quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A Maldição do titã - capitulo 13



                        Nós visitamos o ferro-velho dos deuses

Nós viajamos no javali até o pôr do sol, o que era o máximo que as minhas costas poderiam aguentar. Imagine viajar em uma escova de aço gigante por um leito de cascalho o dia todo. É o quanto é confortável viajar em um javali.

Eu não tinha ideia de quantos quilômetros nós cobrimos, mas as montanhas desapareceram na distância e foram substituídas por quilômetros de terra seca e plana. A grama ficava espessa enquanto nós galopávamos (javalis galopam?) pelo deserto.

Quando a noite caiu, o javali parou em um riacho, cansado e resfolegando. Ele começou a beber a água lamacenta, então arrancou um cacto saguaro do chão e o mastigou com espinhos e tudo.

– Isso é o mais longe que ele irá – disse Grover. – Precisamos ir embora enquanto ele está comendo.

Ninguém discutiu. Nós saímos das costas do javali enquanto ele estava ocupado devorando cactos. Então gingamos para longe do melhor jeito que pudemos com nossas assaduras de sela.

Depois do seu terceiro saguaro e outro gole de água lamacenta, o javali grunhiu e arrotou, então se virou e galopou de volta em direção ao leste.

– Ele gosta mais das montanhas – eu imaginei.

– Eu não posso culpá-lo – Thalia disse. – Olhe.

À nossa frente estava uma estrada de duas pistas coberta pela metade com areia. Do outro lado da estrada estava um grupo de construções muito pequeno para ser um povoado: uma casa murada, uma loja de tacos que parecia não ter sido aberta desde antes de Zöe Doce-Amarga ter nascido e um escritório dos correios de reboco branco que tinha uma placa que dizia GILA CLAW, ARIZONA suspensa tortamente acima da porta. Mais além, havia uma cordilheira de colinas... mas então eu percebi que elas não eram colinas comuns. O interior estava muito plano para isso. As colinas eram enormes montes de carros velhos, ferramentas e outras sucatas. Era um ferro-velho que parecia não terminar nunca.

– Opa – eu falei.

– Algo me diz que não vamos encontrar um carro pra alugar aqui – Thalia disse. Ela olhou para Grover. – Imagino que você não tenha outro javali selvagem na manga?

Grover estava farejando o vento, parecendo nervoso. Ele pegou suas bolotas e as jogou na areia, então tocou sua flauta. Elas se rearranjaram em um padrão que não fazia sentido para mim, mas Grover olhou preocupado.

– Somos nós – ele disse. – Aquelas cinco nozes ali.

– Qual delas sou eu? – perguntei.

– A pequena e deformada – Zöe sugeriu.

– Ah, cale a boca.

– Aquele aglomerado logo ali – Grover disse, apontando para a esquerda, – aquilo é problema.

– Um monstro? – Thalia perguntou.

Grover parecia desconfortável.

– Eu não farejo nada, o que não faz sentido. Mas as bolotas não mentem. Nosso próximo desafio...

Ele apontou na direção do ferro-velho. Com a luz do sol quase inexistente agora, as colinas de metal pareciam algo de outro planeta. Decidimos acampar a noite e tentar o ferro-velho pela manhã. Nenhum de nós quis mergulhar na caçamba de lixo no escuro.

Zöe e Bianca produziram cinco sacos de dormir e colchões de espuma de suas mochilas. Eu não sei como elas fizeram isso, porque as mochilas eram minúsculas, mas deviam ter sido encantadas para aguentar tanta coisa. Eu havia notado que seus arcos e aljavas também eram mágicos. Eu nunca tinha pensado sobre isso, mas quando as Caçadoras precisavam deles, eles apenas surgiam nas suas costas. E quando não eram necessários, eles desapareciam.

A noite ficou fria rapidamente, então eu e Grover pegamos tábuas velhas da casa em ruínas e Thalia as fulminou com um choque elétrico para fazer uma fogueira. Então logo nós estávamos tão confortáveis quanto se pode ficar em uma cidade fantasma em ruínas no meio do nada.

– As estrelas apareceram – Zöe disse.

Ela estava certa. Havia milhões delas, sem as luzes da cidade para tornar o céu laranja.

– Incrível – disse Bianca. – Eu nunca tinha realmente visto a Via Láctea.

– Isso não é nada – Zöe disse. – Nos dias antigos, existiam mais. Várias constelações desapareceram devido à luz da poluição humana.

– Você fala como se não fosse humana – eu disse.

Zöe levantou uma sobrancelha.

– Eu sou uma Caçadora. Eu ligo para o que acontece nos locais selvagens do mundo. Pode-se dizer o mesmo sobre ti?

– Sobre você – Thalia corrigiu. – Não ti.

– Mas se usa você para o início da sentença.

