quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A Maldição do titã - capitulo 7



                             Todos me odeiam menos o cavalo

O mínimo que o Oráculo podia ter feito era andar de volta para o sótão por si mesmo. Ao invés disso, Grover e eu fomos eleitos para carregá-lo. Eu não percebi que isso era por causa da nossa grande popularidade.

– Cuidado com a cabeça dela! – Grover avisou enquanto subíamos as escadas. Mas foi tarde demais.

Bonc!

Eu bati com sua cara mumificada contra a borda da escotilha e poeira voou.

– Ah, cara. – Eu a coloquei no chão e conferi o estrago. – Quebrei alguma coisa?

– Não sei dizer – Grover admitiu.

Nós a levantamos e a pusemos em seu banquinho tripé, ambos ofegantes e suados. Quem sabia que uma múmia podia pesar tanto? Presumi que ela não falaria comigo, e eu estava certo. Fiquei aliviado quando nós finalmente saímos e fechamos a porta do sótão.

– Bem – disse Grover, – isso foi nojento.

Eu sabia que ele estava tentando manter as coisas leves pelo meu bem, mas eu ainda me sentia muito mal. O acampamento inteiro estaria bravo comigo por perder o jogo para as Caçadoras, e também havia a nova profecia do Oráculo. Era como se o espírito de Delfos tivesse saído de seu caminho para me excluir. Ela ignorou minha pergunta e andou meio quilômetro para falar com Zoë. E ela não falou nada, nem ao menos uma dica, sobre Annabeth.

– O que Quíron vai fazer? – perguntei para Grover.

– Eu queria saber. – Ele olhou ansiosamente pela janela do segundo andar para as colinas onduladas cobertas de neve. – Eu queria estar lá fora.

– Procurando por Annabeth?

Ele teve um pouco de dificuldade para prestar atenção em mim. Então ele corou.

– Ah, certo. Isso também. É claro.

– Por quê? – perguntei. – O que você estava pensando?

Ele bateu seus cascos, inquieto.

– Somente uma coisa que a mantícora falou, sobre a Grande Agitação. Não consigo parar de imaginar... se todos esses poderes antigos estão acordando, talvez... talvez nem todos sejam malignos.

– Quer dizer Pan.

Eu me senti meio egoísta, porque esqueci totalmente sobre a ambição da vida de Grover. O deus da natureza havia desaparecido duzentos anos atrás. Os rumores diziam que ele estava morto, mas os sátiros não acreditavam nisso. Eles estavam determinados a achá-lo. Estiveram procurando em vão por séculos, e Grover estava convencido que seria ele quem obteria sucesso. Este ano, com Quíron botando todos os sátiros em estado de emergência para achar meio-sangues, Grover não foi capaz de continuar sua busca. Isso devia estar deixando ele louco.

– Deixei a trilha esfriar – ele falou. – Fico inquieto, como se estivesse perdendo alguma coisa realmente importante. Ele está lá em algum lugar. Simplesmente sinto isso.

Eu não sabia o que falar. Queria encorajá-lo, mas não sabia como. Meu otimismo estava bem pisoteado na neve lá da floresta, junto com todas as esperanças da captura da bandeira.

Antes que eu pudesse responder, Thalia subiu pesadamente as escadas. Ela oficialmente não estava falando comigo agora, mas ela olhou para Grover e disse:

– Fale para o Percy levar a bunda dele lá para baixo.

– Por quê? – perguntei.

– Ele falou alguma coisa? – Thalia perguntou a Grover.

– Hum, ele perguntou por quê.

– Dioniso está convocando o conselho dos líderes de chalé para discutir a profecia – ela falou. – Infelizmente, isso inclui Percy.

O conselho tomou lugar em torno de uma mesa de Ping-Pong na sala de recreação. Dioniso acenou com a mão e forneceu lanches: patê de queijo, bolachas e diversas garrafas de vinho tinto. Então Quíron o lembrou que vinho era contra as suas restrições e que muitos de nós éramos menores de idade. Sr. D suspirou. Com um estalo de dedos o vinho se transformou em Diet Coke. Ninguém bebeu isso também.

