sábado, 31 de agosto de 2013

O ultimo olimpiano - capitulo 7




           Minha professora de matemática me dá uma carona 

Nós surgimos no Central Park, logo ao norte da Lagoa. Sra. O’Leary parecia bem cansada enquanto ela caminhava com dificuldade em direção à um aglomerado de rochas. Ela começou a farejar em volta, e eu estava com medo que ela marcasse seu território, mas Nico disse:

– Está tudo bem. Ela apenas sente o cheiro do caminho de casa.

Eu franzi a testa.

– Através das rochas?

– O Mundo Inferior tem duas entradas principais – Nico disse. – Você conhece a que fica em Los Angeles.

– O barco de Caronte.

Nico concordou com a cabeça.

– A maioria das almas vai por aquele caminho, mas há uma passagem menor, mais difícil de encontrar. A Porta de Orfeu.

– O cara com a harpa.

– Cara com a lira – corrigiu Nico – mas sim, ele mesmo. Ele usou sua música para encantar a terra e abrir uma nova passagem para o Mundo Inferior. Abriu caminho cantando até o palácio de Hades e quase escapou com a alma de sua esposa.

Eu me lembrava da história. Orfeu não deveria olhar para trás quando estava guiando sua esposa de volta para o mundo, mas é claro que ele fez isso. Era uma daquelas típicas histórias: “Então eles morreram. Fim” que sempre faziam nós, semideuses, nos sentirmos emotivos e confusos.

– Então esta é a Porta de Orfeu? – tentei ficar impressionado, mas ainda parecia uma pilha de pedras para mim. – Como se abre isso?

– Precisamos de música – Nico disse. – Você canta bem?

– Hum, não. Você não pode apenas, tipo, falar para ela abrir? Você é o filho de Hades e tudo mais.

– Não é tão fácil. Precisamos de música.

Eu estava certo de que se eu tentasse cantar, tudo que causaria seria uma avalanche.

– Tenho uma ideia melhor – me virei e chamei: – GROVER!



Nós esperamos um longo tempo. Sra. O’Leary se enrolou e tirou uma soneca. Eu podia ouvir os grilos no bosque e uma coruja piando. O trânsito zunia ao longo da Central Park West. Cascos de cavalo galopavam numa passagem próxima, talvez uma patrulha da cavalaria policial. Eu tinha certeza que eles iam amar achar duas crianças passando o tempo no parque à uma da madrugada.

– Não deu certo – Nico disse finalmente.

Mas eu tive um pressentimento. Minha conexão empática estava realmente formigando pela primeira vez em meses, o que significava que um bocado de gente tinha mudado de repente para o Nature Channel, ou Grover estava próximo.

Fechei meus olhos e me concentrei.

Grover.

Eu sabia que ele estava em algum lugar no parque. Porque eu não podia sentir suas emoções? Tudo que eu tinha era um zumbido fraco na base do meu crânio.

Grover, eu pensei mais insistentemente.

Hmm-hmmmm, alguma coisa falou.

Uma imagem veio à minha cabeça. Vi um olmo gigante bem no meio do bosque, afastado das trilhas principais. Raízes nodosas envolviam o solo, fazendo uma espécie de cama. Deitado com seus braços cruzados e seus olhos fechados estava um sátiro. De primeira eu não pude ter certeza que era Grover. Ele estava coberto de ramos e folhas, como se ele estivesse dormindo lá há um bom tempo. As raízes pareciam estar se modelando ao redor dele, vagarosamente puxando ele para dentro da terra.

Grover, eu disse. Acorde.

Annnh... zzzzz.

Cara, você está coberto de sujeira. Acorde!

Com sono, sua mente murmurou.

COMIDA! sugeri. PANQUECAS!

Seus olhos se abriram. Um borrão de pensamentos preencheu minha cabeça como se ele estivesse de repente no modo acelerado. A imagem se dispersou, e eu quase caí.

– O que aconteceu? – Nico perguntou.

– Consegui contato com ele. Ele está... é. Ele está vindo.

Um minuto depois a árvore ao nosso lado estremeceu. Grover caiu de cabeça dos galhos.

– Grover! – Gritei.

“Woof!” Sra. O’Leary olhou para cima, provavelmente imaginando se íamos brincar de pegar com o sátiro.

