sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Batalha do labirinto - capitulo 15




                          Roubamos algumas asas seminovas

– Por aqui! – Rachel gritou.

– Por que deveríamos seguir você? – Annabeth exigiu. – Você nos levou direto para aquela armadilha da morte!

– Aquele era o caminho que vocês precisavam seguir. – disse Rachel. – Agora é este. Venham!

Annabeth não pareceu contente com isso, mas ela correu conosco. Rachel parecia saber exatamente para onde estava indo. Ela passava pelos corredores e sequer hesitava nas encruzilhadas. Uma vez ela disse:

– Abaixem-se!

E todos nós nos abaixamos quando um grande machado passou por cima de nossas cabeças. Então continuamos como se nada tivesse acontecido.

Perdi a conta de quantas voltas fizemos. Não paramos para descansar até que chegamos a uma sala do tamanho de um ginásio, com velhas colunas de mármore segurando o teto. Eu parei na porta, tentando ouvir sons de perseguição, mas não havia nada. Aparentemente tínhamos despistado Luke e seus seguidores no labirinto.

Foi ai que percebi mais uma coisa: a Sra O’Leary tinha sumido. Eu não sabia quando ela tinha desaparecido. Eu não sabia se ela tinha se perdido, ou se fora capturada por monstros ou algo assim. Meu coração virou chumbo. Ela havia salvo nossas vidas, e eu nem ao menos esperei pra ter certeza se ela estava nos seguindo.

Ethan despencou no chão.

– Vocês são loucos. – Ele tirou seu capacete. Seu rosto brilhava por causa do suor.

Annabeth ofegou.

– Eu me lembro de você! Você era um dos garotos indeterminados no chalé de Hermes, anos atrás.

Ele olhou para ela.

– É, e você é Annabeth. Eu me lembro.

– O que - o que aconteceu com seu olho?

Ethan desviou o olhar, e tive a sensação que aquele era um assunto que ele não discutiria.

– Você deve ser o meio-sangue do meu sonho – eu disse. – O que os amigos de Luke encurralaram. Afinal, não era o Nico.

– Quem é Nico?

– Não importa – Annabeth disse rapidamente. – Por que você estava tentando se unir ao lado errado?

Ethan sorriu desdenhosamente.

– Não há lado certo. Os deuses nunca se importaram conosco. Por que eu não deveria...?

– Se juntar a um exército que te obriga a lutar até a morte por diversão? – disse Annabeth. – Puxa, eu ia querer.

Ethan lutou para ficar de pé.

– Não vou discutir com você. Valeu pela ajuda, mas eu estou fora dessa.

– Vamos procurar Dédalo – eu disse. – Venha conosco. Quando conseguirmos chegar lá, você será bem vindo de volta ao acampamento.

– Vocês realmente são loucos se pensam que Dédalo vai ajudar vocês.

– Ele tem que ajudar – disse Annabeth. – Nós o faremos ouvir.

Ethan bufou. 

– É, bem. Boa sorte com isso.

Eu agarrei seu braço.

– Você vai andar pelo labirinto sozinho? Isso é suicídio.

Ele olhou para mim mal controlando a raiva. Seu tapa-olho estava desgastado nas bordas e sua roupa preta desbotada, como se ele a estivesse usando há muito, muito tempo.

– Você não deveria ter me poupado, Jackson. Piedade não tem lugar nesta guerra.

Então ele correu para escuridão, pelo caminho por onde tínhamos vindo.



Annabeth, Rachel e eu estávamos tão exaustos que montamos acampamento ali mesmo, na enorme sala. Encontrei uns gravetos secos e fizemos uma fogueira. Sombras dançavam nas colunas erguendo-se em volta de nós como árvores.

– Algo estava errado com o Luke – Annabeth murmurou, cutucando o fogo com sua faca. – Você notou como ele estava agindo?

– Ele parecia muito satisfeito pra mim – eu disse. – Como se ele tivesse passado um ótimo dia torturando heróis.

