sábado, 31 de agosto de 2013

O ultimo olimpiano - capitulo 3




                         Dou uma espiada em minha morte        

Se você quer ser popular no Acampamento Meio-Sangue, não volte de uma missão com notícias ruins.
A notícia da minha chegada se espalhou assim que eu saí do oceano. Nossa praia fica no litoral norte de Long Island e é encantada, então a maior parte das pessoas nem consegue vê-la. Ninguém surge na praia, exceto semideuses ou deuses – ou entregadores de pizza muito, muito perdidos. (Isso realmente aconteceu – mas já é outra história.)
De qualquer forma, o vigia que estava trabalhando era Connor Stoll do chalé de Hermes. Quando ele me viu, ele ficou tão excitado que caiu da árvore onde estava. Então ele soprou o chifre de búzio para sinalizar o acampamento e correu para me cumprimentar.
Connor tinha um sorriso torto que combinava com seu senso de humor torto. Ele é um cara bem legal, mas você sempre deve ficar com uma mão na carteira enquanto ele está por perto, e não dê a ele, sob circunstância nenhuma, acesso a creme de barbear, a menos que queira achar seu saco de dormir cheio dele. Ele tem cabelo castanho encaracolado que é um pouco mais curto do que o de seu irmão, Travis, e esse é o único jeito que tenho para diferenciá-los. Os dois são tão diferentes do meu velho inimigo Luke que é difícil acreditar que são todos filhos de Hermes.
– Percy! – ele gritou. – O que aconteceu? Onde está Beckendorf?
Então ele viu minha expressão, e seu sorriso derreteu.
– Oh, não. Pobre Silena. Santo Zeus, quando ela descobrir...
Juntos nós subimos as dunas de areia. Algumas centenas de metros à frente, as pessoas já estavam andando em nossa direção. Percy voltou, elas provavelmente estão pensando. Ele salvou o dia! Talvez tenha trazido souvenires!
Eu parei no pavilhão de refeições e os esperei. Não fazia sentido correr até lá para dizer a eles o perdedor que eu era.
Eu olhei através do vale e tentei me lembrar como o Acampamento Meio-Sangue parecia da primeira vez que eu o vi. Isso parecia ter sido há um zilhão de anos atrás.
Do pavilhão de refeições, você podia ver praticamente tudo. Colinas circulavam o vale. Na mais alta, a Colina Meio-Sangue, o pinheiro de Thalia erguia-se com o Velocino de Ouro pendurado em seus galhos, protegendo magicamente o campo de seus inimigos. O dragão de guarda Peleu estava tão grande agora que eu podia vê-lo daqui – enrolado no tronco da árvore, mandando sinais de fumaça enquanto roncava.
A minha direita estava a floresta. A minha esquerda, o lago de canoagem brilhava, e a parede de escalada brilhava por causa da lava que escorria por ela. Doze chalés – uma para cada deus do Olimpo – formavam o padrão de uma ferradura em volta da área comum. Mais ao sul estavam os campos de morango, o arsenal e a Casa Grande, uma construção de quatro andares com sua pintura azul e o cata-vento de águia.
De certa forma, o acampamento não tinha mudado. Mas você não pode ver uma guerra olhando para prédios ou campos. Você a vê nos rostos dos meio-sangues, sátiros e náíades que estavam subindo a colina.
Não tinham tantos no acampamento quanto a quatro verões atrás. Alguns tinham ido e nunca voltaram. Alguns tinham morrido lutando. Outros – nós tentamos não falar sobre eles – tinham se juntado ao inimigo. Os que ainda estavam aqui estavam endurecidos pela batalha e cansados.
Tinha pouco riso no campo esses dias. Mesmo o chalé de Hermes não fazia tantas travessuras. É difícil apreciar as brincadeirinhas de mau gosto quando toda sua vida parecia ser uma.