– Béé-éé-éé! – Grover baliu.

– Você está bem, cara?

– Oh, estou ótimo – ele esfregou a testa. Seus chifres tinham crescido tanto que saíam quase dois centímetros acima de seu cabelo enrolado. – Eu estava no outro lado do parque. As dríades tiveram essa grande ideia de me passar através das árvores para eu chegar até aqui. Elas não entendem muito bem essa coisa de altura.

Ele sorriu e ficou em pé – bem, em cascos, na verdade. Desde o último verão, Grover tinha parado de tentar se disfarçar como humano. Ele nunca mais tinha usado boné ou pés falsos. Ele nem ao menos usava jeans, já que ele tinha pernas peludas de bode da cintura para baixo. Sua camisa tinha uma imagem do livro Onde estão as coisas selvagens. Estava coberta de sujeira e seiva de árvore. Sua barbicha parecia mais cheia, quase a de um homem adulto (ou bode?) e ele estava tão alto quanto eu agora.

– Bom ver você, garoto bode – eu disse – você se lembra do Nico.

Grover acenou com a cabeça para Nico, então me deu um grande abraço. Ele cheirava a grama recém cortada.

– Perrrrcy! – ele baliu – Senti saudades de você! Senti saudade do acampamento. Eles não servem enchiladas muito boas nos territórios selvagens.

– Eu estava preocupado – eu disse – onde você esteve nos últimos dois meses?

– Os últimos dois... – o sorriso de Grover desapareceu – os últimos dois meses? Do que você está falando?

– Nós não ouvimos nada de você – eu disse – Juníper está preocupada. Nós mandamos mensagens de Íris, mas...

– Espere um pouco – ele olhou para as estrelas acima como se estivesse tentando calcular sua posição – em que mês estamos?

– Agosto.

A cor foi sugada de seu rosto.

– Isso é impossível. É junho. Eu apenas deitei para tirar um cochilo e… – ele agarrou meus braços – Eu lembro agora! Ele me nocauteou. Percy, nós temos que pará-lo!

– Uou! – eu disse – Acalme-se. Conte o que aconteceu.

Ele respirou fundo.

– Eu estava... Estava andando na floresta perto do lago Harlem Meer. E eu senti esse tremor na terra como se algo poderoso estivesse por perto.

– Você pode sentir coisas assim? – perguntou Nico.

Grover concordou.

– Desde a morte de Pã, eu posso sentir quando algo está errado com a natureza. É como se meus ouvidos e olhos fossem mais aguçados quando estou na Natureza. Em todo caso, comecei a seguir o cheiro. Esse homem com um longo casaco preto estava andando pelo parque, e percebi que ele não criava nenhuma sombra. Ele meio que tremeluzia enquanto se mexia.

– Como uma miragem? – perguntou Nico.

– Sim – disse Grover – e toda vez que ele passava por humanos...

– Os humanos desmaiavam – disse Nico – se curvavam e iam dormir.

– Isso mesmo! Então depois que ele ia embora, eles se levantavam e continuavam seus afazeres como se nada tivesse acontecido.

Eu olhei fixamente para Nico.

– Você conhece esse cara de preto?

– Temo que sim – disse Nico – Grover, o que aconteceu?

– Eu segui o cara. Ele ficou olhando para os prédios em volta do parque como se estivesse fazendo estimativas ou algo assim. Uma garota atleta passou correndo, e se curvou na calçada e começou a roncar. O homem de preto pôs sua mão na testa dela como se estivesse medindo sua temperatura. Então ele continuou andando. Nesse momento, eu sabia que ele era um monstro ou algo ainda pior. Eu o segui até dentro deste bosque, até a base de um grande olmo. Eu estava prestes a convocar algumas dríades para me ajudar a capturá-lo quando ele se virou e...

Grover engoliu em seco.

– Percy, o rosto dele. Eu não podia decifrar o rosto dele porque ficava mudando. Só de olhar para ele fiquei sonolento. Eu perguntei: “O que você está fazendo?” e ele respondeu: “Apenas dando uma olhada ao redor. Você deve sempre fazer o reconhecimento do campo de batalha antes da guerra.” Eu disse algo realmente inteligente, como: “Essa floresta está sob minha proteção. Você não vai começar nenhuma batalha aqui!” E ele gargalhou. Ele disse: “Você tem sorte que eu esteja guardando minha energia para o evento principal, pequeno sátiro. Vou apenas garantir a você uma curta soneca. Bons sonhos.” E essa é a última coisa que eu me lembro.

