quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A Maldição do titã - capitulo 16



                Nós conhecemos o dragão do mau hálito interno


– Nós nunca vamos conseguir – Zöe disse. – Estamos indo muito devagar. Mas não podemos abandonar o Ofiotauro.

– Mooo – Bessie disse.

Ele nadou ao meu lado enquanto caminhávamos ao longo da margem do lago. Tínhamos deixado o píer do shopping center bem para trás. Estávamos nos dirigindo para a Ponte Golden Gate, mas era muito mais longe do que eu havia pensado. O sol já estava mergulhando no oeste.

– Não entendo – eu disse. – Por que temos que chegar lá ao pôr do sol?

– As Hespérides são as ninfas do pôr do sol – Zöe disse. – Só podemos entrar no jardim delas quando o dia muda para noite.

– O que acontece se chegarmos tarde?

– Amanhã é o solstício de inverno. Se perdermos o pôr do sol esta noite, teremos que esperar até a tarde de amanhã. E a essa altura, o Conselho Olimpiano já teria terminado. Devemos libertar Lady Ártemis hoje à noite.

Ou Annabeth será morta, pensei, mas não falei.

– Precisamos de um carro – Thalia disse.

– Mas como fica Bessie? – perguntei.

Grover parou subitamente.

– Tenho uma ideia! O Ofiotauro pode aparecer em diferentes ambientes aquáticos, certo?

– Bem, sim – eu falei. – Quero dizer, ele estava no Estuário de Long Island. Então apareceu de repente na água da Represa Hoover. E agora está aqui.

– Então talvez possamos persuadi-lo a voltar para o Estuário de Long Island. – Grover disse. – Aí Quíron pode nos ajudar a levá-lo para o Olimpo.

– Mas ele estava me seguindo – falei. – Se eu não estiver lá, ele saberia para onde está indo?

– Moo – Bessie concordou, desamparado.

– Eu... eu posso mostrar a ele – Grover falou. – Vou com ele.

Olhei fixamente para ele. Grover não era nenhum fã de água. Ele quase tinha se afogado no último verão no Mar de Monstros, e não conseguia nadar muito bem com seus cascos de bode.

– Sou o único que consegue conversar com ele – Grover disse. – Faz sentido.

Ele se curvou e disse algo no ouvido de Bessie. Bessie se arrepiou, então fez um som de mugido, contente.

– A bênção da natureza – Grover falou. – Isso deve ajudar com uma passagem segura. Percy, reze para o seu pai também. Veja se ele nos garante uma travessia a salvo pelos mares.

Não entendi como eles poderiam de algum jeito nadar de volta para Long Island partindo da Califórnia. Mas de novo, monstros não viajam do mesmo jeito que humanos. Já tinha visto muitas provas disso. Tentei me concentrar nas ondas, no cheiro do oceano, no som da correnteza.

– Pai – falei. – Ajude-nos. Leve o Ofiotauro e Grover em segurança até o acampamento. Proteja-os no mar.

– Uma prece como essa precisa de um sacrifício – Thalia disse. – Algo grande.

Pensei por um segundo. Então tirei meu casaco.

– Percy – Grover disse. – Tem certeza? Essa pele de leão... é realmente útil. Hércules usou isso!

Logo que ele falou isso, percebi uma coisa.

Olhei de relance para Zöe, que estava me observando cautelosamente. Percebi que sabia quem tinha sido o herói de Zöe – o que havia arruinado sua vida, feito com que fosse expulsa da família, e nunca tinha sequer mencionado como ela o ajudara: Hércules, um herói que admirei a minha vida inteira.

– Se eu vou sobreviver – falei. – Não será porque tenho uma capa de pele de leão. Não sou Hércules.

Joguei o casaco na baía. Voltou a ser uma pele de leão dourada, brilhando na luz. Então, assim que ela começou a afundar entre as ondas, pareceu se dissolver em luz solar na água.

A brisa do mar levou.

Grover respirou fundo.

– Bem, sem tempo a perder.

Ele pulou na água e imediatamente começou a afundar. Bessie deslizou até o seu lado e deixou Grover segurar em seu pescoço.