– E para o final – Thalia disse. – Sem tu, sem ti. Só você.

Zöe jogou suas mãos para o alto em exasperação.

– Eu odeio essa língua. Ela muda muito frequentemente!

Grover suspirou. Ele ainda estava olhando para as estrelas pensando no problema da poluição.

– Se pelo menos Pan estivesse aqui ele poderia consertar as coisas.

Zöe concordou tristemente.

– Talvez tenha sido o café – Grover disse. – Eu estava bebendo café, e então o vento veio. Talvez se eu bebesse mais café...

Eu estava certo de que café não tinha nada a ver com o que aconteceu em Cloudcroft, mas eu não tinha a coragem para contar ao Grover. Eu pensei no rato de borracha e nos pequenos pássaros que de repente ganharam vida quando o vento soprou.

– Grover, você realmente acha que foi Pan? Quero dizer, eu sei que você quer que seja.

– Ele nos mandou ajuda – insistiu Grover. – Eu não sei como ou por quê. Mas era a presença dele. Depois que essa missão acabar, eu vou voltar ao Novo México e beber muito café. É a melhor pista que nós tivemos em dois mil anos, eu estava tão perto.

Eu não respondi. Não queria esmagar as esperanças de Grover.

– O que eu quero saber – disse Thalia, olhando para Bianca, – é como você destruiu um daqueles zumbis. Tem mais um monte deles por aí. Precisamos descobrir como lutar contra eles.

Bianca sacudiu a cabeça.

– Eu não sei. Eu só o apunhalei e ele ficou em chamas.

– Talvez haja algo especial com a sua faca – eu disse.

– É a mesma que a minha – disse Zöe. – Bronze celestial, sim. Mas a minha não os afetou da mesma maneira.

– Talvez você tenha que acertar o esqueleto em um local exato – eu disse.

Bianca parecia desconfortável com todo mundo prestando atenção nela.

– Não tem importância – Zöe disse a ela. – Nós vamos achar a resposta. Enquanto isso nós devíamos planejar nosso próximo movimento. Quando entrarmos no ferro-velho, nós precisamos continuar a oeste. Se pudermos encontrar uma estrada, podemos pegar carona até a próxima cidade. Eu acho que será Las Vegas.

Eu estava a ponto de protestar que eu e Grover tivemos péssimas experiências naquela cidade, mas Bianca foi mais rápida.

– Não! – ela disse. – Lá não!

Ela parecia realmente assustada, como se tivesse caído da escarpa de uma montanha-russa. Zöe franziu as sobrancelhas.

– Por quê?

Bianca tomou um fôlego instável.

– Eu... eu acho que nós ficamos lá por um tempo. Eu e Nico. Quando estávamos viajando. Então não consigo me lembrar...

De repente eu tive um pensamento realmente ruim. Eu me lembrei de Bianca ter me contado que Nico e ela estiveram em um hotel por um tempo. Eu encontrei o olhar de Grover e percebi que ele estava pensando a mesma coisa.

– Bianca – eu disse. – O hotel que vocês ficaram. Por acaso se chamaria Lótus Hotel e Cassino?

Os olhos dela se alargaram.

– Como você pode saber disso?

– Ah, ótimo – falei.

– Espere – Thalia disse. – O que é o Lótus Cassino?

– Dois anos atrás – eu disse, – Grover, Annabeth e eu ficamos presos lá. Ele é feito para que você nunca queira sair. Nós ficamos por cerca de uma hora. Quando saímos, cinco dias tinham se passado. Ele faz o tempo acelerar.

– Não – Bianca disse. – Não, isso não é possível.

– Você disse que alguém veio e pegou vocês – eu lembrei.

– Sim.

– Como ele parecia? O que ele disse?

– Eu... eu não me lembro. Por favor, eu realmente não quero falar sobre isso.

Zöe sentou mais à frente, suas sobrancelhas unidas com preocupação.

– Tu disseste que Washington D.C mudou desde que vós estivestes lá no último verão. Tu não te lembras do metrô estar lá.

– Sim, mas –

– Bianca – disse Zöe, – podes me dizer o nome do presidente dos Estados Unidos neste momento?

– Não seja boba – disse Bianca. Ela nos disse o nome certo do presidente.

– E quem foi o presidente antes dele? – Zöe perguntou.

Bianca pensou por um momento.

– Roosevelt.

Zöe engoliu em seco.

– Theodore ou Franklin?

– Franklin – disse Bianca. – F.D.R.

– Tipo FDR Drive? – eu perguntei. Porque, sério, essa é a única coisa que sei sobre F.D.R.

– Bianca – disse Zöe. – F.D.R não foi o último presidente. Isso foi há cerca de setenta anos atrás.

– Isso é impossível – disse Bianca. – Eu... eu não sou tão velha.