Nico expirou.

– Grover, você conheceu Morfeu, o Deus dos Sonhos. Você tem sorte de ter acordado.

– Dois meses. – Grover gemeu. – Ele me pôs para dormir por dois meses.

Tentei envolver minha mente com o significado disso. Agora fazia sentido porque nós não tínhamos conseguido entrar em contato com Grover todo esse tempo.

– Porque as ninfas não tentaram acordar você? – perguntei.

Grover deu de ombros.

– A maioria das ninfas não são muito boas com o tempo. Dois meses para uma árvore não é nada. Elas provavelmente pensaram que não havia nada errado.

– Nós temos que descobrir o que Morfeu estava fazendo no parque – eu disse. – Eu não gosto dessa coisa de “evento principal” que ele mencionou.

– Ele está trabalhando para Cronos – Nico disse. – Nós já sabemos disso. Uma grande parte dos deuses menores está. Isso apenas prova que haverá uma invasão. Percy, temos que continuar com o nosso plano.

– Esperem – disse Grover. – Que plano?

Nós contamos a ele, e Grover começou a puxar com força os pelos de sua perna.

– Vocês não estão falando sério – disse ele. – O Mundo Inferior de novo, não.

– Não estou pedindo para você vir, cara – eu falei – sei que você acabou de acordar. Mas precisamos de alguma música para abrir a porta. Você pode fazer isso?

Grover pegou sua flauta de bambu.

– Acho que posso tentar. Eu sei algumas músicas do Nirvana que podem separar pedras. Mas, Percy, você tem certeza que quer fazer isso?

– Por favor, cara – eu disse – significaria muito. Pelos velhos tempos?

Ele choramingou.

– Pelo que eu me lembro, nos velhos tempos nós quase morremos várias vezes. Mas tudo bem, vamos lá.

Ele botou a flauta nos lábios e tocou uma música penetrante, animada. As rochas tremeram. Mais algumas estrofes, e elas se abriram tortuosamente, revelando uma fenda triangular. Eu espiei para dentro. Degraus conduziam para baixo, dentro da escuridão. O ar cheirava a mofo e morte. Trouxe de volta memórias ruins da minha viagem pelo Labirinto no ano passado, mas este túnel parecia ainda mais perigoso. Ele levava direto para a terra de Hades, e isso era quase sempre uma viagem só de ida. Virei para Grover.

– Obrigado... Eu acho.

– Perrrrcy, Cronos realmente vai invadir?

– Eu queria poder lhe dar outra resposta, mas sim. Ele vai.

Pensei que Grover ia mastigar de ansiedade sua flauta de bambu, mas ele se endireitou e arrumou a camisa. Eu não pude evitar pensar no quanto ele era diferente do velho e gordo Leneu.

– Devo convocar os espíritos da natureza, então. Talvez nós possamos ajudar. Vou ver se nós conseguimos achar esse Morfeu.

– Também é melhor contar para Juníper que você está bem.

Os olhos dele se arregalaram.

– Juníper! Oh, ela vai me matar!

Ele tinha começado a correr, mas voltou desengonçado e me deu mais um abraço.

– Tenha cuidado lá embaixo! Volte vivo!

Assim que ele fora embora, Nico e eu acordamos Sra. O’Leary de seu cochilo. Quando ela farejou o túnel, ficou animada e liderou o caminho escada abaixo. Era um túnel bem apertado. Esperava que ela não ficasse entalada. Não imaginava quantos desentupidores nós precisaríamos para desentalar um cão infernal espremido no meio de um túnel que leva ao Mundo Inferior.

– Pronto? – Nico me perguntou. – Vai ficar tudo bem. Não se preocupe.

Ele soava como se estivesse tentando convencer a si mesmo.

Olhei de relance para as estrelas, imaginando se alguma vez eu as veria de novo. Então nós mergulhamos na escuridão.