Sr. D e Quíron (na cadeira de rodas) sentaram numa ponta da mesa. Zoë e Bianca di Angelo (que havia se tornado um tipo de assistente pessoal de Zoë) pegaram a outra ponta. Thalia, Grover e eu sentamos à direita, e os outros conselheiros chefes – Beckendorf, Silena Beauregard e os irmãos Stoll – sentaram na esquerda. Os filhos de Ares deveriam ter mandado um representante também, mas todos eles haviam fraturado algum membro (acidentalmente) durante a captura da bandeira, cortesia das Caçadoras.

Eles estavam descansando na enfermaria. Zoë deu início à reunião com um recado positivo.

– Isto é inútil.

– Patê de queijo! – Grover falou subitamente. Ele começou a catar bolachas e bolas de Ping-Pong e a passar cobertura nelas.

– Não há tempo para conversa – Zoë continuou. – Nossa deusa precisa de nós. As Caçadoras devem partir imediatamente.

– E ir para onde? – Quíron perguntou.

– Oeste! – Bianca falou. Estava impressionado com o quanto ela parecia diferente depois de apenas poucos dias com as Caçadoras. Seu cabelo preto estava trançado como o de Zoë agora, então você poderia realmente ver o rosto dela. Ela tinha um punhado de sardas pelo nariz, e seus olhos negros me lembravam vagamente de alguém famoso, mas eu não sabia quem. Parecia que ela estava se exercitando, e sua pele brilhava fracamente, como a das outras Caçadoras, como se ela estivesse tomando banho de luar líquido.

– Você escutou a profecia. Cinco devem ir para oeste até a deusa acorrentada. Nós podemos reunir cinco caçadoras e ir.

– Sim – concordou Zoë. – Ártemis está sendo mantida refém! Nós devemos achá-la e libertá-la.

– Você está deixando passar alguma coisa, como sempre – Thalia falou. – Campistas e Caçadoras combinados vão triunfar. Nós devemos fazer isso juntos.

– Não! – disse Zoë. – As Caçadoras não precisam da vossa ajuda.

– Sua – Thalia resmungou. – Ninguém tem falado vossa em, tipo, trezentos anos, Zoë. Se liga.

Zoë hesitou, como se estivesse tentando formar a palavra corretamente.

– Sôôôa. Nós não precisamos de sôôôa ajuda.

Thalia revirou os olhos.

– Esquece.

– Temo que a profecia diga que vocês precisam de nossa ajuda – Quíron disse. – Campistas e Caçadoras devem cooperar.

– Ou não devem? – Sr. D disse, sonhador, agitando sua Diet Coke embaixo do nariz como se tivesse uma bela fragrância. – Um deve se perder. Um deve perecer. Isso soa um pouco macabro, não é? E se vocês falharem porque tentaram cooperar?

– Sr. D – Quíron suspirou, – com todo o respeito, de que lado você está?

Dioniso ergueu as sobrancelhas.

– Desculpe, meu querido centauro. Apenas tentando ajudar.

– Nós devemos trabalhar juntos – Thalia disse, teimosa. – Eu também não gosto disso, Zoë  mas você conhece profecias. Você quer lutar contra uma?

Zoë fez uma careta, mas eu podia dizer que Thalia tinha marcado um ponto.

– Não devemos nos atrasar – Quíron avisou. – Hoje é domingo. Nesta sexta, vinte e um de dezembro, é o solstício de inverno.

– Ah, que prazer – Dioniso murmurou. – Outra chata reunião anual.

– Ártemis deve estar presente no solstício – Zoë falou. – Ela tem sido uma das mais atuantes no conselho, argumentando por ações contra os servos de Cronos. Se ela estiver ausente, os deuses não vão decidir nada. Nós vamos perder outro ano com preparativos de guerra.

– Você está sugerindo que os deuses têm problemas em agir juntos, mocinha? – Dioniso perguntou.

– Sim, Lorde Dioniso.

Sr. D balançou a cabeça.

– Apenas conferindo. Você está certa, é claro. Continue.

– Devo concordar com Zoë – disse Quíron. – A presença de Ártemis no conselho de inverno é de suma importância. Nós temos apenas uma semana para achá-la. E possivelmente ainda mais importante: localizar o monstro que ela estava caçando. Agora, devemos decidir quem vai nessa missão.

– Três e dois – eu falei.

Todos olharam para mim. Thalia até se esqueceu de me ignorar.