Ela olhou para suas mãos como que para ter certeza de que não estavam enrugadas. Os olhos de Thalia ficaram tristes. Eu imaginei que ela sabia como era ser tirada do tempo por um período.

– Está tudo bem, Bianca, o importante é que você e Nico estão a salvo. Vocês conseguiram sair de lá.

– Mas como? – eu disse. – Nós ficamos lá por uma hora e nós mal escapamos. Como você pode ter saído depois de ter ficado lá por tanto tempo?

– Eu já disse a você – Bianca parecia a ponto de chorar. – Um homem veio e disse que era hora de ir. Então –

– Mas quem? Por que ele fez isso?

Antes que ela pudesse responder, nós fomos atingidos por uma luz ofuscante vinda da estrada. As luzes de um carro apareceram do nada. Eu estava meio esperançoso de que fosse Apolo, vindo nos dar uma carona de novo, mas o motor era muito silencioso para a carruagem solar e, além disso, era noite. Nós pegamos nossos sacos de dormir e saímos do caminho assim que uma limusine mortalmente branca parou na nossa frente.

A porta traseira da limusine abriu bem próxima a mim. Antes que eu pudesse me afastar a ponta de uma espada tocou minha garganta.

Eu ouvi o som de Zöe e Bianca armando seus arcos. Quando o dono da espada saiu do carro, eu recuei bem devagar. Eu tive que fazê-lo porque ele estava pressionando a ponta da espada embaixo do meu queixo.

Ele riu cruelmente.

– Não está tão rápido agora, não é mesmo, moleque?

Ele era um homem grande com um corte baixo, uma jaqueta de couro preta, jeans pretos, uma camisa branca e botas de combate. Lentes escurecidas escondiam seus olhos, mas eu sabia o que havia atrás daqueles óculos – órbitas vazias preenchidas com chamas.

– Ares – eu rosnei.

O deus da guerra deu uma olhada nos meus amigos.

– Relaxe, pessoal.

Ele estalou os dedos e suas armas caíram no chão.

– Este é um encontro amigável. – Ele afundou a ponta de sua espada um pouco mais embaixo do meu queixo. – É claro que eu gostaria de ter sua cabeça como um troféu, mas alguém quer ver você. E eu nunca decapito meus inimigos na frente de uma dama.

– Que dama? – Thalia perguntou.

Ares olhou para ela.

– Bem, bem. Eu ouvi que você tinha voltado.

Ele abaixou sua espada e me empurrou para o lado.

– Thalia, filha de Zeus – Ares disse. – Você não está andando em boa companhia.

– O que você quer, Ares? – ela disse. – Quem está no carro?

Ares sorriu, aproveitando a atenção.

– Oh, eu duvido que ela queira conhecer o resto de vocês. Particularmente elas. – Ele apontou o queixo na direção de Zöe e Bianca. – Por que vocês não vão todos pegar alguns tacos enquanto esperam? Só vai tomar de Percy alguns minutos.

– Nós não vamos deixá-lo sozinho contigo, Lorde Ares – Zöe disse.

– Além disso – Grover constatou, – a loja de tacos está fechada.

Ares estalou os dedos de novo. As luzes dentro da taqueria de repente ganharam vida. As tábuas voaram da porta e o FECHADO se tornou ABERTO.

– Você estava dizendo, garoto bode?

– Podem ir – eu disse aos meus amigos. – Eu vou cuidar disso.

Eu tentei parecer mais confiante do que me sentia. Eu não acho que Ares foi enganado.

– Vocês ouviram o garoto – disse Ares. – Ele é grande e forte. Ele tem as coisas sob controle.

Meus amigos relutantemente seguiram para o restaurante de tacos. Ares me considerou com ódio e então abriu a porta da limusine como um chofer.

– Entre, moleque – ele disse. – E meça suas maneiras. Ela não perdoa falta de educação como eu.

Quando eu a vi meu queixo caiu.

Eu esqueci meu nome. Esqueci quem eu era. Esqueci como falar sentenças completas. Ela estava usando um vestido vermelho de cetim e seu cabelo estava enrolado em uma cascata de presilhas. Sua face era a mais bonita que eu já havia visto: maquiagem perfeita, olhos deslumbrantes, um sorriso que iluminaria o lado escuro da lua. Pensando melhor, eu não posso dizer com quem ela se parecia. Nem mesmo de que cor seus olhos ou cabelos eram. Pegue a mais bonita atriz que você possa pensar. A deusa era dez vezes mais bonita do que ela. Pegue sua cor de cabelo favorita, cor de olho, qualquer coisa. A deusa tinha aquilo.

Quando ela sorriu pra mim, só por um momento ela se pareceu com Annabeth. E depois com uma atriz de televisão por quem eu costumava ter uma queda na quinta série. Então... bem, você pegou a ideia.

– Ah, aí está você, Percy – a deusa disse. – Eu sou Afrodite.