Quíron galopou para o pavilhão chegando primeiro, o que era fácil para ele, já que era garanhão branco da cintura para baixo. Sua barba tinha crescido desordenada durante o verão. Ele usava uma camisa verde dizendo MEU OUTRO CARRO É UM CENTAURO e um arco estava pendurado em suas costas.
– Percy! – ele disse. – Graças aos deuses. Mas onde...
Annabeth entrou correndo logo atrás dele, e irei admitir que meu coração fez uma pequena volta olímpica em meu peito quando eu a vi. Não é que ela tentasse parecer bonita. Nós estivéramos indo a tantas missões de combate ultimamente, ela mal penteava seu cabelo loiro encaracolado, e ela não ligava para as roupas que estava usando – geralmente a mesma camisa laranja do acampamento meio-sangue e jeans, e de vez em quando sua armadura de bronze. Seus olhos eram de um cinza tempestuoso. Na maior parte do tempo, nós não podíamos conversar sem tentar estrangular um ao outro. Apesar disso, só de vê-la me fez ficar ligeiramente embriagado. No verão passado, logo antes de Luke ter se transformado em Cronos e tudo ter ficado azedo, teve algumas vezes que eu pensei que talvez... Bem, que talvez nós pudéssemos passar da fase de estrangulamento mútuo.
– O que aconteceu? – Ela agarrou meu braço. – O Luke está...
– O navio explodiu – eu disse. – Ele não foi destruído. Eu não sei onde...
Silena Beauregard empurrou através da multidão. Seus cabelos não estavam penteados e ela nem ao menos estava usando maquiagem, o que não era próprio dela.
– Onde está Charlie? – ela exigiu, procurando em volta como se ele pudesse ter se escondido.
Eu olhei desamparado para Quíron.
O velho centauro pigarreou.
– Silena, minha querida, vamos falar sobre isso na Casa Grande...
– Não – ela murmurou. – Não. Não.
Ela começou a chorar e o resto de nós ficou ali, atordoados demais para falar alguma coisa. Nós já havíamos perdido tantas pessoas no verão, mas isso era pior. Com Beckendorf morto, parecia que alguém tinha roubado a âncora de todo o acampamento.
Finalmente Clarisse do chalé de Ares deu um passo à frente. Ela colocou seu braço ao redor de Silena. Elas tinham a amizade mais estranha do mundo – uma filha do deus da guerra e uma filha da deusa do amor – mas desde que Silena deu conselhos a Clarisse sobre seu primeiro namorado, Clarisse decidiu que era a guarda-costas pessoal de Silena.
Clarisse estava vestida em sua armadura de combate cor de sangue, com seu cabelo castanho preso em uma bandana. Ela era tão grande e musculosa quanto um jogador de rúgbi, com uma carranca permanente em seu rosto, mas ela falou gentilmente com Silena.
– Vamos, garota – ela disse. – Vamos para a Casa Grande. Eu farei um chocolate quente para você.
Todos deram meia-volta e se afastaram em grupos de dois ou três, em direção aos chalés. Ninguém estava excitado para me ver agora. Ninguém queria ouvir falar sobre o navio explodido.
Apenas Annabeth e Quíron ficaram para trás.
Annabeth varreu uma lágrima de sua bochecha.
– Eu estou feliz que você não esteja morto, Cabeça de Alga.
– Obrigado – eu disse. – Eu também.
Quíron pôs uma mão em meu ombro.
– Tenho certeza que você fez tudo que pode Percy. Você irá nos contar o que aconteceu?
Eu não queria passar por aquilo de novo, mas eu lhes contei a história, incluindo meu sonho sobre os titãs. Deixei de fora o detalhe sobre Nico. Nico havia me feito prometer que eu não contaria a ninguém sobre seu plano até que eu tivesse me decidido, e o plano era tão assustador que eu não me importava em mantê-lo em segredo.
Quíron olhou para o vale.