– Isso não é verdade! Havia algo de errado com ele. Ele parecia... nervoso. Ele disse a seus monstros para me pouparem. Ele queria me dizer algo.

– Provavelmente, “Oi Annabeth! Sente aqui comigo e assista enquanto eu dilacero os seus amigos. Será divertido!”

– Você é impossível – Annabeth resmungou. Ela embainhou sua faca e olhou para Rachel. – Então, para qual direção agora, Sacagawea?

Rachel não respondeu imediatamente. Ela ficara mais quieta desde a arena. Agora, sempre que Annabeth fazia um comentário sarcástico, Rachel nem se incomodava em responder. Ela havia queimado a ponta de um graveto no fogo e o estava usando para desenhar figuras de cinzas no chão, desenhos dos monstros que vimos. Com poucos riscos, ela desenhou uma dracaenae perfeitamente.

– Seguiremos o caminho – ela disse. – A claridade no chão.

– A claridade que nos levou direto para uma armadilha? – perguntou Annabeth.

– Deixe-a em paz Annabeth – eu disse. – Ela está fazendo o melhor que pode.

Annabeth se levantou.

– A fogueira está apagando. Vou procurar mais gravetos enquanto vocês combinam estratégias.

E ela marchou para as sombras.

Rachel desenhou outra figura com seu graveto – um Anteu em cinzas pendurado por suas correntes.

– Annabeth normalmente não é assim – eu disse a ela. – Não sei qual é o problema dela.

Rachel ergueu suas sobrancelhas.

– Você tem certeza que não sabe?

– O que você quer dizer?

– Garotos – ela murmurou. – Totalmente cegos.

– Ei, não venha pegar no meu pé também! Olha, eu sinto muito por tê-la envolvido nisso.

– Não, você estava certo – ela disse. – Eu posso ver o caminho. Não consigo explicar, mas eu vejo claramente. – Ela apontou para a outra saída da sala, para a escuridão. – A oficina é para aquele lado. O coração do labirinto. Estamos bem perto agora. Não sei por que o caminho nos levou por aquela arena. Eu... eu sinto muito por aquilo. Pensei que você fosse morrer.

Parecia que ela estava prestes a chorar.

– Ei, eu normalmente estou prestes a morrer – prometi. – Não se sinta mal.

Ela estudou meu rosto.

– Então você faz isso todo verão? Luta com monstros? Salva o mundo? Você nunca faz, sei lá, coisas normais?

Eu nunca havia pensando nisso por esse ângulo. A última vez que eu tive algo parecido com uma vida normal foi... bem, nunca.

– Meio-sangues se acostumam com isso, eu acho. Talvez não com isso, mas... – mudei de posição desconfortavelmente. – E quanto a você? O que você faz normalmente?

Rachel deu de ombros.

– Eu pinto. Leio muito.

Ok, pensei. Até aqui o placar era zero em coisas em comum.

– E quanto a sua família?

Eu pude sentir sua blindagem mental se erguendo, como se esse não fosse um assunto seguro.

– Ah... eles são apenas, você sabe, família.

– Você disse que eles não notariam se você fosse embora.

Ela abaixou seu graveto de desenhar.

– Uau, eu estou muito cansada. Eu vou dormir um pouco, tudo bem?

– Ah, claro. Desculpe se eu...

Mas Rachel já estava se aninhando, fazendo de sua mochila seu travesseiro. Ela fechou seus olhos e deitou bem quieta, mas eu tinha a sensação de que ela não estava realmente dormindo.

Poucos minutos depois, Annabeth voltou. Ela jogou mais alguns gravetos na fogueira. Ela olhou para Rachel, e depois para mim.

– Eu fico com a primeira vigia – ela disse. – Você deveria dormir também.

– Você não precisa agir assim.

– Assim como?

– Assim... deixa pra lá. – Eu me deitei, sentindo-me miserável. Estava tão cansado que assim que fechei os olhos peguei no sono.



Em meus sonhos eu ouvia risadas. Frias, ásperas risadas, como facas sendo afiadas. Eu estava parado na ponta de um penhasco nas profundezas do Tártaro. Abaixo de mim a escuridão fervia como uma sopa de tinta.