Eu escorreguei para o assento em frente a ela e disse algo como:

– Um uh gá.

Ela sorriu.

– Você é um doce. Segure isto, por favor.

Ela me entregou um espelho polido do tamanho de um prato de jantar para que eu segurasse para ela. Ela se inclinou para frente e retocou seu batom, embora eu não pudesse ver nada de errado com ele.

– Você sabe por que está aqui?

Eu quis responder. Por que eu não podia formar uma sentença completa? Ela era apenas uma mulher. Uma mulher seriamente bonita. Com olhos que pareciam lagoas de nascente. Uau.

Eu belisquei meu próprio braço, com força.

– Eu... eu não sei – concluí.

– Ah, querido – Afrodite disse. – Ainda em negação?

Fora do carro, eu pude ouvir Ares gargalhando. Eu tive a sensação de que ele podia ouvir cada palavra que dizíamos. A ideia de ele estar lá fora me deixou com raiva, o que ajudou a clarear minha mente.

– Eu não sei sobre o que você está falando – eu disse.

– Bem, então por que você está nessa missão?

– Ártemis foi capturada!

Afrodite rolou seus olhos.

– Ah, Ártemis. Por favor. Fale sobre um caso irremediável. Digo, se eles fossem sequestrar uma deusa, ela deveria ser linda de tirar o fôlego, não acha? Eu tenho pena dos pobres queridos que tiveram que aprisionar Ártemis. Cha-to!

– Mas ela estava perseguindo um monstro – eu protestei. – Um monstro realmente, realmente mau. Temos que achá-lo.

Afrodite me fez segurar o espelho um pouco mais alto. Ela parecia ter achado um microscópico problema no canto do seu olho e pincelou a sua máscara.

– Sempre algum monstro. Mas meu querido Percy, isso é o porquê dos outros estarem nessa missão. Eu estou mais interessada em você.

Meu coração martelou. Eu não queria responder, mas seus olhos extraíram a resposta da minha boca.

– Annabeth está com problemas.

Afrodite sorriu radiante.

– Exato.

– Eu tenho que ajudá-la – eu disse. – Eu venho tendo esses sonhos.

– Ah, você até sonha com ela! É tão fofo!

– Não! Quero dizer... não foi isso que eu quis dizer.

Ela fez um barulho de tsc-tsc.

– Percy, eu estou do seu lado. Eu sou a razão de você estar aqui, no fim das contas.

Eu a fitei.

– O quê?

– A camiseta envenenada que os irmãos Stoll deram a Phoebe – ela disse. – Você acha que foi um acidente? Mandar Blackjack para encontrá-lo? Ajudá-lo a fugir do acampamento?

– Você fez aquilo?

– Claro! Porque, realmente, como essas Caçadoras são chatas! Uma missão por algum monstro blá, blá, blá. Salvar Ártemis. Deixe-a continuar perdida, eu digo. Mas uma missão pelo amor verdadeiro –

– Espere um segundo, eu nunca disse –

– Ah, meu querido. Você não precisa dizer. Você sabe que Annabeth estava perto de se unir às Caçadoras, não é?

Eu corei.

– Eu não tinha certeza –

– Ela estava a ponto de jogar a vida dela fora! E você, meu querido, você pode salvá-la disso. É tão romântico!

– Hum...

– Ah, abaixe o espelho – Afrodite ordenou. – Eu pareço bem.

Eu não tinha notado que ainda o estava segurando, mas assim que o abaixei, percebi que meus braços estavam doloridos.

– Agora preste atenção, Percy – Afrodite disse. – As Caçadoras são suas inimigas. Esqueça-as e a Ártemis e ao monstro. Isso não é importante. Você tem que se concentrar em achar e salvar Annabeth.

– Você sabe onde ela está?

Afrodite moveu sua mão irritavelmente.

– Não, não, eu deixo os detalhes para você. Mas já faz eras que não temos uma boa história de amor trágica.

– Opa, em primeiro lugar, eu nunca disse nada sobre amor. E segundo, o que é que há com trágica!

– O amor conquista tudo – Afrodite prometeu. – Olhe Helena e Páris. Eles deixaram algo ficar entre eles?

– Eles não começaram a Guerra de Tróia e fizeram milhares de pessoas morrerem?

– Pfft. Esse não é o ponto. Siga seu coração.

– Mas... eu não sei aonde ele está indo. Digo, meu coração.

Ela sorriu simpaticamente. Ela realmente era bonita. E não só por que ela tinha uma linda face ou algo assim. Ela acreditava tanto no amor, que era impossível não se sentir tonto quando ela falava a respeito.

– Não saber é metade da diversão – Afrodite disse. – Esquisitamente doloroso, não é? Não ter certeza de quem você ama e quem ama você? Oh, vocês crianças! É tão fofo que eu vou chorar.