– Tenham cuidado – falei para eles.

– Nós teremos – Grover confirmou. – Ok, hum... Bessie? Estamos indo para Long Island. É no leste. Por aquele caminho.

– Moooo? – disse Bessie.

– Sim – Grover respondeu. – Long Island. É essa ilha. E… é grande. Ah, vamos logo.

– Mooo!

Bessie deu uma guinada para frente. Ele começou a submergir e Grover disse:

– Não consigo respirar debaixo d’água! Achei que tinha mencionado!

Glub!

Eles foram para baixo, e esperei que a proteção do meu pai se estendesse para pequenas coisas, como respiração.

– Bom, isso é um problema resolvido – Zöe disse. – Mas como podemos chegar ao jardim das minhas irmãs?

– Thalia está certa – eu disse. – Precisamos de um carro. Mas não tem ninguém para nos ajudar aqui. A menos que nós, hum, peguemos um emprestado.

Não gostei dessa opção. Quero dizer, claro que era uma situação de vida ou morte, mas ainda assim, era roubo, e era a fronteira para que nos percebessem.

– Espere – Thalia falou. Ela começou a remexer em sua mochila. – Existe alguém em São Francisco que pode nos ajudar. Tenho o endereço aqui em algum lugar.

– Quem? – perguntei.

Thalia retirou um pedaço amassado de folha de caderno e o segurou no alto.

– Professor Chase. O pai de Annabeth.



Depois de escutar as reclamações de Annabeth sobre seu pai durante dois anos, eu esperava que ele tivesse chifres diabólicos e presas. Eu não esperava que ele estivesse vestindo boné e óculos de aviação à moda antiga. Ele parecia tão estranho, com seus olhos esbugalhados através dos óculos, que todos nós demos um passo atrás no pórtico da frente.

– Olá – ele disse numa voz amigável. – Vocês vieram entregar meus aeroplanos?

Thalia, Zöe e eu nos entreolhamos com cautela.

– Hum, não, senhor.

– Droga – ele falou. – Preciso de mais três Sopwith Camels.

– Certo – eu disse, ainda que não tivesse ideia do que ele estava falando. – Somos amigos de Annabeth.

– Annabeth? – Ele se empertigou como se tivesse recebido um choque elétrico. – Ela está bem? Alguma coisa aconteceu?

Nenhum de nós respondeu, mas nossas expressões devem ter dito a ele que algo estava muito errado. Ele tirou seu boné e os óculos. Ele tinha cabelos cor de areia como Annabeth e intensos olhos castanhos. Ele era bonito, acho, para um cara mais velho, mas parecia que ele não tinha se barbeado nos últimos dias, e sua camisa estava abotoada errada, então um lado de seu colarinho estava mais alto que o outro.

– É melhor vocês entrarem.

Não parecia uma casa pra qual eles tinham acabado de se mudar. Havia robôs LEGO nas escadas e dois gatos dormindo no sofá da sala de estar. A mesa do café estava cheia de revistas, e o casaco de inverno de uma criancinha estava jogado no chão. A casa inteira cheirava a biscoitos de chocolate recém-assados. Havia jazz vindo da cozinha. Parecia um tipo bagunçado, feliz de lar – o tipo de lugar no qual se mora desde sempre.

– Pai! – um garotinho gritou. – Ele está desmontando meus robôs.

– Bobby – Dr. Chase chamou, ausente, – não desmonte os robôs do seu irmão.

– Eu sou Bobby! – o garotinho protestou. – Ele é o Matthew!

– Matthew – Dr. Chase chamou, – não desmonte os robôs do seu irmão!

– Ok, pai!

Dr. Chase se virou para nós.

– Vamos subir para o meu escritório. Por aqui.

– Querido? – uma mulher chamou. A madrasta de Annabeth apareceu na sala de estar, enxugando as mãos com um pano de prato. Ela era uma bonita mulher asiática com mechas vermelhas nos cabelos amarrados em um coque.

– Quem são nossas visitas? – ela perguntou

– Oh – Dr. Chase disse. – Este é...

Ele nos encarou sem expressão.

– Frederick – ela censurou. – Você se esqueceu de perguntar os nomes deles?