– Tão perto da sua destruição, heroizinho – a voz de Cronos censurou. – E ainda não consegue ver.

A voz estava diferente de antes. Parecia quase física agora, como se ele estivesse falando de um corpo sólido ao invés de... o que quer que ele fosse na sua condição fatiada.

– Eu tenho muito a agradecer a você – disse Cronos. – Você assegurou minha volta.

As sombras na caverna ficaram mais escuras e pesadas. Eu tentei me afastar da borda do penhasco, mas era como nadar em óleo. O tempo desacelerou. Minha respiração quase parou.

– Um favor – Cronos disse. – O Senhor dos Titãs sempre cumpre seus débitos. Quem sabe uma olhada nos amigos que você abandonou...

A escuridão me envolveu, e eu estava em uma caverna diferente.

– Corra! – Tyson disse. Ele vinha correndo pela sala. Grover vinha logo atrás dele. Havia um chiado no corredor de onde eles vieram, e a cabeça de uma enorme cobra apareceu na caverna. Digo, essa coisa era tão grande que seu corpo mal cabia no túnel. Suas escamas eram cônicas. Sua cabeça era retangular como um diamante, e seus olhos amarelos brilhavam de ódio. Quando ela abriu sua boca, suas presas eram tão grandes quanto Tyson.

Ela tentou acertar Grover, mas ele saiu do caminho. A cobra abocanhou um punhado de terra, enchendo a boca. Tyson pegou uma rocha e jogou no monstro, acertando entre seus olhos, mas ela só recuou e sibilou.

– Ela vai comer você! – gritou Grover para Tyson.

– Como você sabe?

– Ela acabou de me dizer! Corra!

Tyson se atirou para um lado, mas a cobra usou sua cabeça como um bastão e o derrubou.

– Não! – Grover gritou. Mas antes que Tyson pudesse recuperar seu equilíbrio, a cobra o envolveu e começou a apertá-lo.

Tyson resistiu, empurrando com toda a sua imensa força, mas a cobra apertava mais. Grover batia freneticamente com sua flauta na cobra, mas era como bater em uma parede de pedra.

A caverna inteira tremeu quando a cobra flexionou seus músculos, estremecendo para superar a força de Tyson. Grover começou a tocar sua flauta, e estalactites começaram a cair do teto. A caverna inteira parecia prestes a desmoronar...



Eu acordei com Annabeth chacoalhando meu ombro.

– Percy, acorde!

– Tyson - Tyson está com problemas! – eu disse. – Temos que ajudá-lo!

– Prioridades primeiro – ela disse. – Terremoto!

Sem dúvida alguma, o quarto estava tremendo.

– Rachel! – gritei.

Seus olhos abriram imediatamente. Ela pegou sua mochila, e nós três corremos. Estávamos quase chegando ao túnel mais distante, quando uma coluna gemeu e caiu. Continuamos correndo enquanto toneladas de mármore despencavam atrás de nós. Corremos para o corredor e entramos a tempo de ver outras colunas desabarem. Uma nuvem de poeira branca nos rodeou, e continuamos correndo.

– Quer saber? – disse Annabeth. – Eu gosto deste caminho afinal.

Não demorou muito para vermos luz à frente – como luz elétrica normal.

– Lá – disse Rachel.

Nós a seguimos por um grande corredor de aço inoxidável, como eu imaginei que eles tivessem numa estação espacial ou algo assim. Luzes fluorescentes brilhavam no teto. O chão era de um metal retalhado.

Estava tão acostumado com a escuridão que tive que apertar meus olhos. Annabeth e Rachel pareciam pálidas na iluminação ofuscante.

– Por aqui – disse Rachel, começando a correr. – Estamos perto!

– Está errado! – Annabeth disse. – A oficina deveria estar na seção mais antiga do labirinto. Aqui não pode ser–

Ela hesitou, porque tínhamos chegado a portas duplas de metal. Escrito no aço, no nível dos olhos, havia um delta grande e azul.