– Não, não – eu disse. – Não faça isso.

– E não se preocupe – ela falou. – Eu não vou deixar isso ser chato e fácil para você. Não, eu tenho algumas surpresas maravilhosas na manga. Angústia. Indecisão. Oh, espere só.

– Está tudo realmente bem – eu disse a ela. – Não precisa se incomodar.

– Você é tão fofo. Eu gostaria que todas as minhas filhas pudessem quebrar o coração de um garoto tão amável quanto você. – Os olhos de Afrodite estavam se enchendo de lágrimas. – Agora, é melhor você ir. E seja cuidadoso no território do meu marido, Percy. Não pegue nada. Ele é altamente meticuloso em relação às suas porcarias e tranqueiras.

– O quê? – perguntei. – Você diz Hefesto?

Mas a porta do carro se abriu e Ares pegou meu ombro, colocando-me pra fora do carro e de volta na noite do deserto.

Minha audiência com a deusa do amor havia acabado.

– Você é sortudo, moleque – Ares me afastou da limusine. – Seja grato.

– Pelo quê?

– Por nós sermos tão legais. Se fosse por mim –

– Então por que você não me matou? – eu atirei de volta. Era uma coisa estúpida para se dizer ao deus da guerra, mas estar perto dele sempre me deixa imprudente e zangado.

Ares acenou com a cabeça, como se eu finalmente tivesse dito algo inteligente.

– Eu adoraria matar você, sério – ele disse. – Mas veja, eu estou em uma situação. A conversa no Olimpo é que você pode começar a maior guerra da história. Eu não posso arriscar bagunçar isso. Além disso, Afrodite pensa que você é algum tipo de astro de novela ou algo assim. Se eu matar você, isso vai me deixar mal com ela. Mas não se preocupe. Eu não esqueci minha promessa. Algum dia em breve, garoto - muito em breve — você irá levantar sua espada pra lutar, e se lembrará da ira de Ares.

Eu fechei meus punhos.

– Por que esperar? Eu venci você uma vez. Como aquele tornozelo está se curando?

Ele deu um sorriso torto irônico.

– Nada mal, moleque. Mas você não conseguirá nada do mestre das provocações. Eu vou começar a luta quando eu estiver bem e pronto. Até

lá... Dê o fora.

Ele estalou os dedos e o mundo deu uma volta completa, girando em uma nuvem de poeira vermelha. Eu caí no chão.

Quando eu me levantei de novo, a limusine se fora. A estrada, o restaurante de tacos, toda a cidade de Gila Claw se fora. Meus amigos e eu estávamos no meio do ferro-velho, montanhas de metal sucateado espalhadas em todas as direções.

– O que ela queria com você? – Bianca perguntou, após eu ter contado a eles sobre Afrodite.

– Ah, hum, não tenho certeza – menti. – Ela disse para ser cuidadoso no ferro-velho do marido dela. Disse para não pegar nada.

Zöe estreitou seus olhos.

– A deusa do amor não faria uma viagem especial para contar a ti apenas isso. Sê cuidadoso, Percy. Afrodite já extraviou muitos heróis.

– Pela primeira vez eu concordo com Zöe – Thalia disse. – Você não pode confiar em Afrodite.

Grover estava me olhando de um jeito engraçado. Com a ligação empática e tudo mais, ele podia geralmente ler minhas emoções, e eu percebi que ele sabia exatamente sobre o que Afrodite conversou comigo.

– Então – eu disse ansioso para mudar de assunto, – como saímos daqui?

– Naquela direção – Zöe disse. – É o oeste.

– Como você sabe?

Na claridade da lua cheia eu fiquei surpreso do quão bem eu podia vê-la rolar os olhos pra mim.

– Ursa maior está ao norte – ela disse, – o que significa que lá é o oeste.

Ela apontou para o oeste, e então para uma constelação ao norte, que era difícil de perceber porque havia muitas outras estrelas.

– Ah, sim – eu disse. – A coisa do urso.

Zöe pareceu ofendida.

– Mostra algum respeito. Era um bom urso. Um oponente digno.

– Você age como se fosse real.

– Caras – Grover cortou. – Olhem.

Nós havíamos chegado ao topo de uma montanha de sucata. Pilhas de objetos metálicos cintilavam à luz da lua: cabeças quebradas de cavalos de bronze, pernas de metal de estátuas humanas, carruagens destruídas, toneladas de escudos e espadas e outras armas, junto com coisas mais modernas, como carros que cintilavam ouro e prata, refrigeradores, máquinas de lavar e monitores de computador.

– Uau – disse Bianca. – Aquela coisa... parte dela parece com ouro de verdade.

– E é – disse Thalia severamente. – Como Percy disse, não toque em nada. Esse é o ferro-velho dos deuses.