– Nós devemos convocar um conselho de guerra. Imediatamente. Para discutirmos sobre esse espião, e outros problemas.
– Poseidon mencionou outra ameaça – eu disse. – Alguma coisa ainda maior do que o Princesa Andrômeda. Eu pensei que poderia ser o desafio que o Titã mencionou em meu sonho.
Quíron e Annabeth trocaram olhares, como se soubessem alguma coisa que eu não sabia. Eu odiava quando faziam isso.
– Nós também vamos discutir isso – Quíron prometeu.
– Mais uma coisa. – Eu respirei fundo. – Quando eu falei com meu pai, ele me pediu para dizer a você que está na hora. Eu preciso saber a profecia completa.
Os ombros de Quíron se arquearam, mas ele não pareceu surpreso.
– Eu temi esse dia. Muito bem. Annabeth, nós vamos mostrar a Percy a verdade - toda ela. Vamos ao sótão.

Eu estivera no sótão da Casa Grande três vezes, e isso era três vezes mais do que eu gostaria.
Uma escadinha de mão acomodada no topo de uma escadaria levava até o sótão. Eu me perguntei como Quíron iria até lá, sendo meio cavalo e tudo, mas ele não tentou.
– Você sabe onde está – ele disse a Annabeth. – Traga para baixo, por favor.
Annabeth assentiu.
– Venha, Percy.
O sol estava se pondo do lado de fora, então o sótão estava ainda mais escuro e arrepiante do que o normal. Troféus de heróis antigos estavam empilhados em todos os lugares – escudos com marcas de dentes, cabeças decepadas de vários monstros em jarros, um par de dados felpudos em uma placa de bronze que dizia: ROUBADO DO HONDA CIVIC DE CRISAOR, POR GUS, FILHO DE HERMES, 1998.
Eu apanhei uma espada de bronze tão amassada que parecia com a letra M. Eu ainda podia ver manchas verdes no metal do veneno mágico que costumava cobri-la. A etiqueta estava datada do verão passado. Ela dizia: Cimitarra de Campe, destruída na Batalha do Labirinto.
– Você se lembra de Briareu jogando aqueles pedregulhos? – Eu perguntei.
Annabeth me lançou um sorriso maldoso.
– E Grover causando o pânico?
Nós trocamos olhares. Eu pensei em uma época diferente do verão passado, debaixo do monte St.Helena, quando Annabeth pensou que eu ia morrer e me beijou.
Ela limpou a garganta e desviou o olhar.
– Profecia.
– Certo. – Eu larguei a cimitarra. – Profecia.
Nós andamos até a janela. Em um banquinho de três pernas estava o Oráculo – uma múmia enrugada com um vestido tingido no estilo hippies. Tufos de cabelos pretos estavam agarrados em seu crânio. Olhos vidrados encaravam o nada em sua cara semelhante a couro. Só olhar para ela fez minha pele se arrepiar.
Se você quisesse deixar o acampamento durante o verão, costumava ter de ir ali para ser designado para uma missão. Nesse verão, a regra tinha sido deixada de lado. Campistas saíam o tempo todo em missões de combate. Nós não tínhamos escolha se quiséssemos parar Cronos.
Ainda assim eu me lembrava bem demais da névoa verde estranha – o espírito de Delfos – que vivia dentro da múmia. Ela parecia sem vida agora, mas sempre que falava uma profecia, ela se mexia. Às vezes uma névoa saía de sua boca e criava formas estranhas. Uma vez ela já tinha até deixado o sótão e dado uma voltinha como zumbi na floresta para entregar uma mensagem. Eu não tinha certeza do que ela ia fazer em relação a “Grande Profecia”. Eu meio que esperava que ela começasse a sapatear ou algo assim.
Mas ela apenas estava lá como se estivesse morta – o que ela estava.
– Eu nunca entendi isso – eu sussurrei.
– O que? – perguntou Annabeth.
– Porque é uma múmia.