Nós nos apresentamos um pouco apreensivos, mas a Sra. Chase parecia realmente legal. Ela perguntou se estávamos com fome. Nós admitimos que estávamos, e ela disse que iria nos trazer alguns biscoitos, sanduíches e refrigerantes.

– Querida – Dr. Chase disse. – Eles vieram por causa de Annabeth.

Eu meio que esperava que a Sra. Chase virasse uma lunática desvairada com a menção de sua enteada, mas ela apenas franziu os lábios e pareceu preocupada.

– Tudo bem. Subam para o escritório e vou levar alguma comida para vocês. – Ela sorriu para mim. – Prazer em conhecê-lo, Percy. Ouvi muito sobre você.

Escada acima, entramos no escritório do Dr. Chase e eu disse:

– Uau!

A sala era coberta de livros em todas as paredes, mas o que realmente me chamou a atenção foram os brinquedos de guerra. Havia um grande tabuleiro com miniaturas de tanques e soldados batalhando ao longo de um rio pintado de azul, com colinas e árvores falsas e coisas assim. Aviões bimotores antigos pendurados em fios presos ao teto, inclinados em ângulos malucos como se estivessem no meio de um combate aéreo. Dr. Chase sorriu.

– Sim. A Terceira Batalha de Ypres. Estou escrevendo um artigo, veja bem, sobre o uso dos Sopwith Camels para bombardear as linhas inimigas. Acredito que eles desempenharam um papel maior do que lhes foi dado crédito.

Ele arrancou um bimotor de seu fio e varreu com ele o campo de batalha, fazendo barulhos de motor de avião enquanto ele derrubava pequenos soldados alemães.

– Oh, certo – eu disse. Sabia que o pai de Annabeth era um professor de história militar. Ela nunca tinha mencionado que ele brincava com soldadinhos.

Zöe se aproximou e estudou o campo de batalha.

– As linhas alemãs estavam mais distantes do rio.

Dr. Chase olhou fixamente para ela.

– Como você sabe isso?

– Eu estava lá – ela disse casualmente. – Ártemis queria nos mostrar o quanto a guerra era horrível, o jeito como homens mortais lutavam uns contra os outros. E como era insensato, também. A batalha foi um desperdício completo.

Dr. Chase abriu sua boca em choque.

– Você...

– Ela é uma Caçadora, senhor – Thalia falou. – Mas não é por isso que estamos aqui. Precisamos...

– Você viu os Sopwith Camels? – Dr. Chase disse. – Quantos havia lá? Em quais formações eles voavam?

– Senhor – Thalia interrompeu de novo. – Annabeth está em perigo.

Isso chamou a atenção dele. Ele baixou o bimotor.

– É claro – ele disse. – Contem-me tudo.

Não foi fácil, mas nós tentamos. Nesse meio tempo, a luz da tarde foi enfraquecendo do lado de fora. Estávamos ficando sem tempo.

Quando terminamos, Dr. Chase desabou na sua cadeira reclinável de couro. Ele entrelaçou as mãos.

– Minha pobre corajosa Annabeth. Devemos nos apressar.

– Senhor, precisamos de transporte para o Monte Tamalpais – Zöe disse. – E precisamos imediatamente.

– Eu vou levar vocês. Humm, seria mais rápido voar no meu Camel, mas só tem dois assentos.

– Uau, você tem um bimotor de verdade? – eu disse.

– Lá no Campo Crissy – Dr. Chase falou, orgulhoso. – Essa foi a razão por que tive que me mudar para cá. Meu patrocinador é um colecionador privado com algumas das maiores relíquias da Primeira Guerra Mundial no mundo. Ele me deixou restaurar o Sopwith Camel...

– Senhor – Thalia disse. – Apenas um carro seria ótimo. E seria melhor se nós fôssemos sem você. É muito perigoso.

Dr. Chase franziu a testa, desconfortável.

– Agora espere um minuto, mocinha. Annabeth é minha filha. Perigoso ou não, eu... eu não posso apenas...