– Sucata? – Grover pegou uma bonita coroa feita de ouro, prata e joias. Estava quebrada em um lado, como se tivesse sido partida por um machado. – Você chama isso de sucata? – Ele mordeu uma ponta e começou a mastigar. – É delicioso!

Thalia tomou a coroa de suas mãos.

– Estou falando sério!

– Olhe! – Bianca disse. Ela correu colina abaixo tropeçando em rolos de bronze e pratos de ouro. Ela pegou um arco que resplandecia prateado à luz da lua. – Um arco de Caçadora!

Ela uivou em surpresa quando o arco começou a encolher, e se tornou um grampo de cabelo com feitio de uma lua crescente.

– É como a espada do Percy!

A expressão de Zöe era severa.

– Deixa-o, Bianca.

– Mas –

– Está aqui por alguma razão. Qualquer coisa que foi jogada neste ferro-velho deve permanecer nele. É defeituosa. Ou amaldiçoada.

Bianca relutantemente largou o grampo no chão.

– Eu não gosto deste lugar – Thalia disse. Ela apertou a haste de sua lança.

– Você acha que seremos atacados por refrigeradores assassinos? – perguntei.

Ela me deu uma olhada dura.

– Zöe está certa, Percy. Coisas são jogadas aqui por algum motivo. Agora venha, vamos atravessar este campo.

– Esta é a segunda vez que você concorda com Zöe – eu murmurei, mas Thalia me ignorou.

Nós começamos a trilhar nosso caminho através das colinas e vales de sucata. As coisas pareciam não ter fim, e se não fosse pela Ursa Maior nós ficaríamos perdidos. Todas as colinas se pareciam. Eu gostaria de dizer que não mexemos em nada, mas tinha muita sucata legal pra não checarmos algumas. Eu achei uma guitarra elétrica no formato da lira de Apolo que era tão legal que eu tive que pegá-la. Grover achou uma árvore quebrada feita de metal. Ela foi fatiada em pedaços, mas alguns dos galhos ainda tinham pássaros dourados, e eles se balançaram quando Grover os pegou, tentando bater suas asas.

Finalmente, nós vimos o limite do ferro-velho cerca de um quilômetro a nossa frente, as luzes de uma auto-estrada se alongando pelo deserto. Mas entre nós e a estrada...

– O que é aquilo? – Bianca arquejou.

Diante de nós estava uma colina muito maior e mais longa do que as outras. Era como um morro de metal com o topo plano, da largura de um campo de futebol americano e tão alto quanto os postes do gol. No final do morro estava uma fileira de dez grossas colunas de metal forçadas hermeticamente juntas.

Bianca franziu suas sobrancelhas.

– Elas se parecem com...

– Dedos do pé – disse Grover.

Bianca acenou.

– Dedos muito, muito largos.

Zöe e Thalia trocaram olhares nervosos.

– Vamos contornar – Thalia disse. – Bem longe.

– Mas a estrada está logo ali – eu protestei. – É mais rápido escalarmos.

Ping.

Thalia preparou sua lança e Zöe sacou seu arco, mas então eu percebi que foi apenas Grover. Ele havia jogado um pedaço de metal sucateado nos dedos e acertou um, fazendo um longo eco, como se a coluna fosse oca.

– Por que fizeste isso? – Zöe exigiu.

Grover se encolheu.

– Eu não sei. Eu, hã, não gosto de pés falsos?

– Vamos – Thalia olhou para mim. – Dar a volta.

Eu não argumentei. Os dedos estavam começando a me assustar também. Quero dizer, quem esculpe dedos de metal de mais de três metros de altura e depois os crava em um ferro-velho?

Depois de vários minutos de caminhada, nós finalmente pisamos na autoestrada, uma abandonada, porém bem iluminada linha de asfalto negro.

– Nós conseguimos – disse Zöe. – Graças aos deuses.

Mas aparentemente os deuses não queriam ser agradecidos. Naquele momento, eu ouvi um som parecido com mil compressores de lixo triturando metal. Eu me virei. Atrás de nós, a montanha de sucata estava em ebulição, erguendo-se. Os dez dedos se moveram e eu percebi por que eles pareciam dedos. Eles eram dedos. A coisa que se ergueu do metal era um gigante de bronze em uma armadura grega completa. Ele era impossivelmente alto – um arranha-céu com pernas e braços. Ele brilhou assustadoramente à luz da lua. Ele olhou para nós e sua face estava deformada. O lado esquerdo estava parcialmente derretido. Suas juntas rangeram enferrujadas e no seu peito blindado, escrito em grossa poeira por algum dedo gigante, estavam as palavras LAVE-ME.

– Talos! – Zöe arquejou.

– Que - quem é Talos? – eu gaguejei.