– Percy, ela não costumava ser uma múmia. Por centenas de anos o espírito do Oráculo viveu dentro de uma bela donzela. O espírito passava de geração em geração. Quíron me disse que essa era a donzela há cinquenta anos. – Annabeth apontou para a múmia. – Mas ela foi a última.
– O que aconteceu?
Annabeth começou a dizer alguma coisa, mas depois mudou aparentemente de ideia.
– Vamos apenas fazer nosso trabalho e sair daqui.
Eu olhei nervosamente para a cara murcha do oráculo.
– O que vem agora?
Annabeth se aproximou da múmia e estendeu as palmas.
– Ó Oráculo, já é tempo. Peço que nos diga a Grande Profecia.
Eu me preparei, mas a múmia não se mexeu. Ao invés disso Annabeth se aproximou e abriu o fecho dos colares. Eu pensei que fossem apenas contas hippies. Mas quando Annabeth se voltou para mim, ela estava segurando uma bolsa de couro – como uma bolsa nativo-americana de remédios, fechada com uma corda com penas. Ela abriu a bolsa e tirou um rolo de pergaminho que não era maior do que seu dedo.
– Sem chance – eu disse. – Você quer dizer que todos esses anos, eu estive perguntando sobre essa profecia estúpida, e estava bem aqui pendurada no pescoço dela?
– Ainda não era tempo – disse Annabeth. – Acredite em mim, Percy, eu li isso quando tinha dez anos de idade, e ainda tenho pesadelos sobre isso.
– Ótimo. – Eu disse. – Posso lê-la agora?
– Lá em baixo, no conselho de guerra – disse Annabeth. – Não na frente da... você sabe.
Eu olhei para os olhos vidrados do oráculo, e decidi não discutir. Nós descemos as escadas para nos juntarmos aos outros. Eu não sabia disso naquela época, mas essa seria a última vez que eu entraria no sótão.

Os conselheiros seniores tinham se reunido em volta da mesa de pingue-pongue.
Não me pergunte por que, mas a sala de recreação tinha se tornado o quartel-general não oficial para conselhos de guerra. Quando Annabeth, Quíron e eu entramos, entretanto, parecia mais com uma competição de gritos.
Clarisse ainda estava vestindo a armadura completa. Sua lança elétrica estava presa em suas costas. (Na verdade sua segunda lança elétrica, já que eu tinha quebrado a primeira. Ela chamava a lança de “Mutiladora.” Mas, pelas costas, todos os outros a chamavam de “Muito Amadora.”) Ela tinha um elmo em forma de javali debaixo de seu braço e uma faca em seu cinto.
Ela estava no meio de uma gritaria com Michael Yew, o novo conselheiro de Apolo, o que parecia meio engraçado já que Clarisse é quase trinta centímetros mais alta. Michael tinha assumido o chalé de Apolo depois de Lee Fletcher ter morrido na batalha verão passado. Michael erguia-se em seu 1,37 metro, com mais meio metro de atitude. Ele me lembrava uma doninha, com nariz pontudo e feições contraídas – provavelmente porque ele franzia muito a testa ou porque passava muito tempo olhando para uma flecha.
– Era a nossa pilhagem! – ele gritava, ficando na ponta dos pés para que pudesse encarar Clarisse. – Se não gosta, pode encarar minhas flechas!
Ao redor da mesa, pessoas estavam tentando não rir – os irmãos Stoll, Pólux, do chalé de Dionísio, Katie Gardner, de Deméter. Até Jake Mason, o apressadamente escolhido novo conselheiro de Hefesto, abriu um pequeno sorriso.
Apenas Silena Beauregard não prestava muita atenção. Ela se sentou ao lado de Clarisse e encarava ociosamente a rede de pingue-pongue.