– Lanches – a Sra. Chase anunciou. Ela entrou empurrando a porta com uma bandeja cheia de sanduíches com manteiga de amendoim e geleia, Cocas e biscoitos frescos saídos do forno, as gotas de chocolate ainda moles. Thalia e eu cheiramos alguns biscoitos enquanto Zöe disse:

– Eu posso dirigir, senhor. Não sou tão jovem quanto pareço. Prometo não destruir teu carro.

A Sra. Chase juntou as sobrancelhas.

– O que está acontecendo?

– Annabeth está em perigo – Dr. Chase disse. – No Monte Tam. Eu os levaria, mas... aparentemente não é lugar para mortais.

Pareceu que era realmente difícil para ele soltar essa última parte. Esperei que a Sra. Chase dissesse não. Quero dizer, que pais mortais deixariam três adolescentes menores de idade pegarem emprestado seu carro? Para minha surpresa, a Sra. Chase assentiu.

– Então é melhor eles irem logo.

– Certo! – Dr. Chase pulou e começou a apalpar os bolsos. – Minhas chaves...

Sua esposa suspirou.

– Frederick, honestamente. Você perderia a cabeça se não estivesse amarrada dentro do seu chapéu de aviador. As chaves estão penduradas no cabide perto da porta da frente.

– Certo! – Dr. Chase disse.

Zöe agarrou um sanduíche.

– Obrigada aos dois. Devemos ir. Agora!

Nós passamos apressados pela porta e descemos as escadas, os Chase bem atrás de nós.

– Percy – a Sra. Chase chamou quando eu estava saindo, – diga a Annabeth... Diga que ela ainda tem um lar aqui, você dirá? Lembre-a disso.

Dei uma última olhada na bagunçada sala de estar. Os meio-irmãos de Annabeth espalhando LEGOs e discutindo, o cheiro de biscoitos enchendo o ar. Não era um lugar ruim, pensei.

– Direi a ela – prometi.

Nós corremos para o lado de fora até o Volkswagen conversível estacionado na entrada da garagem. O sol estava se pondo. Percebi que tínhamos menos de uma hora para salvar Annabeth.


– Essa coisa não pode ir mais rápido? – Thalia exigiu. Zöe a encarou. – Eu não posso controlar o tráfego.

– Vocês duas parecem a minha mãe – eu disse.

– Cala a boca! – elas falaram em uníssono.

Zöe costurou por dentro e por fora do trânsito na Ponte Golden Gate. O sol estava afundando no horizonte quando nós finalmente chegamos em Marin County e saímos da rodovia.

As estradas eram estupidamente estreitas, serpenteando através de florestas e por cima de encostas de colinas e ao redor de beiradas de ravinas íngremes. Zöe não diminuiu a velocidade de jeito nenhum.

– Por que tudo cheira como pastilhas para tosse? – perguntei.

– Eucaliptos – Zöe apontou para as enormes árvores à nossa volta.

– Aquilo que os coalas comem?

– E monstros – ela disse. – Eles amam mastigar as folhas. Especialmente dragões.

– Dragões mascam folhas de eucalipto?

– Crê em mim – Zöe falou. – Se tivesses hálito de dragão, mascarias eucalipto também.

Eu nem a questionei, mas mantive meus olhos abertos com mais cautela enquanto nos movíamos. À nossa frente erguia-se o Monte Tamalpais. Acho que, em termos de montanhas, era pequena, mas parecia bem grande enquanto nos dirigíamos a ela.

– Então essa é a Montanha do Desespero? – perguntei.

– Sim – Zöe disse rispidamente.

– Por que eles a chamam assim?

Ela ficou em silêncio por mais de um quilômetro antes de responder.

– Depois da guerra entre os Titãs e os deuses, muitos dos Titãs foram punidos e aprisionados. Cronos foi fatiado em pedaços e jogado no Tártaro. O braço direito de Cronos, o general de suas forças, foi aprisionado lá em cima, no topo, logo além do Jardim das Hespérides.

– O General – eu disse. Nuvens pareciam rodopiar ao redor do pico, como se a montanha as estivesse sugando para dentro, girando-as como um pião. – O que está acontecendo lá em cima? Uma tempestade?