– Uma das criações de Hefesto – Thalia disse. – Mas não pode ser o original. É muito pequeno. Um protótipo talvez. Um modelo defeituoso.

O gigante de metal não gostou da palavra defeituoso.

Ele moveu uma mão para o cinturão de sua espada e desembainhou sua arma. O som dela saindo da bainha era horrível, metal chiando contra metal. A lâmina tinha mais de trinta metros de comprimento, fácil. Ela parecia enferrujada e cega, mas eu não imaginei que isso importasse. Ser atingido por aquela coisa seria como ser atingido por um navio de batalha.

– Alguém pegou algo – Zöe disse. – Quem pegou algo?

Zöe olhou para mim acusadoramente.

Eu balancei minha cabeça.

– Eu sou um monte de coisas, mas eu não sou ladrão.

Bianca não disse nada. Eu poderia jurar que ela parecia culpada, mas eu não tive muito tempo para pensar sobre isso, porque o gigante defeituoso Talos deu um passo na nossa direção, cobrindo metade da distância e fazendo a terra tremer.

– Corram! – Grover gritou.

Ótimo conselho, exceto pelo fato de que era inútil. Em um passo lento, aquela coisa poderia nos ultrapassar facilmente. Nós nos separamos do modo como fizemos com o Leão da Neméia. Thalia armou seu escudo e o segurou no alto enquanto corria na direção da autoestrada. O gigante brandiu sua espada e acertou uma fileira de cabos de força, os quais explodiram em faíscas que se espalharam no caminho de Thalia.

As flechas de Zöe assobiaram na direção da face do gigante, mas se despedaçaram inofensivamente contra o metal. Grover zurrou como um bebê bode e escalou uma montanha de metal.

Bianca e eu acabamos perto um do outro, escondendo-nos atrás de uma carruagem quebrada.

– Você pegou algo – eu disse. – Aquele arco.

– Não! – ela disse, mas a voz dela estava trêmula.

– Devolva! – falei. – Jogue isso fora!

– Eu... eu não peguei o arco! De qualquer maneira, é muito tarde.

– O que você pegou?

Antes que ela pudesse responder, eu ouvi um imenso barulho de rangido, e uma sombra escondeu o céu.

– Mova-se! – eu rasguei colina abaixo, Bianca logo atrás de mim, assim que o pé do gigante estraçalhou uma cratera no lugar onde estávamos nos escondendo.

– Ei, Talos! – Grover gritou, mas o monstro levantou sua espada, olhando para Bianca e para mim.

Grover tocou uma rápida melodia em sua flauta. Lá na estrada, as linhas de força caídas começaram a dançar. Eu entendi o que Grover ia fazer um segundo antes de acontecer. Um dos postes com cabos de força ainda atados voou na direção da parte de trás da perna de Talos e se amarrou em sua panturrilha. As linhas faiscaram e mandaram um choque de eletricidade para o traseiro do gigante. Talos rodopiou, faiscando e rangendo. Grover havia conseguido alguns segundos para nós.

– Vamos! – eu disse a Bianca, mas ela continuou congelada. Do seu bolso ela tirou uma pequena figura de metal, uma estátua de um deus. – Era... era para Nico. Era a única estátua que ele ainda não tinha.

– Como você pode pensar em Mitomagia em uma hora dessas? – eu disse.

Havia lágrimas nos olhos dela.

– Jogue isso fora – falei. – Talvez o gigante nos deixe em paz.

Ela largou a estátua relutantemente, mas nada aconteceu.

O gigante continuou indo atrás de Grover. Ele apunhalou uma colina de sucata, errando Grover por alguns metros, mas a sucata fez uma avalanche sobre ele, e então eu não pude vê-lo mais.

– Não! – Thalia gritou. Ela apontou sua lança e um arco de relâmpagos azuis foram lançados, acertando o monstro em seu joelho enferrujado, que falhou. O gigante desmoronou, mas imediatamente começou a se levantar novamente. Era difícil dizer se ele podia sentir alguma coisa. Não havia nenhuma emoção em sua cara meio derretida, mas eu tive a impressão de que ele estava tão furioso quanto um guerreiro de metal de vinte andares de altura poderia estar.

Ele levantou seu pé para pisotear e eu vi que a sola era igual ao solado de um tênis. Tinha um buraco no calcanhar, como um grande poço de serviço, e havia palavras vermelhas pintadas ao redor, as quais eu só decifrei quando o pé desceu: APENAS PARA MANUTENÇÃO.

– Hora da ideia maluca – eu disse.

Bianca olhou para mim nervosamente.

– Qualquer coisa.

Eu contei a ela sobre a escotilha de manutenção.

– Talvez haja um modo de controlar a coisa. Botões ou algo do tipo. Eu vou entrar lá.

– Como? Você vai ter que ficar embaixo do pé dele! Você vai ser esmagado.