– Chegamos – Rachel anunciou. – A oficina de Dédalo.



Annabeth apertou o símbolo nas portas e elas se abriram com um silvo.

– Demais para uma arquitetura antiga – eu disse.

Annabeth fechou a cara. Entramos juntos.

A primeira coisa que me atingiu foi a luz do dia – um sol resplandecente atravessava janelas imensas. Não é muito bem o que você espera no coração de uma masmorra. A oficina era como o estúdio de um artista, com um pé direito de três metros e luzes industriais, chão de pedras polidas, e bancadas ao longo das janelas. Uma escada em espiral dava para o segundo andar do loft. Meia dúzia de cavaletes mostrava diagramas feitos a mão de prédios e máquinas que pareciam esboços de Leonardo da Vinci. Vários laptops estavam espalhados sobre as mesas. Jarras de vidro com um óleo verde – Fogo Grego – impregnavam uma prateleira. Havia invenções também máquinas de metal estranhas que eu não conseguia entender. Uma era uma cadeira de bronze com fios elétricos atados a ela, como algum tipo de dispositivo de tortura. No outro canto havia um ovo enorme de metal, aproximadamente do tamanho de um homem. Tinha um relógio de pêndulo que parecia ser feito totalmente de vidro, assim você podia ver todas as engrenagens funcionando. E pendurados na parede havia vários pares de asas de bronze e prata.

– Di immortales – Annabeth murmurou. Ela correu para o cavalete mais próximo e olhou os esboços. – Ele é um gênio. Olhe as curvas deste prédio!

– E um artista – disse Rachel com admiração. – Essas asas são incríveis!

As asas pareciam mais avançadas do que as que eu vira em meus sonhos. As penas eram mais rigorosamente entrelaçadas. Ao invés dos lacres de cera, faixas autoadesivas corriam dos lados.

Mantive minha mão em Contracorrente. Aparentemente Dédalo não estava em casa, mas a oficina parecia como se tivesse sido usada recentemente. Os laptops estavam com seus protetores de tela. Um muffin de mirtilo pela metade e uma xícara de café estavam em cima de uma escrivaninha.

Eu fui até a janela. A vista era incrível. Eu reconheci as Montanhas Rochosas à distância. Estávamos alto sobre as colinas, no mínimo uns cento e cinquenta metros, e abaixo um vale surgia, coberto por uma porção de platôs e rochas e agulhas de pedra. Parecia que uma criança enorme estivera construindo uma cidade de brinquedo com blocos do tamanho de arranha-céus, e depois decidiu derrubar com tudo.

– Onde estamos? – perguntei.

– Colorado Springs – uma voz disse atrás de nós. – O Jardim dos Deuses.

Parado na escada em espiral acima de nós, com sua arma desembainhada, estava nosso professor de esgrima desaparecido, Quintus.



– Você – disse Annabeth. – O que você fez com Dédalo?

Quintus sorriu vagamente.

– Acredite em mim, minha querida. Você não vai querer conhecê-lo.

– Olhe aqui, Senhor Traidor – Annabeth grunhiu. – Eu não lutei com uma mulher dragão, um homem com três corpos, e uma esfinge psicótica para ver você. Agora, onde está Dédalo?

Quintus desceu as escadas, segurando sua espada de lado. Ele estava vestindo jeans e botas e sua camiseta de conselheiro do Acampamento Meio-Sangue, o que parecia um insulto agora que sabíamos que ele era um espião. Eu não sabia se eu era capaz de vencê-lo numa luta de espadas. Ele era muito bom. Mas achei que deveria tentar.

– Você acha que eu sou um agente de Cronos – ele disse. – E que trabalho pra Luke.

– Bem, dã – disse Annabeth.

– Você é uma garota inteligente – disse ele. – Mas você está errada. Eu trabalho apenas para mim mesmo.

– Luke mencionou você – eu disse. – Geríon sabia sobre você também. Você esteve em seu rancho.

– Claro – respondeu ele. – Eu já estive em quase todos os lugares. Inclusive aqui.