Zöe não respondeu. Tive a sensação de que ela sabia exatamente o que as nuvens significavam, e não gostava disso.

– Temos que nos concentrar – Thalia disse. – A Névoa é realmente forte aqui.

– Do tipo mágico ou do tipo natural? – perguntei.

– Ambas.

As nuvens cinzas espiralavam ainda mais densas sobre a montanha, e continuávamos nos dirigindo diretamente para elas. Estávamos fora da floresta agora, em amplos espaços de penhascos e grama e pedras e nevoeiro.

Olhei de relance abaixo, para o oceano, enquanto passávamos numa curva exagerada, e vi algo que me fez pular do assento.

– Olhem! – Mas nós viramos em um canto e o oceano desapareceu atrás das colinas.

– O quê? – perguntou Thalia.

– Um grande navio branco – eu disse. – Atracado perto da praia. Parecia um navio de cruzeiro.

Os olhos dela se arregalaram.

– O navio de Luke?

Queria falar que não tinha certeza. Poderia ser uma coincidência. Mas eu sabia bem. O Princesa Andrômeda, navio de cruzeiro demoníaco de Luke, estava atracado naquela praia. Foi por isso que ele mandou seu navio por todo o Canal do Panamá. Era o único jeito de navegar vindo da Costa Leste até a Califórnia.

– Teremos companhia, então. – Zöe disse, sombriamente. – O exército de Cronos.

Eu estava prestes a responder, quando de repente os pelos da minha nuca se arrepiaram. Thalia gritou:

– Pare o carro. AGORA!

Zöe deve ter sentido que alguma coisa estava errada, porque ela pisou no freio sem questionar. O Volkswagen amarelo rodou duas vezes antes de parar na beira do penhasco.

– Para fora! – Thalia abriu a porta e me empurrou com força. Nós dois rolamos no chão. No próximo segundo: BOOOM!

Um relâmpago brilhou e o Volkswagen do Dr. Chase explodiu como uma granada amarelo canário. Eu provavelmente teria sido morto pelos estilhaços se não fosse o escudo de Thalia, que apareceu sobre mim. Escutei um barulho parecido com um bate-estacas metálico, e quando abri meus olhos, estávamos rodeados por destroços. Parte do para-lama do Volkswagen tinha empalado a si mesmo na rua. A cobertura de fumaça estava rodando em círculos. Pedaços de metal amarelo estavam espalhados pelo meio da estrada.

Engoli o gosto da fumaça na minha boca e olhei para Thalia.

– Você salvou minha vida.

– E pelas mãos de um parente um perecerá – ela murmurou. – Maldito seja. Ele destruiria a mim? A mim?

Levou um segundo para eu perceber que ela falava de seu pai.

– Ah, ei, esse não pode ter sido o relâmpago de Zeus. De jeito nenhum.

– De quem, então? – Thalia exigiu.

– Eu não sei. Zöe falou o nome de Cronos. Talvez ele...

Thalia agitou a cabeça, parecendo com raiva e atordoada.

– Não. Não foi isso.

– Espere – falei. – Onde está Zöe? Zöe!

Ambos levantamos e corremos em volta do Volkswagen explodido. Nada dentro. Nada em nenhuma direção da estrada. Olhei penhasco abaixo. Nem sinal dela.

– Zöe! – gritei.

Então ela estava de pé ao meu lado, puxando-me pelo braço.

– Silêncio, tolo! Queres acordar Ladon?

– Quer dizer que já chegamos?

– Bem perto – ela disse. – Segui-me.

Camadas de neblina estavam flutuando pela estrada. Zöe pisou numa delas, e quando a neblina passou, ela não estava mais lá. Thalia e eu nos entreolhamos.

– Concentre-se em Zöe – Thalia avisou. – Nós a estamos seguindo. Vá direto para a neblina e mantenha isso em mente.

– Espere, Thalia. Sobre o que aconteceu lá no píer... Quero dizer, com a mantícora e o sacrifício...

– Não quero falar sobre isso.

– Você não teria realmente... você sabe?

Ela hesitou.

– Eu apenas estava chocada. Só isso.