– Distraia-o – eu disse. – Eu só tenho que acertar o tempo.

A mandíbula de Bianca travou.

– Não. Eu vou.

– Você não pode. É nova nisso! Você vai morrer.

– É minha culpa que o monstro veio atrás de nós – ela disse. – É minha responsabilidade. Aqui.

Ela pegou a pequena estátua de deus e apertou contra a minha mão.

– Se acontecer alguma coisa, dê isso a Nico. Diga a ele... diga a ele que sinto muito.

– Bianca, não!

Mas ela não estava esperando por mim. Ela correu na direção do pé esquerdo do monstro. Thalia tinha a atenção dele no momento. Ela tinha aprendido que o gigante era grande, mas lento. Se você pudesse ficar perto dele e não ser esmagado, poderia correr ao redor e continuar vivo. Pelo menos estava funcionando até agora.

Bianca ficou perto do pé do gigante, tentando se equilibrar nas sucatas que balançavam e mexiam com o peso dele.

Zöe gritou.

– O que é que tu estás fazendo?

– Faça com que ele levante o pé! – ela disse.

Zöe atirou uma flecha na direção da face do monstro e ela voou direto para dentro de uma das narinas. O gigante se endireitou e balançou sua cabeça.

– Ei, Garoto Sucata! – gritei. – Aqui embaixo.

Eu corri até o seu dedão e o furei com Contracorrente. A lâmina mágica fez um corte no bronze.

Infelizmente, meu plano funcionou. Talos olhou para baixo e levantou seu pé para me esmagar como um inseto. Não vi o que Bianca estava fazendo. Tive que me virar e correr. O pé desceu cerca de cinco centímetros atrás de mim e eu fui jogado no ar.

Atingi algo duro e me sentei atordoado. Eu tinha sido jogado em um refrigerador de ar do Olimpo.

O monstro estava a ponto de acabar comigo, mas Grover de algum modo conseguiu se livrar da pilha de sucata. Ele tocou sua flauta freneticamente e sua música mandou outro poste de linha de força castigar a coxa de Talos. O monstro se virou. Grover deveria ter corrido, mas ele devia estar muito cansado pelo esforço de usar tanta mágica. Ele deu dois passos, caiu e não se levantou mais.

– Grover! – Thalia e eu corremos na direção dele, mas eu sabia que era tarde demais pra nós.

O monstro levantou sua espada para esmagar Grover. Então ele parou. Talos acertou sua cabeça de um lado como se ele estivesse ouvindo uma estranha nova música. Ele começou a mover seus braços e pernas de maneiras estranhas, fazendo a Galinha Funk. Então ele fechou o punho e se deu um soco na cara.

– Vai, Bianca! – eu gritei.

Zöe pareceu horrorizada.

– Ela está dentro?

O monstro cambaleou, e eu percebi que nós ainda estávamos em perigo. Thalia e eu pegamos Grover e corremos com ele em direção à autoestrada. Zöe já estava à nossa frente. Ela gritou:

– Como Bianca vai sair?

O gigante se acertou na cabeça mais uma vez e largou sua espada. Uma tremedeira correu por todo o seu corpo e ele cambaleou na direção dos cabos de força.

– Cuidado! – gritei, mas já era muito tarde.

O tornozelo do gigante se embolou nas linhas e faíscas azuis de eletricidade passaram pelo seu corpo. Torci para que o interior fosse isolado. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo lá. O gigante cambaleou de volta ao ferro-velho, e sua mão direita se soltou, caindo na sucata com um horrível CLANG!

Seu braço esquerdo se desprendeu também. Ele estava se partindo nas juntas.

Talos começou a correr.

– Espera!

Zöe gritou. Nós corremos atrás dele, mas não havia como nós acompanharmos. Pedaços do robô continuavam caindo, ficando no nosso caminho. O gigante desmontou de cima a baixo: sua cabeça, seu peito e, finalmente, suas pernas desmoronaram. Quando alcançamos as ruínas nós procuramos freneticamente gritando o nome de Bianca. Nós engatinhamos entre as vastas partes vazias e as pernas e a cabeça. Nós procuramos até o sol começar a nascer, mas sem sorte.

Zöe se sentou e chorou. Eu estava atordoado por vê-la chorar. Thalia gritou enfurecida e enfiou sua espada na face esmagada do gigante.

– Nós podemos continuar procurando – falei. – Está claro agora. Nós vamos encontrá-la.

– Não, nós não vamos – Grover disse miseravelmente. – Aconteceu exatamente como foi previsto.

– Do que você está falando? – perguntei.

Ele olhou pra mim com grandes olhos aquosos.

– A profecia. Um deve se perder na terra árida.

Por que eu não tinha visto isso? Por que eu a deixei ir em meu lugar?

Ali estávamos nós no deserto. E Bianca di Angelo se fora.

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