As escadas continuavam eternamente – estreitas, íngremes e escorregadias. Estava completamente escuro exceto pelo brilho da minha espada. Tentei ir devagar, mas Sra. O’Leary tinha outras ideias. Ela saltava à frente, latindo alegremente. O som ecoava pelo túnel como balas de canhão, e eu notei que nós não pegaríamos ninguém de surpresa até que chegássemos no fundo. Nico ficou para trás, o que eu achei estranho.

– Você está bem? – perguntei a ele.

– Ótimo.

O que era aquela expressão no rosto dele... dúvida?

– Apenas continue andando – ele disse.

Eu não tinha muita escolha. Segui Sra. O’Leary para dentro das profundezas. Depois de uma hora, comecei a escutar o barulho de um rio. Nós emergimos na base de um penhasco, numa planície de areia vulcânica preta. À nossa direita, o Rio Estige irrompia das pedras e rugia para baixo por uma cascata de corredeiras. À nossa esquerda, bem longe na escuridão, fogueiras queimavam nas fortalezas de Érebo, as grandes muralhas negras do reino de Hades.

Eu estremeci. Eu tinha estado aqui pela primeira vez quando tinha doze anos, e somente a companhia de Annabeth e Grover havia me dado coragem para continuar indo em frente. Nico não ajudaria tanto como o negócio da “coragem”. Ele mesmo parecia pálido e preocupado.

Apenas Sra. O’Leary estava feliz. Ela correu ao longo da praia, pegou aleatoriamente um osso de uma perna humana, e voltou em minha direção. Ela colocou o osso aos meus pés e esperou que eu jogasse.

– Hum, talvez depois, garota. – Olhei fixamente para as águas escuras, tentando segurar meus nervos. – Então, Nico... Como nós fazemos isso?

– Temos que entrar pelos portões primeiro.

– Mas o rio está bem aqui.

– Tenho que pegar uma coisa – ele disse. – É o único jeito.

Ele saiu marchando sem esperar.

Eu franzi a testa. Nico não tinha mencionado nada de entrar pelos portões. Mas agora que estávamos aqui, eu não sabia mais o que fazer. Relutante, segui-o pela praia em direção aos grandes portões negros.

Filas de mortos estavam paradas do lado de fora esperando para entrar. Deve ter sido um dia pesado para funerais, porque até mesmo a fila MORTE FÁCIL estava lotada.

“Woof!” disse Sra. O’Leary.

Antes que eu pudesse pará-la ela saltou em direção ponto de inspeção de segurança. Cérbero, o cão de guarda de Hades, surgiu da escuridão – um rottweiler de três cabeças tão grande que fazia Sra. O’Leary parecer um poodle de brinquedo. Cérbero era metade transparente, então é realmente difícil vê-lo até que ele esteja perto o bastante para matar você, mas ele agiu como se não se importasse conosco. Ele estava muito ocupado dizendo olá para Sra. O’Leary.

– Sra. O’Leary, não! – gritei para ela. – Não cheire... Oh, cara.

Nico sorriu. Então olhou para mim e sua expressão se tornou toda séria novamente, como se ele tivesse lembrado algo desagradável.

– Venha. Eles não vão nos dar problema algum na fila. Você está comigo.

Eu não gostava disso, mas nós passamos pelos espíritos da segurança e entramos nos Campos dos Asfódelos. Tive que assobiar três vezes para Sra. O’Leary antes que ela deixasse Cérbero sozinho e corresse até nós.

Nós caminhamos por campos negros de grama pontuados com álamos pretos. Se eu realmente morresse em alguns dias como a profecia havia dito, eu acabaria ficando aqui para sempre, mas tentei não pensar nisso.

Nico marchou à frente, nos levando cada vez mais perto do palácio de Hades.

– Ei! – eu disse – já entramos pelos portões. Onde nós estamos...

Sra. O’Leary rosnou. Uma sombra apareceu acima de nós – algo escuro, frio e fedendo a morte. Aquilo desceu rapidamente e aterrissou no topo de um álamo. Infelizmente, eu a reconheci. Ela tinha uma cara enrugada, um chapéu de tricô azul, e um vestido de veludo amassado. Asas de morcego parecendo de couro abriam-se às suas costas. Seus pés possuíam presas afiadas, e em suas mãos com garras de bronze ela segurava um chicote flamejante e uma bolsa de lã escocesa.