– Zeus não mandou aquele relâmpago no carro. Foi Cronos. Ele está tentando te manipular, fazendo você ficar com raiva do seu pai.

Ela respirou fundo.

– Percy, sei que você está tentando fazer eu me sentir melhor. Obrigada. Mas vamos lá. Precisamos ir.

Ela pisou na neblina, para dentro da Névoa, e eu segui.

Quando a neblina clareou, eu ainda estava na encosta da montanha, mas a estrada era lamacenta. A grama era mais grossa. O pôr do sol fez um corte vermelho sangue através do mar. O pico da montanha parecia mais próximo agora, rodopiando com nuvens de tempestade e poder bruto. Havia apenas um caminho até o topo, diretamente à nossa frente. E levava através de um exuberante campo de sombras e flores: os jardins do crepúsculo, exatamente como eu havia visto em meus sonhos.

Se não fosse pelo enorme dragão, o jardim seria o lugar mais bonito que eu já tinha visto. A grama cintilava com luz prateada do entardecer, e as flores eram de cores tão brilhantes que quase resplandeciam no escuro. Lajotas de mármore preto polidas conduziam em volta dos dois lados de uma macieira do tamanho de um prédio de cinco andares, cada galho reluzindo com maçãs douradas, e eu não quis dizer maçãs douradas amarelas como na mercearia. Quero dizer maçãs douradas de verdade. Não consigo descrever por que elas eram tão atraentes, mas logo que senti sua fragrância, soube que uma mordida seria a coisa mais deliciosa que eu já teria provado.

– As maçãs da imortalidade – Thalia disse. – O presente de casamento de Hera dado por Zeus.

Queria passar à frente e arrancar uma, salvo pelo dragão enrolado em volta da árvore. Agora, não sei o que você pensa quando eu digo dragão. O que quer que seja, não é assustador o suficiente. O corpo de serpente era grosso como um foguete detonador, tremeluzindo com escamas de cobre. Ele tinha mais cabeças do que eu podia contar, como se uma centena de pítons mortíferas estivessem fundidas juntas. Ele aparentava estar dormindo. As cabeças deitadas enroladas num monte parecido com um espaguete na grama, todos os olhos fechados.

Então as sombras à nossa frente começaram a se mover. Havia uma bela e misteriosa cantoria, como vozes vindas do fundo de um poço. Procurei Contracorrente, mas Zöe deteve minha mão.

Quatro figuras cintilaram para a existência, quatro jovens mulheres que se pareciam muito com Zöe. Todas usavam túnicas gregas brancas. A pele delas era como caramelo. Sedosos cabelos negros caíam soltos em volta dos ombros. Era estranho, mas eu nunca havia reparado no quanto Zöe era bonita até ver suas irmãs, as Hespérides. Elas se pareciam exatamente com Zöe – deslumbrantes, e provavelmente muito perigosas.

– Irmãs – Zöe disse.

– Não vemos irmã alguma – uma das garotas disse friamente. – Vemos dois meio-sangues e uma Caçadora. Vós todos deveis morrer em breve.

– Você entendeu errado – dei um passo à frente. – Ninguém vai morrer.

As garotas me estudaram. Elas tinham olhos de pedra vulcânica, inexpressivos e completamente negros.

– Perseu Jackson – uma delas disse.

– Sim – meditou a outra. – Não vejo por que ele é uma ameaça.

– Quem disse que eu era uma ameaça?

A primeira Hespéride olhou rapidamente às suas costas, na direção do topo da montanha.

– Eles temem a ti. Estão descontentes que esta aqui ainda não te matou.

Ela apontou para Thalia.

– Tentador algumas vezes – Thalia admitiu. – Mas não, obrigada. Ele é meu amigo.

– Não há amigos aqui, filha de Zeus – a garota disse. – Somente inimigos. Regressai.

– Não sem Annabeth – Thalia disse.

– E Ártemis – Zöe disse. – Devemos nos aproximar da montanha.

– Sabes que ele vai te matar – a garota disse. – Tu não és páreo para ele.

– Ártemis deve ser libertada – insistiu Zöe. – Deixai-nos passar.

A garota balançou a cabeça.