– Nós devemos ter cinco – eu disse, constrangido. – Três Caçadoras, dois do

Acampamento Meio-Sangue. É mais do que justo.

Thalia e Zoë trocaram olhares.

– Bem – Thalia disse. – Faz sentido.

Zoë grunhiu.

– Preferia levar todas as Caçadoras. Precisaremos de força numérica.

– Vocês estariam refazendo o trajeto da deusa – Quíron a lembrou. – Movendo-se rapidamente. Sem dúvida Ártemis rastreou o cheiro desse monstro raro, o que quer que seja, enquanto ela se movia para oeste. Vocês precisarão fazer o mesmo. A profecia foi clara: A trilha a desgraça do Olimpo vai lhes mostrar. O que sua senhora falaria? “Caçadoras demais estragam o cheiro”. É melhor um grupo menor.

Zoë pegou uma raquete de Ping-Pong e estudou-a como se fosse decidir em quem ela queria bater primeiro.

– Esse monstro – a desgraça do Olimpo. Estive caçando ao lado de Lady Ártemis por muitos anos, ainda assim não tenho ideia do que essa fera pode ser.

Todos olharam para Dioniso, acho que por ele ser o único deus presente e deuses supostamente sabem das coisas. Ele estava folheando uma revista de vinhos, mas quando todos se calaram ele olhou de relance.

– Bem, não olhem para mim. Sou um deus jovem, lembram? Não acompanho todos esses monstros antigos e titãs empoeirados. Eles são um terrível assunto de conversa para uma festa.

– Quíron – falei, – você não tem nenhuma ideia sobre o monstro?

Quíron mordeu os lábios.

– Tenho muitas ideias, nenhuma é boa. E nenhuma delas faz sentido. Tifão, por exemplo, encaixaria na descrição. Ele foi uma verdadeira desgraça para o Olimpo. Ou o monstro marinho Ceto. Mas se um desses estivesse se agitando, nós saberíamos. Eles são monstros marinhos do tamanho de arranha-céus. Seu pai, Poseidon, já teria soado o alarme. Temo que esse monstro possa ser mais ardiloso. Talvez até mais poderoso.

– É um perigo bem sério que vocês estão encarando – Connor Stoll disse. (Gostei de como ele falou vocês e não nós.) – Parece que pelo menos dois dos cinco vão morrer.

– Um deve se perder na terra árida – Beckendorf falou. – Se eu fosse vocês, ficaria longe do deserto.

Houve murmúrios de concordância.

– E A maldição do Titã um suportará – disse Silena. – O que isso pode significar?

Vi Quíron e Zoë trocarem olhares nervosos, mas seja o que for que estivessem

pensando, eles não compartilharam.

– E pelas mãos de um parente um perecerá – Grover falou entre mordidas de bolas de Ping-Pong e patê de queijo. – Como isso é possível? Qual parente iria matá-los?

Houve um pesado silêncio em volta da mesa.

Olhei de relance para Thalia e imaginei se ela estava pensando o mesmo que eu. Anos atrás, Quíron escutou a Grande Profecia, que falava sobre a próxima criança filha de um dos Três Grandes – Zeus, Poseidon e Hades – que fizesse dezesseis anos. Supostamente, essa criança tomaria uma decisão que iria salvar ou destruir os deuses para sempre. Por causa disso, os Três Grandes fizeram um juramento depois da Segunda Guerra Mundial de não ter mais filhos. Mas Thalia e eu nascemos mesmo assim, e agora nós dois estávamos próximos dos dezesseis.

Lembrei de uma conversa que tive ano passado com Annabeth. Perguntei a ela, se eu era tão potencialmente perigoso, porque os deuses simplesmente não me matavam.

Alguns dos deuses gostariam de matar você, ela falou. Mas eles estão com medo de ofender Poseidon.

Poderia um parente Olimpiano se voltar contra seu filho meio-sangue? Seria às vezes mais seguro apenas deixá-los morrer? Se em algum momento existiram meio-sangues que precisavam se preocupar com isso, éramos Thalia e eu. Imaginei se eu deveria ter mandado para Poseidon aquela gravata modelo concha pelo Dia dos Pais, afinal.

– Haverá mortes – Quíron decidiu. – Esse tanto nós sabemos.

– Oh, que bom! – Dioniso falou.

