sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Batalha do labirinto - capitulo 19




                                     O conselho se defende


Houve despedidas demais.

Aquela noite foi a primeira vez que eu vi as mortalhas do acampamento serem usadas em corpos, e isso não é algo que eu queira ver de novo.

Entre os mortos, Lee Fletcher do chalé de Apolo fora abatido pela clava de um gigante. Ele foi enrolado em uma mortalha dourada sem decoração. O filho de Dioniso, que caíra lutando com um meio-sangue inimigo, estava enrolado em uma mortalha púrpura bordada com videiras. Seu nome era Castor. Eu estava envergonhado por tê-lo visto pelo acampamento por três anos e nunca ter me incomodado em aprender seu nome. Ele tinha dezessete anos. Seu irmão gêmeo, Pollux, tentou dizer algumas palavras, mas engasgou e apenas segurou a tocha. Ele acendeu a pira fúnebre no meio do anfiteatro, e em segundos a fila de mortalhas foi envolvida pelo fogo, mandando fumaça e centelhas para as estrelas.

Nós passamos o dia seguinte cuidando dos feridos, que era quase todo mundo. Os sátiros e dríades trabalhavam para reparar o dano nos bosques.

Ao meio-dia, o Conselho dos Anciões de Casco Fendido convocou uma reunião de emergência na sua clareira sagrada. Os três sátiros anciões estavam lá, junto com Quíron, que estava na forma de cadeira de rodas. Sua perna quebrada ainda estava se curando, então ele iria ficar confinado à cadeira por alguns meses, até a perna estar forte o suficiente para aguentar seu peso. A clareira estava cheia de sátiros e dríades e náiades fora da água – centenas deles, ansiosos para ouvir o que iria acontecer. Juníper, Annabeth, e eu ficamos em pé ao lado de Grover.

Sileno queria exilar Grover imediatamente, mas Quíron o persuadiu a pelo menos ouvir as evidências primeiro, então nós contamos a todos o que tinha acontecido na caverna de cristal, e o que Pã dissera. Depois várias testemunhas da batalha descreveram o som estranho que Grover fez, que expulsou o exercito Titã de volta para o subterrâneo.

– Era pânico – insistiu Juníper. – Grover invocou o poder do deus da natureza.

– Pânico? – perguntei.

– Percy – Quíron explicou, – durante a primeira guerra dos deuses e titãs, Lorde Pã liberou um horrível grito que afugentou o exército inimigo. Isto é - isto era seu maior poder - uma onda massiva de medo que ajudou os deuses a ganhar o dia. Veja, a palavra pânico foi nomeada pensando em Pã. E Grover usou aquele poder, invocando-o de dentro de si mesmo.

– Ridículo! – Sileno urrou. – Sacrilégio! Talvez o deus selvagem nos tenha favorecido com uma benção. Ou talvez a música de Grover seja tão ruim que assustou o inimigo!

– Não foi isso, senhor – Grover disse. Ele soou muito mais calmo do que eu estaria se tivesse sido insultado daquela maneira. – Ele deixou seu espírito passar para todos nós. Nós precisamos agir. Cada um de nós deve trabalhar para renovar a natureza, para proteger o que ainda existe. Nós temos que espalhar a notícia. Pã está morto. Não há ninguém além de nós.

– Depois de dois mil anos procurando, é nisso que você quer que acreditemos? – Sileno gritou. – Nunca! Nós temos que continuar a busca! Exilem o traidor!

Alguns dos sátiros mais velhos murmuraram concordando.

– Uma votação! – Sileno exigiu. – Quem acreditaria nesse jovem sátiro ridículo, de qualquer forma?

– Eu acreditaria – disse uma voz familiar.

Todos se viraram. Andando a passos largos para o interior da clareira estava Dioniso. Ele usava um terno preto formal, então eu quase não o reconheci, uma gravata púrpura e uma camisa violeta, seu cabelo encaracolado cuidadosamente penteado. Seus olhos estavam vermelhos como sempre, e seu rosto arredondado estava corado, mas ele parecia estar sofrendo mais pela perda do que pela abstinência de vinho.