– Tu não tens mais nenhum direito aqui. Nós só temos que elevar nossas vozes e Ladon vai acordar.

– Ele não vai me ferir – Zöe disse.

– Não? E quanto aos teus supostos amigos?

Então Zöe fez a última coisa que eu esperava. Ela gritou:

– Ladon! Acorda!

O dragão se agitou, brilhando como uma montanha de moedas. As Hespérides ganiram e se dispersaram. A garota líder falou para Zöe:

– És louca?

– Nunca tiveste coragem alguma, irmã – Zöe declarou. – Esse é o teu problema.

O dragão Ladon estava se contorcendo agora, uma centena de cabeças chicoteando ao redor, línguas tremeluzindo e provando o ar. Zöe deu um passo à frente, seus braços levantados.

– Zöe, não – Thalia falou. – Você não é mais uma Hespéride. Ele vai matar você.

– Ladon é treinado para proteger a árvore – Zöe disse. – Beirai em volta dos limites do jardim. Subi a montanha. Enquanto eu for uma ameaça maior, ele deverá vos ignorar.

– Deverá – falei. – Não é muito tranquilizador.

– É o único jeito – ela disse. – Mesmo nós três juntos não conseguiremos lutar com ele.

Ladon abriu suas bocas. O som de cem cabeças sibilando de uma vez mandou um calafrio pelas minhas costas, e isso foi antes de seu hálito me atingir. O cheiro era como ácido. Fez meus olhos queimarem, minha pele arrepiar, e meu cabelo ficar todo em pé. Eu me lembrei da vez em que um rato morrera dentro da parede do nosso apartamento em Nova Iorque no meio do verão. Esse fedor era parecido, exceto que cem vezes mais forte, e misturado com o cheiro de eucalipto mascado. Prometi a mim mesmo naquela hora que nunca iria pedir para a enfermeira da escola outra pastilha para tosse.

Queria sacar minha espada. Mas então me lembrei do meu sonho sobre Zöe e Hércules, e como Hércules havia falhado em um ataque direto. Decidi confiar no julgamento de Zöe.

Thalia foi pela esquerda. Fui pela direita. Zöe caminhou direto para o monstro.

– Sou eu, meu dragãozinho – Zöe disse. – Zöe voltou.

Ladon deslocou-se pra frente, então para trás. Algumas bocas se fecharam. Algumas continuaram sibilando. Confusão de dragão. Enquanto isso, as Hespérides cintilaram e se transformaram em sombras. A voz da mais velha sussurrou:

– Tola.

– Eu costumava alimentar a ti na mão – Zöe continuou, falando numa voz tranquila enquanto dava passos em direção à árvore dourada. – Ainda gostas de carne de cordeiro?

Os olhos do dragão brilharam.

Thalia e eu estávamos quase na metade do caminho em volta do jardim. À frente, eu podia ver uma única trilha pedregosa dirigindo-se acima até o cume negro da montanha. A tempestade rodopiava sobre ele, girando no topo como se fosse o eixo do mundo inteiro.

Tínhamos quase atravessado o campo quando algo saiu errado. Senti o humor do dragão mudar. Talvez Zöe tivesse chegado perto demais. Talvez o dragão tivesse percebido que estava faminto. Qualquer que fosse a razão, ele investiu em Zöe.

Dois mil anos de treinamento a mantiveram viva. Ela se esquivou de uma série de presas cortantes e saltou sob outra, serpenteando através das cabeças do dragão enquanto corria em nossa direção, engasgando com o hálito horrível do monstro.

Saquei Contracorrente para ajudar.

– Não! – Zöe arquejou. – Correi!

O dragão a acertou do lado, e Zöe gritou. Thalia revelou Aegis, e o dragão sibilou. No momento de indecisão dele, Zöe correu em nossa direção, subindo a montanha, e nós seguimos.

O dragão não tentou nos perseguir. Ele sibilou e pisoteou o solo, mas acho que ele era bem treinado para proteger aquela árvore. Ele não seria fisgado nem pela suculenta perspectiva de comer alguns heróis.

Corremos montanha acima enquanto as Hespérides retomavam sua canção nas sombras atrás de nós. A música não soava tão bonita para mim agora – parecia mais a trilha sonora para um funeral.