Ele passou por mim como se eu não representasse perigo algum e parou de frente a janela.

– A vista muda dia-a-dia – ele meditou. – É sempre algum lugar elevado. Ontem foi um arranha-céu com vista para Manhattan. Um dia antes, tinha uma linda visão do Lago Michigan. Mas continua voltando para o Jardim dos Deuses. Acho que o Labirinto gosta daqui. Um nome adequado, suponho.

– Você já esteve aqui antes – falei.

– Ah, sim.

– É uma ilusão lá fora? – perguntei. – Uma projeção ou algo assim?

– Não – Rachel murmurou. – É real. Estamos mesmo no Colorado.

Quintus a considerou.

– Você tem uma visão clara, não tem? Você me lembra de uma outra garota mortal que eu conheci uma vez. Outra princesa que veio a sofrer.

– Chega de jogos – eu disse. – O que você fez com Dédalo?

Quintus olhou para mim.

– Meu rapaz, você precisa de aulas com sua amiga de como ver claramente. Eu sou Dédalo.



Eu poderia ter dado um monte de respostas, de “Eu já sabia” a “MENTIROSO!” ou “É, claro, e eu sou Zeus”. Mas a única coisa que eu consegui pensar em dizer foi:

– Mas você não é um inventor! É um espadachim!

– Sou ambos – Quintus disse. – E um arquiteto. E um estudioso. E também jogo basquete muito bem para um cara que só começou com dois mil anos de idade. Um artista de verdade tem que ser bom em muitas coisas.

– Isso é verdade – disse Rachel. – Como eu que posso pintar com meus pés tão bem quanto com as mãos.

– Viu só? – Quintus disse. – Uma garota com vários talentos.

– Mas você não se parece com Dédalo – protestei. – Eu o vi em um sonho e... – De repente um horrível pensamento me atingiu.

– Sim – Quintus disse. – Você finalmente adivinhou a verdade.

– Você é um autômato. Você se fez um novo corpo.

– Percy – disse Annabeth desconfortavelmente, – isso não é possível. Aquilo – aquilo não pode ser um autômato.

Quintus riu.

– Você sabe o que Quintus quer dizer, minha querida?

– O quinto, em latim. Mas–

– Este é o meu quinto corpo. – O espadachim ergueu seu antebraço. Ele pressionou seu cotovelo e parte de seu pulso se abriu com um estalo - um painel retangular em sua pele. Debaixo dela, engrenagens de bronze zuniam. Fios brilhavam.

– Isso é incrível! – disse Rachel.

– Isso é estranho – falei.

– Você achou um jeito de transferir seu animus para uma máquina? – disse Annabeth.

– Isso... não é normal.

– Ah, eu asseguro a você, minha querida, ainda sou eu. Ainda sou o Dédalo. Nossa mãe, Atena, faz questão de que eu nunca me esqueça disso. – Ele puxou a gola da sua camiseta. Na base de seu pescoço havia a marca que eu já tinha visto antes - o desenho de um pássaro negro tatuado em sua pele.

– O estigma do assassino – disse Annabeth.

– Por seu sobrinho, Perdiz – adivinhei. – O garoto que você empurrou da torre.

O rosto de Quintus escureceu.

– Eu não o empurrei. Eu só–

– Fez com que ele perdesse o equilíbrio – eu disse. – Você o deixou morrer.

Quintus contemplou as montanhas púrpuras pela janela.

– Eu me arrependo do que eu fiz, Percy. Eu estava com raiva e amargo. Mas eu não posso desfazer isso, e Atena nunca me deixa esquecer. Assim que Perdiz morreu, ela o transformou em um pequeno pássaro - uma perdiz. Ela tatuou o formato do pássaro no meu pescoço como um lembrete. Não importa qual corpo eu tome, a marca surge em minha pele.

Eu olhei para seus olhos, e percebi que ele era o mesmo homem que eu vira em meus sonhos. Seu rosto estava completamente diferente, mas a mesma alma estava lá – a mesma inteligência e toda a tristeza.