– Sra. Dodds – eu disse.

Ela pôs os caninos à mostra.

– Bem vindo de volta, querido.

Suas duas irmãs – as outras duas Fúrias – também desceram e se acomodaram ao lado dela nos galhos do álamo.

– Você conhece Alectó? – Nico me perguntou.

– Se você quer dizer a feiosa do meio, sim – eu disse – ela era minha professora de matemática.

Nico concordou, como se isso não o surpreendesse. Ele olhou para as Fúrias e respirou fundo.

– Eu fiz o que meu pai pediu. Leve-nos para o palácio.

Eu fiquei tenso.

– Espere um segundo, Nico. O que você...

– Temo que essa seja minha nova vantagem, Percy. Meu pai me prometeu informações sobre minha família, mas ele quer ver você antes de nós usarmos o rio. Sinto muito.

– Você me enganou? – eu estava tão irado que não conseguia pensar. Eu investi contra ele, mas as Fúrias foram velozes. Duas delas desceram rapidamente e me seguraram pelos braços. Minha espada caiu da minha mão, e antes que soubesse, eu estava balançando a quase vinte metros do chão.

– Oh, não fique se debatendo, querido – minha velha professora de matemática cacarejou no meu ouvido – eu odiaria soltar você.

Sra. O’Leary latiu furiosamente e pulou, tentando me alcançar, mas nós estávamos muito alto.

– Diga para Sra. O’Leary se comportar – avisou Nico. Ele estava pairando perto de mim nas garras da terceira Fúria – não quero que você se machuque, Percy. Meu pai está esperando. Ele quer apenas conversar.

Eu queria falar para Sra. O’Leary atacar Nico, mas isso não teria feito nenhum bem, e Nico estava certo sobre uma coisa: meu cachorro poderia se ferir se tentasse provocar uma briga com as Fúrias.

Eu rangi meus dentes.

– Sra. O’Leary, sentada! Está tudo bem, garota.

Ela ganiu e girou em círculos, olhando para mim.

– Tudo bem, traidor – eu rosnei para Nico – você tem seu prêmio. Leve-me para o estúpido palácio.



Alectó me largou como se eu fosse um saco de nabos no meio do jardim do palácio. Era bonito de uma maneira esquisita. Árvores brancas esqueléticas cresciam de vasilhas de mármore. Canteiros de flores transbordavam com plantas douradas e pedras preciosas. Um par de tronos, um de osso e um de prata, ficava na varanda com uma vista dos Campos dos Asfódelos. Teria sido um lugar legal para passar uma manhã de sábado se não fosse o cheiro de enxofre e os gritos de almas torturadas ao longe.

Guerreiros esqueletos guardavam apenas a saída. Eles vestiam fardas esfarrapadas de combate no deserto do exército dos Estados Unidos e carregavam fuzis M16. A terceira Fúria depositou Nico ao meu lado. Então as três se acomodaram no topo do trono esquelético. Eu resisti ao impulso de estrangular Nico. Elas apenas iam me parar. Eu teria que esperar pela minha vingança.

Olhei fixamente para os tronos vazios, esperando alguma coisa acontecer. Então o ar tremeluziu. Três figuras apareceram – Hades e Perséfone em seus tronos e uma mulher mais velha em pé entre eles. Eles pareciam estar no meio de uma discussão.

–... falei para você que ele era um vagabundo – a mulher mais velha disse.

– Mãe! – replicou Perséfone.

– Nós temos visita! – bradou Hades – por favor!

Hades, um dos meus deuses menos favoritos, alisou suas vestes negras, as quais eram cobertas com as faces aterrorizadas dos condenados. Ele tinha pele pálida e os olhos intensos de um maluco.

– Percy Jackson – ele disse com satisfação – enfim.

Rainha Perséfone me estudou curiosamente. Já tinha visto ela uma vez antes no inverno, mas agora no verão ela parecia uma deusa totalmente diferente. Ela tinha cabelos pretos lustrosos e cálidos olhos castanhos. Seu vestido tremeluzia com cores. Espécimes de flores no tecido mudavam e desabrochavam – rosas, tulipas, madressilvas.