No topo da montanha havia ruínas, blocos de granito e mármore pretos, grandes como casas. Colunas quebradas. Estátuas de bronze que aparentavam terem sido derretidas pela metade.

– As ruínas do Monte Ótris – Thalia sussurrou com receio.

– Sim – Zöe disse. – Não estava aqui antes. Isso é ruim.

– O que é Monte Ótris? – perguntei, sentindo-me bobo como sempre.

– A fortaleza dos Titãs nas montanhas – Zöe disse. – Na primeira guerra, Olimpo e Ótris eram as duas capitais rivais do mundo. Ótris era– Ela estremeceu e segurou o lado do corpo.

– Você está ferida – falei. – Deixe-me ver.

– Não! Não é nada. Estava dizendo... na primeira Guerra, Ótris foi feita em pedaços.

– Mas... como está aqui?

Thalia olhou em volta cuidadosamente enquanto buscávamos nosso caminho através dos escombros, passando por blocos de mármore e arcadas quebradas.

– Ela se move do mesmo jeito que o Olimpo. Sempre existe nos limites da civilização. Mas o fato dela estar aqui, nesta montanha, não é bom.

– Por quê?

– Esta é a montanha de Atlas – Zöe disse. – Onde ele sustenta – ela congelou. Sua voz estava rasgada de desespero. – Onde ele costumava sustentar o céu.

Tínhamos chegado ao pico. Alguns metros à nossa frente, nuvens cinzas rodopiavam num denso vórtice, formando um funil de nuvens que quase tocava o topo da montanha, mas ao invés disso descansava nos ombros de uma garota de doze anos com cabelos castanho avermelhados e um vestido prateado retalhado: Ártemis, suas pernas presas à rocha por correntes de bronze celestial. Foi isto que vi em meu sonho. Não foi o teto de uma caverna que Ártemis foi forçada a carregar. Foi o teto do mundo.

– Minha senhora! – Zöe correu à frente, mas Ártemis disse:

– Pare! É uma armadilha. Vocês devem ir agora.

Sua voz estava extenuada. Ela estava banhada em suor. Eu nunca vira uma deusa sentir dor antes, mas o peso do céu claramente era demais para Ártemis.

Zöe estava chorando. Ela correu para frente apesar dos protestos de Ártemis, e forçou as correntes.

Uma voz estrondosa falou atrás de nós:

– Ah, que comovente.

Nós nos viramos. O General estava lá em pé com seu terno de seda marrom. Ao seu lado estava Luke e meia dúzia de dracaenae carregando o sarcófago dourado de Cronos.

Annabeth estava do lado de Luke. Ela tinha as mãos algemadas às costas, uma mordaça em sua boca, e Luke estava segurando a ponta de sua espada na garganta dela. Encontrei os olhos dela, tentando fazer mil perguntas. Contudo, havia apenas uma mensagem que ela estava me enviando: CORRA.

– Luke – Thalia rosnou. – Deixe-a ir.

O sorriso de Luke era fraco e pálido. Ele parecia ainda pior do que três dias atrás em D.C.

– Essa é uma decisão do General, Thalia. Mas é bom vê-la de novo.

Thalia cuspiu nele. O General abafou uma risada.

– Tudo isso pelos velhos amigos. E você, Zöe. Faz muito tempo. Como está minha pequena traidora? Eu vou apreciar matar você.

– Não responda – Ártemis gemeu. – Não o desafie.

– Espere um minuto – eu disse. – Você é Atlas?

O General olhou de relance para mim.

– Então até o mais estúpido dos heróis consegue finalmente descobrir alguma coisa. Sim, eu sou Atlas, o general dos Titãs e terror dos deuses. Parabéns. Vou matá-lo em breve, assim que lidar com essa garota miserável.

– Você não vai ferir Zöe – falei. – Eu não vou deixar.

O General zombou.

– Você não tem o direito de interferir, pequeno herói. Este é um assunto de família.

Eu franzi a testa.

– Um assunto de família?

– Sim – Zöe disse friamente. – Atlas é meu pai.

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