Os sátiros se levantaram respeitosamente e se curvaram quando ele se aproximou. Com um aceno Dioniso de mão, uma nova cadeira cresceu do chão perto de Sileno – um trono feito de videiras. Dioniso se sentou e cruzou suas pernas. Ele estalou os dedos e um sátiro se apressou a frente com um prato de queijo e bolachas e uma Coca Diet. O deus do vinho olhou em volta para a multidão reunida.

– Sentiram minha falta?

Os sátiros caíram em si concordando e se curvando.

– Oh, sim, muito senhor!

– Bem, eu não senti falta deste lugar! – Dioniso respondeu rispidamente. – Eu trago más notícias, meus amigos. Notícias malignas. Os deuses menores estão trocando de lado. Morfeu foi para o lado inimigo. Hécate, Jano e Nêmesis também. Zeus sabe quantos mais.

Trovão ressoou na distância.

– Veja isso – Dioniso disse. – Até Zeus não sabe. Agora, eu quero ouvir a história do Grover. Novamente, do começo.

– Mas, meu senhor – Sileno protestou. – É só bobagem!

Os olhos de Dioniso flamejaram com um fogo arroxeado.

– Eu acabei de saber que meu filho Castor está morto, Sileno. Eu não estou de bom humor. Você faria bem em me alegrar.

Sileno engoliu seco, e fez um sinal para que Grover começasse novamente. Quando Grover terminou, Sr. D assentiu.

– Isso soa exatamente como o tipo de coisa que Pã faria. Grover está certo. A busca é fatigante. Vocês devem começar a pensar por vocês mesmos. – Ele se virou para um sátiro. – Traga-me algumas uvas descascadas, agora!

– Sim, senhor! – O sátiro saiu correndo.

– Nós temos que exilar o traidor! – Sileno insistiu.

– Eu digo não – Dioniso respondeu. – Esse é o meu voto.

– Eu voto não também – Quíron acrescentou.

Sileno endureceu o queixo teimosamente.

– Todos a favor do exílio?

Ele e os dois outros velhos sátiros levantaram suas mãos.

– Três a dois – Sileno disse.

– Ah, sim – Dioniso disse. – Mas infelizmente para você, o voto de um deus conta como dois. E como eu votei contra, estamos empatados.

Sileno levantou, indignado.

– Isso é um ultraje! O conselho não pode ficar em um impasse.

– Então que ele seja dissolvido! – Sr. D disse. – Eu não ligo.

Sileno se curvou rigidamente e, junto com seus dois amigos, saiu da clareira. Cerca de vinte sátiros foram com eles. O resto ficou por perto murmurando desconfortavelmente.

– Não se preocupem – Grover disse a eles. – Nós não precisamos do conselho para nos dizer o que fazer. Nós podemos descobrir sozinhos.

Ele contou a eles novamente as palavras de Pã – como eles deviam salvar a natureza um pouco de cada vez. Ele começou a dividir os sátiros em grupos – quais iriam para os parques nacionais, quais iriam procurar pelos últimos lugares selvagens, quais iriam defender os parques nas grandes cidades.

– Bem – Annabeth me disse, – Grover parece estar amadurecendo.



Depois naquela tarde eu encontrei Tyson na praia, falando com Briareu. Briareu estava construindo um castelo de areia com cerca de cinquenta de suas mãos. Ele não estava realmente prestando atenção no trabalho, mas suas mãos construíram uma fortaleza com três torres, paredes fortificadas, um fosso e uma ponte levadiça.

Tyson estava desenhando um mapa na areia.

– Vá para esquerda nos corais – ele disse a Briareu. – Desça direto quando você achar um navio afundado. Depois, cerca de uma milha a oeste, passando do cemitério das sereias, você vai começar a ver fogos queimando.

– Você está dando a ele direções para as forjas? – perguntei.

Tyson fez que sim com a cabeça.

– Briareu quer ajudar. Ele vai ensinar aos ciclopes técnicas que nós esquecemos, como fazer melhores armas e armaduras.

– Eu quero ver os ciclopes – Briareu concordou. – Eu já não quero mais ficar sozinho.

– Eu duvido que você vá ficar sozinho lá embaixo – eu disse um pouco melancólico, porque eu jamais estivera no reino de Poseidon. – Eles vão mantê-lo bem ocupado.