Todos olharam para ele. Ele olhou de volta inocentemente de dentro das páginas da revista Apreciador de Vinho.

– Ah, pinot noir está fazendo um grande retorno. Não se importem comigo.

– Percy está certo – Silena Beauregard falou. – Dois campistas devem ir.

– Ah, percebo – Zoë disse sarcasticamente. – E suponho que tu desejas ser voluntária?

Silena ruborizou.

– Não vou a lugar nenhum com as Caçadoras. Não olhe para mim!

– Uma filha de Afrodite que não quer ser olhada – zombou Zoë. – O que tua mãe diria?

Silena começou a se levantar, mas os irmãos Stoll a puxaram de volta.

– Parem com isso – disse Beckendorf. Ele era um cara grande com uma voz mais grave.

Ele não falava muito, mas quando o fazia, as pessoas tendiam a escutar. – Vamos começar com as Caçadoras. Quais são as três de vocês que irão?

Zoë levantou.

– Eu devo ir, é claro, e vou levar Phoebe. Ela é nossa melhor rastreadora.

– A garota grande que gosta de bater na cabeça das pessoas? – Travis Stoll perguntou cautelosamente.

Zoë confirmou com a cabeça.

– A que botou flechas no meu elmo? – Connor acrescentou.

– Sim – Zoë cortou. – Por quê?

– Ah, nada – disse Travis. – É que nós temos uma camisa para ela da loja do

acampamento. – Ele mostrou uma grande camisa prateada que dizia ÁRTEMIS A DEUSA DA LUA, PASSEIO DE CAÇA OUTONO 2002, com uma enorme lista de parques nacionais e coisas abaixo. – É um item de colecionador. Ela estava admirando isto. Você quer dar a ela?

Eu sabia que os Stolls estavam aprontando algo. Eles sempre estavam. Mas acho que Zoë não os conhecia tão bem quanto eu. Ela apenas suspirou e pegou a camisa.

– Como eu estava falando, vou levar Phoebe. E queria que Bianca fosse.

Bianca parecia paralisada.

– Eu? Mas… sou tão nova. Eu não seria de nenhuma utilidade.

– Tu te sairás bem – Zoë insistiu. – Não há melhor maneira de te provar.

Bianca fechou a boca. Eu me senti meio penalizado por ela. Lembrei da minha primeira missão quando tinha doze anos. Tinha me sentido totalmente despreparado. Um pouco honrado, talvez, mas muito ressentido e bastante assustado. Percebi que as mesmas coisas estavam passando pela cabeça de Bianca nesse momento.

– E dos campistas? – Quíron perguntou. Os olhos deles encontraram os meus, mas não pude falar o que ele estava pensando.

– Eu! – Grover se levantou tão rápido que se chocou com a mesa de Ping-Pong. Ele limpou migalhas de bolacha e restos de bolas de Ping-Pong de seu colo. – Qualquer coisa para ajudar Ártemis!

Zoë entortou o nariz.

– Acho que não, sátiro. Tu nem ao menos és um meio-sangue.

– Mas ele é um campista – Thalia falou. – E ele tem os sentidos dos sátiros e magia da floresta. Você já consegue tocar uma canção de rastreador, Grover?

– Claro que sim!

Zoë vacilou. Eu não sabia o que era uma canção de rastreador, mas aparentemente Zoë achava que era uma coisa boa.

– Muito bem – Zoë disse. – E o segundo campista?

– Eu irei. – Thalia levantou e olhou em volta, desafiando alguém a questioná-la.

Agora, tudo bem, talvez minhas habilidades matemáticas não fossem as melhores, mas de repente me ocorreu que já tínhamos atingido o número cinco, e eu não estava no grupo.

– Ei, espere um pouco – falei. – Eu também quero ir.

Thalia não falou nada. Quíron continuava me estudando, com seus olhos tristes.

– Ah – disse Grover, repentinamente ciente do problema. – Caramba, é, eu esqueci! Percy tem que ir. Eu não quis… Vou ficar. Percy deve ir no meu lugar.

– Ele não pode – disse Zoë. – Ele é um garoto. Não terei Caçadoras viajando com um garoto.

– Vocês viajaram até aqui comigo – eu a lembrei.