– Você é mesmo Dédalo – decidi. – Mas por que você foi para o acampamento? Por que nos espionar?

– Para ver se o seu acampamento valia a pena ser salvo. Luke me contou uma versão da história. Preferi tirar minhas próprias conclusões.

– Então você conversou com Luke.

– Ah, sim. Várias vezes. Ele é bastante persuasivo.

– Mas agora você viu o acampamento! – Annabeth persistiu. – E você sabe que nós precisamos da sua ajuda. Você não pode deixar Luke passar pelo Labirinto!

Dédalo apoiou sua espada sobre a bancada.

– O Labirinto não está mais sob o meu controle, Annabeth. Eu o criei, sim. De fato, ele está ligado à minha força vital. Mas eu permiti que ele vivesse e crescesse por ele mesmo. Esse é o preço que pago por privacidade.

– Privacidade de quê?

– Dos deuses – ele disse. – E da morte. Eu tenho vivido por dois milênios, minha querida, me escondendo da morte.

– Mas como você consegue se esconder de Hades? – perguntei. – Quero dizer... Hades tem as Fúrias.

– Elas não sabem tudo – ele disse. – Ou veem tudo. Você as enfrentou, Percy. Você sabe que é verdade. Um homem esperto pode se esconder por muito tempo, e eu me entoquei muito fundo. Só o meu maior inimigo ainda me persegue, e mesmo ele eu impedi.

– Você quer dizer Minos – falei.

Dédalo assentiu.

– Ele me caçou incansavelmente. Agora que ele é um juiz dos mortos, ele adoraria mais do que tudo ter a mim na sua frente, para poder me punir por meus crimes. Depois que as filhas de Cócalo o mataram, o fantasma de Minos começou a me torturar em meus sonhos. Ele prometeu que me caçaria. Fiz a única coisa que podia. Eu me retirei do mundo completamente. Eu desci para o meu Labirinto. Eu decidi que essa seria minha última realização: eu enganaria a morte.

– E você enganou – Annabeth maravilhou-se, – por dois mil anos. – Ela parecia meio impressionada, apesar das coisas horríveis que Dédalo tinha feito.

Foi aí que um latido alto ecoou do corredor. Eu ouvia os ba-BUMP, ba-BUMP, ba-

BUMP de grandes patas, e a Sra O’Leary entrou na oficina. Ela lambeu meu rosto uma vez, e depois quase nocauteou Dédalo com um salto entusiasmado.

– Aí está minha velha amiga! – Dédalo disse, acariciando a Sra O’Leary atrás das orelhas. – Minha única companhia por esses longos anos solitários.

– Você a deixou me salvar – eu disse. – Aquele apito realmente funcionou.

Dédalo assentiu.

– Claro que funcionou, Percy. Você tem um bom coração. E eu sabia que a Sra O’Leary gostava de você. Eu queria te ajudar. Talvez eu - eu me sentisse culpado também.

– Culpado pelo quê?

– Essa sua missão foi em vão.

– O quê? – disse Annabeth. – Mas você ainda pode nos ajudar. Você tem que nos ajudar! Dê para nós o fio de Ariadne, então Luke não o pegará.

– Sim... o fio. Eu disse ao Luke que os olhos de uma mortal vidente são os melhores guias, mas ele não acreditou em mim. Ele estava tão focado na ideia de um item mágico. E o fio funciona. Não é tão preciso quanto a sua amiga aqui, talvez. Mas é bom o suficiente. Bom o suficiente.

– Onde ele está? – Annabeth falou.

– Com Luke – disse Dédalo tristemente. – Me desculpe, minha querida. Mas vocês estão atrasados várias horas.

Com um calafrio, percebi que Luke estava de muito bom humor na arena. Ele já havia pegado o fio de Dédalo. Seu único obstáculo fora a arena principal, e eu tinha dado conta dela por ele matando Anteu.

