esfinge no ar e eles colidiram de lado com uma pilha de ossos. Isso deu tempo para Annabeth recobrar seu senso e puxar sua faca. Tyson se ergueu, sua camiseta em frangalhos. A Esfinge rosnou, procurando por uma abertura.

Eu saquei Contracorrente e me coloquei na frente de Annabeth.

– Fique invisível – eu disse a ela.

– Eu posso lutar!

– Não! – Eu gritei. – A Esfinge está atrás de você! Deixe-nos usar isso.

Como que para provar o meu ponto, a Esfinge empurrou Tyson para o lado e tentou passar por mim. Grover a cutucou no olho com o osso da perna de alguém. Ela guinchou de dor. Annabeth colocou o seu boné e desapareceu. A esfinge se lançou exatamente onde Annabeth estivera, mas suas patas só encontraram o vazio.

– Não é justo! – a esfinge se lamentou. – Trapaceira!

Com Annabeth fora de vista, a esfinge se virou para mim. Eu ergui minha espada, mas antes que eu pudesse golpear, Tyson arrancou a máquina do monstro do chão e a jogou na cabeça da Esfinge, acabando com seu penteado. A máquina caiu aos pedaços em volta dela.

– Minha máquina classificadora! – ela chorou. – Eu não posso ser exemplar sem a pontuação do meu teste!

As barras se ergueram nas saídas. Todos nós saímos para o túnel distante. Eu só podia esperar que Annabeth estivesse fazendo o mesmo.

A esfinge começou a nos seguir, mas Grover pegou sua flauta e começou a tocar. De repente os lápis se lembraram que eles costumavam ser partes de árvores. Eles se enroscaram nas patas da Esfinge, raízes e folhas cresceram e começaram a se prender ao redor das pernas do monstro. A Esfinge os rasgou, mais isso nos deu tempo suficiente.

Tyson puxou Grover para o túnel, e as barras bateram se fechando atrás de nós.

– Annabeth! – Gritei.

– Aqui! – Ela disse, bem ao meu lado. – Continue se movendo!

Nós corremos pelos túneis escuros, ouvindo o rugido da Esfinge atrás de nós conforme ela reclamava dos testes que ela teria que corrigir a mão.

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