– Foi uma emergência de curto prazo, e foram ordens da deusa. Não vou atravessar o país e combater diversos perigos na companhia de um garoto.

– E o Grover? – protestei.

Zoë balançou a cabeça.

– Ele não conta. Ele é um sátiro. Ele não é tecnicamente um garoto.

– Ei! – replicou Grover.

– Eu tenho que ir – falei. – Preciso estar nessa missão.

– Por quê? – Zoë perguntou. – Por causa de tua amiga Annabeth?

Eu me senti ficando vermelho. Odiava que todo mundo estivesse me olhando.

– Não! Quero dizer, em parte. Apenas sinto que devo ir!

Ninguém se levantou em minha defesa. Sr. D parecia entediado, ainda lendo sua revista. Silena, os irmãos Stoll e Beckendorf estavam encarando a mesa. Bianca me deu um olhar de pena.

– Não – Zoë disse terminantemente. – Insisto nisso. Levo um sátiro se for preciso, mas não um herói.

Quíron suspirou.

– A missão é para Ártemis. As Caçadoras devem ser permitidas a aprovar seus companheiros.

Minhas orelhas estavam zunindo quando me sentei. Sabia que Grover e alguns dos outros estavam olhando para mim simpaticamente, mas eu não podia retornar o olhar. Apenas fiquei sentado lá enquanto Quíron encerrava o conselho.

– Assim seja – ele falou. – Thalia e Grover vão acompanhar Zoë, Bianca e Phoebe. Vocês devem partir na primeira luz do dia. E que os deuses – ele olhou para Dioniso – incluindo a presente companhia, esperemos - estejam com vocês.

Não apareci para o jantar naquela noite, o que foi um erro, porque Quíron e Grover vieram me procurar.

– Percy, eu sinto muito! – Grover disse, sentando ao meu lado no beliche. – Eu não sabia que elas - que você - Honestamente!

Ele começou a fungar, e percebi que se não o animasse ele iria começar a berrar ou mastigar meu colchão. Ele tende a comer objetos da mobília toda vez que fica triste.

– Está tudo bem – eu menti. – Sério. Está bem.

O lábio inferior de Grover tremeu.

– Eu nem estava pensando… Estava tão concentrado em ajudar Ártemis. Mas eu prometo, vou olhar em todo lugar por Annabeth. Se eu puder achá-la, eu o farei.

Concordei com a cabeça e tentei ignorar a grande cratera que estava se abrindo no meu peito.

– Grover – Quíron disse, – você me deixaria ter uma palavra com Percy?

– Claro – ele fungou.

Quíron esperou.

– Ah – Grover falou. – Você quis dizer a sós. Claro, Quíron. – Ele me olhou, miserável. – Viu? Ninguém precisa de um bode.

Ele trotou para fora, assoando o nariz na manga da camisa.

Quíron suspirou e se ajoelhou em suas patas de cavalo.

– Percy, eu não tento entender profecias.

– É – eu disse. – Bem, talvez seja porque elas não fazem nenhum sentido.

Quíron olhava fixamente a fonte de água salgada gorgolejando no canto do quarto.

– Thalia não teria sido minha primeira escolha para ir nessa missão. Ela é muito impetuosa. Age sem pensar. Ela é muito convicta de si mesma.

– Você teria me escolhido?

– Francamente, não – ele disse. – Você e Thalia são muito parecidos.

– Muito obrigado.

Ele sorriu.

– A diferença é que você é menos autoconfiante que Thalia. Isso pode ser bom ou ruim. Mas uma coisa eu posso dizer: vocês dois juntos seria algo perigoso.

– Nós conseguiríamos lidar com isso.

– Do jeito que lidaram no riacho esta noite?

Não respondi. Ele tinha me pegado.

– Talvez seja melhor assim – Quíron refletiu. – Você pode ir para casa com sua mãe no feriado. Se precisarmos de você, nós podemos ligar.

– É – falei. – Talvez.

Tirei Contracorrente do meu bolso e pus em cima do criado mudo. Não parecia que eu iria usá-la para nada além de escrever cartões de Natal.

Quando olhou a caneta, Quíron fez uma careta.

– Não é surpresa Zoë não querer você por perto, suponho. Não enquanto você estiver carregando essa arma em particular.