A face de Briareu mudou para uma expressão feliz.

– Ocupado soa bem! Eu queria que Tyson pudesse vir também.

Tyson corou.

– Eu preciso ficar aqui com meu irmão. Você vai se sair bem, Briareu. Obrigado.

O centímano balançou minha mão cerca de cem vezes.

– Nós vamos nos encontrar novamente, Percy. Eu sei disso!

Então ele deu em Tyson um grande abraço de polvo e avançou para o oceano. Nós assistimos até sua enorme cabeça desparecer nas ondas.

Eu dei um tapinha nas costas de Tyson.

– Você o ajudou muito.

– Eu só falei com ele.

– Você acreditou nele. Sem Briareu, nós nunca teríamos vencido Campe.

Tyson sorriu largamente.

– Ele arremessa bem as rochas!

Eu gargalhei.

– É. Ele arremessa rochas muito bem. Vamos, grandão. Vamos jantar.



Foi bom ter um jantar normal no acampamento. Tyson sentou comigo na mesa de Poseidon. O pôr do sol sobre o Estreito de Long Island estava lindo. As coisas não voltariam ao normal por um bom tempo, mas quando eu fui até a fogueira e joguei parte da minha refeição para as chamas como oferenda a Poseidon, eu senti como se eu tivesse muito pelo que ser grato. Meus amigos e eu estávamos vivos. O acampamento estava salvo. Cronos tinha sofrido um contratempo, pelo menos por um tempo.

A única coisa que me incomodava era Nico, sozinho nas sombras nos limites do pavilhão. Ofereceram a ele um lugar na mesa de Hermes, e mesmo na mesa principal com Quíron, mas ele recusara.

Depois do jantar, os campistas se dirigiram para o anfiteatro, onde o chalé de Apolo prometera um incrível karaokê para animar nossos espíritos, mas Nico se virou e desapareceu entre as árvores. Decidi que era melhor segui-lo. Quando passei pela sombra das árvores, percebi quão escuro estava ficando. Eu nunca ficara assustado na floresta antes, apesar de saber que lá havia uma porção de monstros. Ainda assim, eu pensei sobre a batalha de ontem, e imaginei se um dia eu poderia caminhar naqueles bosques novamente sem relembrar o horror de tanta luta.

Eu não podia ver Nico, mas depois de alguns minutos de caminhada vi um brilho à frente. Primeiro pensei que Nico tivesse acendido uma tocha. Conforme eu me aproximava, percebi que o brilho era um fantasma. A tremeluzente forma de Bianca di Angelo estava parada na clareira, sorrindo para seu irmão. Ela disse algo para ele e tocou sua face – ou tentou. Então sua imagem se desfez. Nico se virou e me viu, mas ele não parecia com raiva.

– Dizendo adeus – ele disse com a voz rouca.

– Nós sentimos sua falta no jantar – falei. – Você poderia ter sentado comigo.

– Não.

– Nico, você não pode perder todas as refeições. Se você não quer ficar com Hermes, talvez eles possam fazer uma exceção e colocá-lo na Casa Grande. Eles têm uma porção de quartos.

– Eu não vou ficar, Percy.

– Mas…você não pode simplesmente sair. É muito perigoso lá fora para um meio-sangue sozinho. Você precisa treinar.

– Eu treino com os mortos – ele disse sem emoção. – Este acampamento não é pra mim. Há uma razão para eles não colocarem um chalé para Hades aqui, Percy. Ele não é bem-vindo, não mais do que é no Olimpo. Eu não pertenço a este lugar. Eu tenho que ir.

Eu queria discutir, mas parte de mim sabia que ele estava certo. Eu não gostava disso, mas Nico teria que encontrar seu próprio, sombrio caminho. Eu me lembrei da caverna de Pã, como o deus da natureza se dirigiu a cada um de nós individualmente... exceto Nico.

– Quando você vai? – perguntei.

– Agora mesmo. Eu tenho toneladas de perguntas. Como: quem era minha mãe? Quem pagou para eu e Bianca irmos para a escola? Quem era o advogado que nos tirou do Lótus Hotel? Eu sei nada sobre meu passado. Eu preciso descobrir.