A mulher em pé entre eles era obviamente a mãe de Perséfone. Ela tinha os mesmos cabelos e olhos, mas parecia mais velha e austera. Seu vestido era dourado, da cor de um campo de trigo. O cabelo dela era entrelaçado com gramas secas, então aquilo me lembrava uma cesta de vime. Imaginei que se alguém acendesse um fósforo perto dela, ela estaria com sérios problemas.

– Hum – a mulher mais velha disse. – Semideuses. Justamente o que precisamos.

Ao meu lado, Nico se ajoelhou. Queria ter minha espada para que pudesse cortar fora sua cabeça estúpida. Infelizmente, Contracorrente ainda estava lá fora em algum lugar dos campos.

– Pai – disse Nico – fiz como você pediu.

– Você demorou – resmungou Hades. – Sua irmã teria feito um trabalho melhor.

Nico baixou a cabeça. Se eu não estivesse com tanta raiva daquele traidorzinho, eu teria sentido pena dele. Olhei fixamente para o deus dos mortos.

– O que você quer, Hades?

– Conversar, é claro – o deus torceu sua boca em um sorriso cruel – Nico não falou para você?

– Então toda essa missão foi uma mentira. Nico me trouxe aqui embaixo para me matar.

– Oh, não – disse Hades – temo que Nico tenha sido bem sincero sobre querer ajudar você. O garoto é tão honesto quanto obtuso. Eu simplesmente o convenci a pegar um pequeno desvio e trazer você aqui primeiro.

– Pai – disse Nico – você prometeu que não faria mal ao Percy. Você disse que se eu o trouxesse, você me contaria sobre meu passado – sobre minha mãe.

Rainha Perséfone suspirou dramaticamente.

– Nós podemos, por favor, não falar daquela mulher na minha presença?

– Desculpe-me, minha pombinha – disse Hades – tive que prometer algo para o garoto.

A mulher mais velha pigarreou.

– Eu avisei você, filha. Esse canalha Hades não presta. Você poderia ter casado com o deus dos médicos ou o deus dos advogados, mas nããão. Você tinha que comer a romã.

– Mãe...

– E ficar presa no Mundo Inferior!

– Mãe, por favor...

– E agora já e Agosto, e você volta para casa como deveria? Você alguma vez pensa sobre sua pobre e solitária mãe?

– DEMÉTER! – gritou Hades – Já basta. Você é uma convidada em minha casa.

– Oh, isso é uma casa? – ela disse. – Você chama esse depósito de lixo de casa? Faz a milha filha viver nessa escura, úmida...

– Falei para você – disse Hades, rangendo os dentes – Há uma guerra no mundo acima. Você e Perséfone estão melhores aqui comigo.

– Com licença – eu entrei na conversa – mas se você vai me matar, pode fazer isso logo?

Os três deuses olharam para mim.

– Bem, esse aqui tem atitude – observou Deméter.

– De fato – concordou Hades – adoraria matá-lo.

– Pai! – Nico disse – Você prometeu.

– Marido, nós falamos sobre isso – censurou Perséfone, – Você não pode sair por aí incinerando todos os heróis. Além disso, ele é corajoso. Eu gosto disso.

Hades rolou os olhos.

– Você gostava daquele camarada Orfeu também. Olhe como aquilo terminou. Deixe-me matar ele, só um pouquinho.

– Pai, você prometeu! – disse Nico, – Você disse que queria apenas conversar com ele. Você disse que se eu o trouxesse, você explicaria.

Hades deu um olhar ameaçador, alisando as dobras de sua roupa.

– E assim devo. Sua mãe – o que eu posso lhe dizer? Ela era uma mulher maravilhosa – ele desconfortavelmente olhou de relance para Perséfone. – Perdoe-me, minha querida. Quero dizer para uma mortal, é claro. O nome dela era Maria di Angelo. Ela era de Veneza, mas seu pai era um diplomata em Washington, D.C. Foi lá que a conheci. Quando você e sua irmã eram jovens, era um tempo ruim para os filhos de Hades. A Segunda Guerra Mundial estava ganhando forma. Algumas das minhas, ah, outras crianças estavam liderando o lado perdedor. Pensei que fosse melhor colocar vocês fora de alcance.

– Foi por isso que você nos escondeu no Cassino Lótus?

Hades deu de ombros.