– Cronos me prometeu liberdade – Quintus disse. – Uma vez que Hades for derrubado, ele me entregaria o Mundo Inferior. Eu reclamarei meu filho Ícaro. Farei o certo com o pobre jovem Perdiz. Eu verei a alma de Minos atirada no Tártaro, onde não poderá mais me incomodar. E eu não terei mais que fugir da morte.

– Essa é sua ideia brilhante? – Annabeth gritou. – Você deixará Luke destruir o acampamento, matar centenas de semideuses, e depois atacar o Olimpo? Você trará o mundo todo abaixo só pra conseguir o que quer?

– Sua causa está perdida, minha querida. Eu vi isso assim que comecei a trabalhar no seu acampamento. Não tem como você deter a força de Cronos.

– Isso não é verdade! – disse Annabeth chorando.

– Estou fazendo o que devo fazer, minha querida. A oferta era muito boa para recusar. Me desculpe.

Annabeth empurrou um dos cavaletes. Desenhos arquitetônicos se espalharam pelo chão.

– Eu costumava admirar você. Você era o meu herói! Você - você construiu coisas incríveis. Você resolveu problemas. Agora... eu não sei o que você é. Filhos de Atena deveriam ser sensatos, não somente inteligentes. Talvez você seja só uma máquina. Você deveria ter morrido há dois mil anos atrás.

Ao invés de se irritar, Dédalo inclinou sua cabeça.

– Você deveria avisar seu acampamento. Agora que Luke tem o fio–

De repente a Sra O’Leary ergueu suas orelhas.

– Tem alguém vindo! – Rachel avisou.

As portas da oficina foram abertas, e Nico foi jogado para frente, suas mãos acorrentadas. Então Kelli e dois Lestrigões marcharam logo atrás dele, seguidos pelo fantasma de Minos. Ele parecia quase sólido agora - um pálido rei barbado com olhos frios e filamentos de Névoa em volta de suas roupas.

Ele fixou seu olhar em Dédalo.

– Aí esta você, meu velho amigo.

Dédalo cerrou a mandíbula. Ele olhou para Kelli.

– O que significa isso?

– Luke mandou seus cumprimentos – disse Kelli. – Ele achou que você gostaria de ver seu antigo empregador Minos.

– Isto não fazia parte do nosso acordo – Dédalo disse.

– Isso não importa – Kelli disse. – Mas nós já temos o que queremos de você, e agora temos outros acordos para honrar. Minos pediu algo mais de nós, em troca de entregar este jovem semideus. – Ela correu um dedo sob o queixo de Nico. – Ele será bem útil. E tudo o que Minos pediu em troca foi a sua cabeça, velho.

Dédalo empalideceu.

– Traição.

– Acostume-se com isso – Kelli disse.

– Nico – eu disse. – Você está bem?

Nico assentiu sombriamente.

– Eu - eu sinto muito, Percy. Minos me disse que você estava em perigo. Ele me convenceu a retornar para o labirinto.

– Você estava tentando nos ajudar?

– Eu fui enganado – ele disse. – Ele enganou a todos nós.

Eu olhei para Kelli.

– Cadê o Luke? Por que ele não está aqui?

A demônio sorriu para mim como se estivesse dividindo uma piada particular.

– Luke está... ocupado. Está se preparando para o ataque. Mas não se preocupe. Temos mais amigos a caminho. E nesse meio tempo, acho que terei um lanche maravilhoso!

Suas mãos se tornaram garras. Seu cabelo ficou em chamas e suas pernas na sua forma real – uma perna de burro, e outra de bronze.

– Percy – sussurrou Rachel, – as asas. Você acha que–

– Pegue-as – eu disse. – Tentarei te arrumar um tempo.

E com isso, o inferno veio a tona. Annabeth e eu atacamos Kelli. Os gigantes foram direto na direção de Dédalo, mas a Sra O’Leary pulou para defendê-lo. Nico foi empurrado para o chão e lutou com suas correntes enquanto o espírito de Minos se lamuriava.

– Mate o inventor! Mate-o!