Não entendi o que ele queria dizer com isso. Então me lembrei de algo que ele havia me dito há um longo tempo atrás, na primeira vez que me entregou a espada mágica: Ela tem uma história longa e trágica, que nós não precisamos entrar em detalhes.

Queria perguntar a ele sobre isso, mas ele puxou um dracma de ouro de seu alforje e jogou para mim.

– Ligue para sua mãe, Percy. Deixe-a saber que você está indo para casa pela manhã. E, ah, se vale a pena saber... Eu quase me voluntariei para essa missão. Teria ido, se não fosse pela última frase.

– E pelas mãos de um parente um perecerá. É.

Nem precisava perguntar. Eu sabia que o pai de Quíron era Cronos, o maligno Lorde Titã em pessoa. A frase faria perfeito sentido se Quíron fosse na missão. Cronos não se importava com ninguém, incluindo seus próprios filhos.

– Quíron – eu disse. – Você sabe o que é essa maldição do Titã, não sabe?

Sua face escureceu. Ele fez uma garra sobre seu coração e empurrou para fora – um antigo gesto para se proteger contra o mal.

– Vamos torcer para que a profecia não signifique o que eu penso. Agora, boa noite, Percy. E sua vez irá chegar. Estou convencido disso. Não precisa ter pressa.

Ele disse sua vez do jeito que as pessoas falam quando querem dizer sua morte. Não sabia se Quíron fez de propósito, mas o brilho em seus olhos me deixou assustado para perguntar.

Fiquei em pé junto à fonte de água salgada, esfregando a moeda de Quíron em minhas mãos. Eu realmente não estava disposto a ter outro adulto me falando que fazer nada era a melhor coisa que eu podia fazer, mas achei que minha mãe precisava de uma atualização.

Finalmente, respirei fundo e arremessei a moeda.

– Ó deusa, aceite minha oferenda.

A névoa cintilou. A luz do banheiro era suficiente para fazer um fraco arco-íris.

– Mostre-me Sally Jackson – eu disse. – Upper East Side, Manhattan.

E na névoa estava uma cena que eu não esperava. Minha mãe estava sentada em nossa cozinha com um... cara. Eles estavam rindo histericamente. Havia uma grande pilha de livros entre eles. O homem tinha, não sei, trinta e poucos anos, com longos cabelos grisalhos e uma jaqueta marrom por cima de uma camiseta preta. Ele parecia um ator – como um rapaz que atuaria como um policial disfarçado na televisão. Estava muito surpreso para dizer algo, e por sorte, minha mãe e o cara estavam muito ocupados rindo para notar minha mensagem de Íris.

O rapaz disse:

– Sally, você é uma bagunceira. Quer mais vinho?

– Ah, eu não devo. Pode continuar se quiser.

– Na verdade, acho que devo usar seu banheiro. Posso?

– No fim do corredor – ela disse, tentando não rir.

O cara ator sorriu, levantou-se e saiu.

– Mãe! – eu disse.

Ela pulou tão forte que quase derrubou os livros da mesa. Finalmente ela se concentrou em mim.

– Percy! Oh, querido! Está tudo bem?

– O que você está fazendo? – eu exigi.

Ela piscou.

– Dever de casa. – Então parece que ela entendeu minha expressão facial.

– Ah, querido, é apenas o Paul - hum, Sr. Blofis. Ele está no meu seminário de

redação.

– Sr. Baiacu?

– Blofis. Ele estará de volta em um minuto, Percy. Diga-me o que está errado.

Ela sempre sabia quando tinha algo errado. Falei para ela sobre Annabeth. As outras coisas também, mas girou principalmente em torno de Annabeth.

Os olhos de minha mãe começaram a lacrimejar. Eu podia dizer que ela estava tentando ao máximo se segurar por minha causa.

– Oh, Percy...

– É. Então eles me falam que não há nada que eu possa fazer. Acho que vou voltar para casa.

Ela girou seu lápis entre os dedos.

– Percy, por mais que eu queira que você venha para casa – ela suspirou como se estivesse com raiva de si mesma – por mais que eu queira a sua segurança, quero que você entenda uma coisa. Você precisa fazer aquilo que acha que deve fazer.

Eu a encarei.

– O que você quer dizer?