– Faz sentido – admiti. – Mas eu espero que nós não tenhamos que ser inimigos.

Ele baixou os olhos.

– Eu sinto muito, eu era um pirralho. Eu devia ter te escutado sobre Bianca.

– Falando nisso… – eu tirei algo do meu bolso. – Tyson encontrou isso enquanto estávamos limpando o chalé. Pensei que você podia querer.

Eu ergui uma miniatura de chumbo de Hades – a pequena estátua de Mitomagia que Nico abandonara quando fugiu do acampamento no último inverno.

Nico hesitou.

– Eu não jogo mais isso. É para crianças.

– Ele tem quatro mil pontos de ataque – lancei a isca.

– Cinco mil – Nico corrigiu. – Mas somente se seu oponente atacar primeiro.

Eu sorri.

– Talvez seja bom ser criança de vez em quando. – Eu joguei para ele a estátua.

Nico a estudou na palma da mão por alguns segundos, então a colocou no bolso.

– Obrigado.

Eu estendi minha mão. Ele a sacudiu relutantemente. A mão dele estava fria como gelo.

– Eu tenho uma porção de coisas para investigar – ele disse. – Algumas delas… bem, se eu aprender algo útil, eu te aviso.

Eu não estava certo sobre o que ele queria dizer, mas assenti.

– Mantenha contato, Nico.

Ele se virou e adentrou na floresta. As sombras pareciam se inclinar para ele enquanto ele andava, como se elas estivessem procurando por sua atenção. Uma voz atrás de mim disse:

– Lá vai um jovem muito problemático.

Eu me virei e encontrei Dioniso parado lá, ainda em seu terno preto.

– Ande comigo – ele disse.

– Para onde? – perguntei desconfiado.

– Somente até a fogueira – ele disse. – Eu estava começando a me sentir melhor, então pensei em falar com você um pouco. Você sempre consegue me irritar.

– Hum, obrigado.

Nós andamos pelo bosque em silêncio. Eu notei que Dioniso estava andando no ar, seu sapato preto polido pairava a uns dois centímetros do chão. Imaginei que ele não queria sujá-los.

– Nós tivemos muitas traições – ele disse. – As coisas não parecem boas para o Olimpo. Ainda assim você e Annabeth salvaram este acampamento. Eu não tenho certeza se deveria agradecê-lo por isso.

– Foi um esforço em grupo.

Ele deu de ombros.

– Mesmo assim, eu suponho que tenha sido quase competente, o que vocês dois fizeram. Eu achei que você deveria saber - isso não foi uma perda total.

Nós alcançamos o anfiteatro e Dioniso apontou para a fogueira do acampamento. Clarisse estava sentada ombro a ombro com um grande garoto hispânico que estava contando a ela uma piada. Era Chris Rodriguez, o meio-sangue que ficara louco no labirinto.

Eu me virei para Dioniso.

– Você o curou?

– Loucura é minha especialidade. Foi bem simples.

– Mas… você fez algo legal. Por quê?

Ele levantou uma sobrancelha.

– Eu sou legal! Eu simplesmente escorro bondade, Perry Johansson. Você não tinha notado?

– Hã...

– Talvez eu tenha sentido a perda pela morte do meu filho. Talvez eu achasse que esse garoto Chris merecia uma segunda chance. De qualquer forma, isso pareceu melhorar o humor de Clarisse.

– Por que você está me contando isso?

O deus do vinho suspirou.

– Oh, inferno, se eu soubesse. Mas lembre-se garoto, um ato bondoso às vezes pode ser tão poderoso quanto uma espada. Como um mortal, eu nunca fui um grande guerreiro ou atleta ou poeta. Eu só fazia vinho. As pessoas da minha vila riam de mim. Elas diziam que eu nunca conseguiria nada. Olhe para mim agora. Por vezes pequenas coisas podem se tornar realmente grandes.

Ele me deixou sozinho para pensar naquilo. E enquanto eu observava Clarisse e Chris cantarem uma canção estúpida de acampamento juntos, de mãos dadas na escuridão, onde eles achavam que ninguém podia vê-los, eu tive que sorrir.

 

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