Rachel pegou as asas da parede. Ninguém prestou qualquer atenção nela. Kelli golpeou Annabeth. Eu tentei alcançá-la, mas o demônio era rápido e mortal. Ela derrubou mesas, quebrou invenções, e não nos deixava nos aproximar. Pelo canto do olho, eu vi a Sra O’Leary cravar suas presas no braço de um gigante. Ele gritou de dor e a girou, tentando sacudi-la. Dédalo pegou sua espada, mas o segundo gigante esmagou a escrivaninha com um soco e a espada saiu voando. Uma jarra de Fogo Grego caiu no chão, chamas verdes se espalharam rapidamente.

– Para mim! – Minos gritou. – Espíritos da morte! – Ele ergueu suas mãos fantasmagóricas e o ar começou a zunir.

– Não! – Nico gritou. Ele estava em pé agora. Ele de algum jeito conseguiu retirar suas algemas.

– Você não me controla, jovem tolo – Minos caçoou. – Todo este tempo, eu tenho controlado você! Uma alma por outra alma, sim. Mas não será sua irmã que voltará dos mortos. Serei eu, assim que eu matar o inventor!

Espíritos começaram a aparecer ao redor de Minos – formas tremulantes que lentamente se multiplicaram, solidificando-se em soldados de Creta.

– Eu sou o filho de Hades – Nico insistiu. – Vá embora!

Minos riu.

– Você não tem nenhum poder sobre mim. Eu sou o senhor dos espíritos! O rei fantasma!

– Não. – Nico sacou sua espada. – Eu sou.

Ele fincou sua lâmina negra no chão, e ela deslizou pela rocha como manteiga.

– Nunca! – Minos começou a sumir. – Eu não vou–

O chão tremeu. As janelas bateram e se partiram em pedaços, deixando uma explosão de ar fresco. Uma fissura se abriu no chão da oficina, e Minos e todos os seus espíritos foram sugados para o vácuo com um lamento horrível.

As más noticias: a luta continuava ao nosso redor, e eu me deixei distrair. Kelli me atacou tão rápido que não tive tempo de me defender. Minha espada escorregou para longe e eu bati minha cabeça com força em uma bancada quando caí. Minha visão embaçou. Eu não conseguia levantar os braços.

Kelli gargalhou.

– Seu gosto deve ser incrível!

Ela mostrou suas presas. Então de repente seu corpo enrijeceu. Ela arregalou seus olhos vermelhos. Ela ofegou.

– Nenhum... Espírito... Esportivo...

E Annabeth tirou sua faca das costas da empousa. Com um grito horrível, Kelli se dissolveu em vapor dourado.

Annabeth me ajudou a levantar. Ainda me sentia tonto, mas não tínhamos tempo a perder. A Sra O’Leary e Dédalo ainda estavam lutando com os gigantes, e eu podia ouvir gritos nos túneis. Mais monstros estavam chegando na oficina.

– Temos que ajudar Dédalo! – eu disse.

– Não temos tempo – Rachel disse. – Muitos estão vindo!

Ela já tinha ajustado as asas em si mesma e estava fazendo o mesmo com Nico, que parecia pálido e suado por causa de sua luta com Minos. As asas se prenderam imediatamente às suas costas e braços.

– Agora você! – ela disse para mim.

Em segundos, Rachel, Annabeth, Nico e eu tínhamos ajustado em nós asas acobreadas. Eu já podia sentir meu corpo sendo levado pelo vento através das janelas. O Fogo Grego estava queimando as mesas e os móveis, subindo pela escada em espiral.

– Dédalo! – gritei. – Venha!

Ele estava ferido em centenas de lugares – mas ele estava sangrando óleo dourado ao invés de sangue. Ele tinha encontrado sua espada e estava usando parte de uma mesa esmagada como escudo contra os gigantes.

– Eu não vou deixar a Sra O’Leary! – ele disse. – Vão!

Não havia tempo para discutir. Mesmo que ficássemos, eu não tinha certeza se poderíamos ajudar.

– Nenhum de nós sabe como voar! – Nico protestou.

– Ótima hora para se aprender – falei.

E juntos, nós quatro pulamos pela janela direto para o céu aberto.

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