Seus olhos estavam vermelhos e inchados. Uma xícara de chocolate quente jazia intocada na sua frente. Parecia injusto que ela tivesse que estar aqui. Eu não podia acreditar que Clarisse e Michael estavam de pé a seu lado, discutindo sobre alguma coisa tão estúpida como uma pilhagem, quando ela tinha acabado de perder Beckendorf.
– PAREM COM ISSO! – Eu gritei. – O que vocês estão fazendo?
Clarisse me lançou um olhar ameaçador.
– Diga ao Michael para não ser um idiota egoísta.
– Oh, isso é perfeito, vindo de você – disse Michael.
– A única razão para eu estar aqui é para apoiar Silena! – gritou Clarisse. – De outra forma eu estaria em meu chalé.
– Do que vocês estão falando? – eu perguntei.
Pólux pigarreou.
– Clarrise tem se recusado a falar com qualquer um de nós até que seu, hum, problema seja resolvido. Ela não fala nada há três dias.
– Tem sido ótimo – disse Travis Stoll.
– Que problema? – eu perguntei.
Clarisse se virou para Quíron.
– Você está no comando, certo? O meu chalé vai ter o que deseja ou não?
Quíron bateu seus cascos.
– Minha querida, como eu já expliquei, Michael está certo. O chalé de Apolo tem mais argumentos. Além disso, nós temos problemas mais importantes...
– Claro – Clarisse rebateu. – Sempre há problemas mais importantes do que o que Ares precisa. Nós só devemos aparecer e lutar quando vocês precisarem de nós, e sem reclamarmos!
– Isso seria legal – murmurou Connor Stoll
Clarisse pegou sua faca.
– Talvez eu devesse perguntar ao Sr D...
– Como você sabe – Quíron interrompendo, seu tom ligeiramente zangado agora – nosso diretor, Dionísio, está atarefado com a guerra. Ele não pode ser chateado com isso.
– Entendo – disse Clarisse. – E os conselheiros seniores? Algum de vocês está do meu lado?
Ninguém estava sorrindo agora. Nenhum deles encontrou o olhar de Clarisse.
– Ótimo. – Clarisse se virou para Silena. – Eu sinto muito. Eu não pretendia entrar nisso quando você acabou de perder... De qualquer forma eu me desculpo. Com você. Ninguém mais.
Silena não pareceu registrar suas palavras.
Clarisse atirou sua faca em cima da mesa de pingue-pongue.
– Todos vocês podem lutar essa guerra sem Ares. Até eu que minha vontade seja feita, ninguém do meu chalé vai erguer um dedo para ajudar. Se divirtam morrendo.
Os conselheiros estavam chocados demais para dizer qualquer coisa enquanto Clarisse saía da sala como uma tempestade.
Finalmente Michael Yew disse:
– Que alívio.
– Você está brincando? – Protestou Katie Gardner. – Isso é um desastre!
– Ela não pode estar falando sério – disse Travis. – Pode?
Quíron assentiu.
– Seu orgulho foi ferido. Ela vai se acalmar eventualmente.
Mas ele não pareceu convencido.
Eu queria perguntar com que diabos Clarisse estava com tanta raiva, mas quando olhei para Annabeth, seus lábios desenharam as palavras “Te conto mais tarde.”
– Agora – Quíron continuou, – se vocês puderem conselheiros. Percy trouxe algo que eu acho que todos devem escutar. Percy... a Grande Profecia.
Annabeth me entregou o pergaminho. Era velho e ressecado, meus dedos se atrapalharam com o cordão. Desenrolei o papel, tentando não rasgá-lo, e comecei a ler:
– Um meio-sangue, dos meses antigos...
– Er... Percy? – Annabeth interrompeu. – São deuses, não meses.
– Oh, certo – eu disse.
Ser disléxico é uma marca de um meio-sangue, mas às vezes eu realmente odiava isso. Quanto mais nervoso eu fico, pior minha leitura é.
– Um meio-sangue, dos deuses antigos filho... Chegará aos dezesseis apesar de empecilhos...