– Quero dizer, você realmente, lá no fundo, acredita que precisa ajudar a salvá-la? Você acha que é a coisa certa a fazer? Porque eu sei uma coisa sobre você, Percy. Seu coração está sempre no lugar certo. Escute-o.

– Você... você está falando para eu ir?

Minha mãe mordeu os lábios.

– Estou falando que... você está ficando muito velho para eu ficar dizendo o que deve fazer. Estou falando que vou te apoiar, mesmo que o que você decida fazer seja perigoso. Não acredito que estou dizendo isso.

– Mãe –

A descarga fez barulho no fim do corredor do nosso apartamento.

– Eu não tenho muito tempo – minha mãe falou. – Percy, qualquer coisa que decidir, eu amo você. E sei que você vai fazer o que for melhor para Annabeth.

– Como você pode ter certeza?

– Porque ela faria o mesmo por você.

E com isso, minha mãe passou a mão por cima da névoa, e a conexão se dissolveu, deixando-me com uma imagem final de seu amigo, Sr. Baiacu, sorrindo para ela.

Não me lembro de ter dormido, mas lembro do sonho.

Eu estava de volta naquela caverna estéril, o teto pesado e baixo acima de mim. Annabeth estava ajoelhada debaixo do peso de uma massa escura que parecia uma pilha de rochas. Ela estava cansada demais mesmo para gritar. Suas pernas tremiam. A qualquer segundo, sabia que ela ficaria sem forças e o teto da caverna desabaria sobre ela.

– Como está nossa hóspede mortal? – uma voz masculina ressoou.

Não era Cronos. A voz de Cronos era ríspida e metálica, como uma faca arranhando uma pedra. Já havia escutado-a me insultando várias vezes antes em meus sonhos. Mas essa voz era mais profunda e baixa, como um contrabaixo. Sua força fazia o chão vibrar.

Luke emergiu das sombras. Ele correu até Annabeth, ajoelhou-se ao lado dela, então olhou de volta para o homem oculto.

– Ela está enfraquecendo. Devemos nos apressar.

O hipócrita. Como se ele realmente se importasse com o que aconteceria a ela. A voz grave riu entre dentes. Pertencia a alguém nas sombras, no limite do meu sonho. Então uma mão carnuda empurrou alguém a frente para dentro da luz – Ártemis – suas mãos e pés confinados em correntes de bronze celestial.

Respirei com dificuldade. Seu vestido prateado estava rasgado e esfarrapado. Seu rosto e braços estavam cortados em vários lugares, e ela estava sangrando icor, o sangue dourado dos deuses.

– Você ouviu o garoto – falou o homem nas sombras. – Decida-se!

Os olhos de Ártemis reluziam de raiva. Eu não sabia por que ela simplesmente não arrebentava as correntes, ou desaparecia, mas ela não parecia ser capaz de fazê-lo. Talvez as correntes a impedissem, ou alguma magia desse sombrio, horrível lugar. A deusa olhou para Annabeth e sua expressão mudou para preocupação e ofensa.

– Como ousa torturar uma donzela dessa maneira!

– Ela vai morrer em breve – Luke disse. – Você pode salvá-la.

Annabeth emitiu um fraco som de protesto. Sentia que meu coração estava sendo enroscado em um nó. Queria correr até ela, mas não podia me mexer.

– Liberte minhas mãos – Ártemis disse.

Luke trouxe sua espada, Mordecostas. Com um golpe preciso, ele quebrou as algemas da deusa.

Ártemis correu até Annabeth e tomou o fardo dos seus ombros. Annabeth desabou no chão e ficou lá, tremendo. Ártemis cambaleou, tentando suportar o peso das pedras escuras.

O homem nas sombras abafou uma risada.

– Você é tão previsível quanto foi fácil de derrotar, Ártemis.

– Você me pegou de surpresa – a deusa falou, esforçando-se debaixo de seu fardo. – Não vai acontecer de novo.

– Realmente não vai – o homem disse. – Agora você está fora do caminho de vez! Eu sabia que você não resistiria em ajudar uma jovem donzela. Esta é, afinal, sua especialidade, minha querida.

Ártemis resmungou.

– Você não sabe nada sobre misericórdia, seu porco.

– Nisso – o homem disse, – nós podemos concordar. Luke, você pode matar a garota agora.

– Não! – Ártemis gritou.

Luke hesitou.