– Vocês não envelheceram. Vocês não perceberam que o tempo estava passando. Esperei o tempo certo para tirar vocês de lá.

– Mas o que aconteceu com a nossa mãe? Porque eu não me lembro dela?

– Não é importante – Hades vociferou.

– O quê? É claro que é importante. E você tinha outros filhos... Porque nós fomos os únicos mandados embora? E quem era o advogado que nos tirou de lá?

Hades rangeu os dentes.

– Você faria bem em escutar mais e falar menos, menino. Quanto ao advogado...

Hades estalou os dedos. No topo de seu trono, a Fúria Alectó começou a mudar até ser um homem de meia-idade num terno risca de giz com uma maleta. Ela – ele – parecia estranha agachando-se no ombro de Hades.

– Você! – disse Nico.

A Fúria cacarejou.

– Eu faço advogados e professoras muito bem.

Nico estava tremendo.

– Mas porque você nos libertou do cassino?

– Você sabe por quê – disse Hades. – Não pode ser permitido que esse filho idiota de Poseidon seja a criança da profecia.

Eu catei um rubi da planta mais próxima e joguei em Hades. O objeto afundou em sua roupa sem causar danos.

– Você devia estar ajudando o Olimpo! – eu disse – Todos os outros deuses estão lutando contra Tifão, e você está apenas sentado aqui...

– Esperando as coisas acontecerem – terminou Hades. – Sim, está correto. Quando foi a última vez que o Olimpo me ajudou, meio-sangue? Quando foi a última vez que uma criança minha foi bem-vinda como um herói? Bah! Porque eu deveria me apressar e ajudá-los? Vou ficar aqui com minhas forças intactas.

– E quando Cronos vier atrás de você?

– Deixe ele tentar. Ele estará enfraquecido. E meu filho aqui, Nico... – Hades olhou para ele com desgosto – Bem, ele não é muito agora, vou lhe confirmar. Seria melhor se Bianca tivesse sobrevivido. Mas dê a ele mais quatro anos de treinamento. Nós podemos segurar até lá, certamente. Nico fará dezesseis anos, como diz a profecia, e então ele fará uma decisão que salvará o mundo. E eu serei o rei dos deuses.

– Você está louco – eu disse – Cronos irá destruir você, logo depois que ele terminar de pulverizar o Olimpo.

Hades estendeu as mãos.

– Bem, você terá a chance de descobrir, semideus. Porque você irá esperar essa guerra nas minhas masmorras.

– Não! – disse Nico – Pai, não foi esse nosso acordo. E você não me contou tudo!

– Eu contei tudo o que você precisa saber – disse Hades. – Quanto ao nosso acordo, eu falei com Jackson. Não fiz mal a ele. Você obteve sua informação. Se você queria um acordo melhor, deveria ter me feito jurar pelo rio Estige. Agora, vá para o seu quarto! – ele acenou com a mão, e Nico sumiu.

– Aquele garoto precisa comer mais – resmungou Deméter. – Ele está muito magrinho. Precisa de mais cereais.

Perséfone rolou os olhos.

– Mãe, já chega de cereais. Meu lorde Hades, tem certeza que não quer deixar esse pequeno herói ir embora? Ele é espantosamente corajoso.

– Não, minha querida. Poupei a vida dele. Isso é o bastante.

Tinha quase certeza que Perséfone iria ficar ao meu lado. A corajosa, bela Perséfone iria me tirar disso.

Ela deu de ombros, indiferente.

– Tudo bem. O que temos para o café da manhã? Estou faminta.

– Cereais – Deméter disse.

– Mãe! – as duas mulheres desapareceram num redemoinho de flores e trigo.

– Não se sinta tão mal, Percy Jackson – disse Hades. – Meus fantasmas me deixam bem informado sobre os planos de Cronos. Posso lhe garantir que você não teve chance de pará-lo a tempo. Ao fim desta noite, será tarde demais para o seu precioso Monte Olimpo. A armadilha será posta em prática.

– Que armadilha? – eu exigi – Se você sabe sobre isso, faça alguma coisa! Pelo menos me deixe falar para os outros deuses!

Hades sorriu.

– Você é destemido. Vou lhe dar crédito por isso. Divirta-se no meu calabouço. Vamos checar você novamente em – oh, cinquenta ou sessenta anos.



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