Hesitei, fitando as linhas seguintes. Uma sensação de frio chegou em meus dedos, como se o papel estivesse congelando.
– Num sono sem fim o mundo estará, E alma do herói, a lâmina maldita ceifará.
De repente contracorrente pareceu mais pesada no meu bolso. Uma lâmina amaldiçoada? Quíron uma vez me disse que Contracorrente tinha trazido tristeza a muitas pessoas. Seria possível que minha própria espada me mataria? E como o mundo entraria em um sono sem fim, a menos que isso significasse morte?
– Percy – estimulou Quíron. – Leia o resto.
Minha boca parecia cheia de areia, mas eu li os dois últimos versos.
– Uma escolha seus dias vai encerrar... O Olimpo pre... presentear...
– Preservar – disse Annabeth gentilmente. – Significa salvar.
– Eu sei o que significa – resmunguei. – O olimpo preservar ou arrasar.
A sala estava silenciosa. Finalmente Connor Stoll disse:
– Arrasar é bom, não é?
– Aqui não é no sentido de fazer sucesso – disse Silena. Sua voz estava abafada, mas eu estava surpreso de ouvi-la falar qualquer coisa. – Arrasar significa destruir.
– Eliminar – completou Annabeth. – Aniquilar. Transformar em pó.
– Já entendemos. – Meu coração parecia de chumbo. – Obrigado.
Todos estavam olhando para mim – com preocupação, ou pena, ou talvez um pouco de medo.
Quíron fechou os olhos como se estivesse fazendo uma oração. Em forma de cavalo, sua cabeça quase tocava as luzes da sala de recreação.
– Você vê agora, Percy, o porquê de termos achado que seria melhor não te contar a profecia completa? Você tinha peso o suficiente em seus ombros...
– Sem perceber que eu morreria de qualquer forma no final? – Eu disse. – Yeah, eu entendi.
Quíron me olhou tristemente. O cara tinha trezentos anos de idade. Ele tinha visto centenas de heróis morrerem. Ele podia não gostar disso, mas estava acostumado. Ele provavelmente sabia melhor do que eu, ao tentar me tranquilizar.
– Percy – disse Annabeth. – Você sabe que as profecias sempre têm um duplo significado. Pode não significar literalmente a sua morte.
– Com certeza – eu disse. – Uma escolha seus dias vai encerrar. Isso tem milhares de significados, certo?
– Talvez nós possamos impedir – ofereceu Jake Mason. – E alma do herói, a lâmina maldita ceifará. Talvez nós possamos achar essa lâmina amaldiçoada e destruí-la. Soa como a foice de Cronos, certo?
Eu não tinha pensado nisso, mas não importava se a lâmina amaldiçoada era Contracorrente ou a foice de Cronos. De qualquer forma, eu duvidava que pudéssemos parar a profecia. Uma lâmina estava destinada a ceifar minha alma.
Como regra geral, eu preferia não ter minha alma ceifada.
– Talvez nós devêssemos deixar Percy pensar sobre esses versos – disse Quíron. – Ele precisa de tempo...
– Não. – Eu dobrei a profecia e a enfiei em meu bolso. Eu me senti desafiado e com raiva, apesar de não saber de quem eu estava com raiva. – Eu não preciso de tempo. Se eu morrer, eu morro. Eu não posso me preocupar com isso, certo?
As mãos de Annabeth estavam tremendo um pouco. Ela não me olhava nos olhos.
– Vamos continuar – eu disse. – Nós temos outros problemas. Nós temos um espião.
Michael Yew fez uma carranca.
– Um espião?
Eu contei a eles o que tinha acontecido no Princesa Andrômeda – como Cronos sabia de antemão que viríamos, como ele tinha me mostrado o pingente de prata em forma de foice que ele usava para se comunicar com alguém no campo.
Silena começou a chorar novamente, e Annabeth colocou um braço em seus ombros.