– Ela – ela pode ser útil, senhor. Isca adicional.

– Argh! Você realmente acredita nisso?

– Sim, General. Eles virão atrás dela. Tenho certeza.

O homem considerou.

– Então as mulheres-dragão podem mantê-la aqui. Assumindo que ela não morra dos ferimentos, você pode deixá-la viva até o solstício de inverno. Depois disso, se o nosso sacrifício for de acordo com o planejado, a vida dela não significará nada. A vida de todos os mortais não significará nada.

Luke recolheu o corpo inerte de Annabeth e a carregou para longe da deusa.

– Você nunca vai encontrar o monstro que procura – Ártemis disse. – Seu plano vai falhar.

– Quão pouco você sabe, minha jovem deusa – disse o homem nas sombras. – Mesmo agora, suas queridas servas iniciam uma missão para encontrar você. Elas devem cair direto em minhas mãos. Agora, se nos der licença, temos uma longa jornada a fazer. Devemos saudar suas Caçadoras e ter certeza de que a missão delas será... desafiadora.

A risada do homem ecoou na escuridão, estremecendo o chão até parecer que todo o teto da caverna ia desabar.

Acordei com um solavanco. Tinha certeza de ter escutado uma batida forte. Olhei em volta no chalé. Estava escuro lá fora. A fonte salgada ainda gorgolejava. Nenhum outro som a não ser o pio de uma coruja no bosque e a distante rebentação na praia. À luz do luar, em meu criado mudo estava o boné do New York Yankees de Annabeth. Olhei para ele por um segundo e então: BANG! BANG!

Alguém, ou alguma coisa, estava esmurrando a minha porta. Segurei Contracorrente e levantei da cama.

– Olá? – eu chamei. THUMP! THUMP! Arrastei-me até a porta.

Desencapei a espada, abri a porta, e me encontrei cara a cara com um pégaso negro.

Wow, chefe! Sua voz falou na minha cabeça enquanto ele cavalgava para longe da lâmina da espada. Não quero virar espetinho de cavalo!

Suas asas negras se abriram em alarme, e o vento me empurrou de volta um passo.

– Blackjack – falei aliviado, mas um pouco irritado. – É madrugada!

Blackjack respondeu, magoado.

Nem tanto, chefe. São cinco da manhã. Por que você ainda está dormindo?

– Quantas vezes eu tenho que falar? Não me chame de chefe.

Como quiser, chefe. Você é o cara. Meu número um.

Esfreguei o sono para fora dos meus olhos e tentei não deixar o pégaso ler meus pensamentos. Esse é o problema de ser filho de Poseidon: desde que ele criou os cavalos da espuma do mar, eu consigo entender a maioria dos animais equinos, mas eles conseguem me entender, também. Às vezes, como no caso de Blackjack, eles meio que me escolhem.

Veja, Blackjack foi prisioneiro a bordo do barco de Luke no verão passado, até que nós causamos uma pequena distração que o permitiu escapar. Eu realmente tive muito pouco a ver com isso, sério, mas Blackjack me dava os créditos por tê-lo salvado.

– Blackjack – eu disse, – você deveria permanecer nos estábulos.

Bem, os estábulos. Você vê Quíron ficando nos estábulos?

– Bem... não.

Exatamente. Escute, temos outro amigo marinho que precisa de sua ajuda.

– De novo?

Sim. Falei aos cavalos-marinhos que viria pegar você.

Resmunguei. Sempre que estava perto da praia, os cavalos-marinhos me pediam para ajudá-los com seus problemas. E eles tinham muitos problemas. Baleias encalhadas, golfinhos capturados em redes de pesca, sereias com cutículas inflamadas – eles me chamavam para ir debaixo d’água e ajudar.

– Tudo bem – eu disse. – Estou indo.

Você é o melhor, chefe.

– E não me chame de chefe!

Blackjack relinchou suavemente. Deve ter sido uma risada.

Olhei de volta para a minha cama confortável. Meu escudo de bronze ainda pendurado na parede, denteado e inutilizável. E no meu criado mudo estava o boné mágico dos Yankees de Annabeth. Em um impulso, coloquei o boné no meu bolso. Acho que tive um pressentimento, mesmo naquela hora, que eu não voltaria para o meu chalé por um longo, longo tempo.

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