– Bem – disse Connor Stoll desconfortavelmente, – nós suspeitávamos que tivesse um espião há anos, certo? Alguém continuou a passar informação para Luke – como a localização do Velocino de Ouro a dois anos atrás. Deve ser alguém que o conhecia bem.
Inconscientemente, ele olhou para Annabeth. Ela tinha conhecido Luke melhor do que qualquer um é claro, mas Connor desviou o olhar rapidamente.
– Um, quero dizer, poderia ser qualquer um.
– Sim. – Katie Gardner encarou os irmãos Stoll. Ela desgostava deles desde que eles decoraram o telhado de grama de Demeter com coelhinhos da páscoa de chocolate. – Como um dos irmãos de Luke.
Travis e Connor começaram a discutir com ela.
– Parem! – Silena bateu na mesa com tanta força que seu chocolate quente derramou. – Charlie está morto e... vocês estão todos discutindo como criancinhas!
Ela abaixou a cabeça e começou a soluçar.
Chocolate quente caía da mesa de pingue-pongue. Todos pareciam envergonhados.
– Ela está certa – disse Pólux finalmente. – Acusar um ao outro não ajuda. Nós precisamos manter os olhos abertos para um colar com pingente de foice. Se Cronos tinha um, o espião provavelmente tem também.
Michael Yew grunhiu.
– Nós temos que achar esse espião antes de planejarmos nossa próxima operação. Explodir o Princesa Andrômeda não irá detê-lo para sempre.
– De fato, não – disse Quíron. – Seu próximo ataque já está vindo.
Eu franzi minhas sobrancelhas.
– Você quer dizer a “ameaça maior” que Poseidon mencionou?
Ele e Annabeth trocaram um olhar, como se dissessem Está na hora. Eu já mencionei que odeio quando eles fazem isso?
– Percy – disse Quíron, – nós não queríamos lhe dizer até você voltar para o acampamento. Você precisava de umas férias com seus... amigos mortais
Annabeth corou. Eu entendi que ela sabia que eu estivera saindo com Rachel, e eu me senti culpado. Então eu me senti com raiva por estar me sentindo culpado. Eu tinha permissão para ter amigos fora do acampamento, certo? Não era como se...
– Me conte o que aconteceu – eu disse.
Quíron pegou um cálice de bronze da mesa de lanches. Ele jogou água dentro do prato quente onde geralmente derretíamos queijo nacho. Vapor subiu, fazendo um arco-íris de cores fluorescentes. Quíron tirou um dracma de ouro de sua sacola, o jogou na névoa, e murmurou:
– Ó Íris, Deusa do Arco Íris, mostre-nos a ameaça.
A névoa estremeceu. Eu vi a imagem familiar de um vulcão oculto – o monte St. Helena. Enquanto eu olhava, o lado da montanha explodiu. Fogo, cinza, e lava saíram. Uma voz de repórter dizia: “ainda maior do que a erupção do ano passado, e os geólogos avisam que a montanha pode não ter se aplacado.”
Eu sabia tudo sobre a erupção do ano passado. Eu a tinha causado. Mas essa explosão era muito pior. A montanha estava destruindo a si mesma, ruindo pelo lado de dentro. Uma forma enorme saiu da fumaça e da lava como se estivesse saindo de um bueiro. Eu esperava que a Névoa impedisse os humanos de ver claramente, porque o que eu vi teria causado pânico e terror por todos os Estados Unidos.
O gigante era maior do que qualquer outra coisa que eu já havia encontrado. Mesmo meus olhos de semideus não podiam ver sua forma exata através das cinzas e do fogo, mas ele era vagamente humanoide e tão grande que podia ter usado o Edifício Chrysler como bastão de baseball. A montanha tremeu com um som horrível, como se o monstro estivesse rindo.
– É ele – eu disse. – Tifão.
Eu estava esperando seriamente que Quíron fosse dizer alguma coisa boa, tipo Não, aquele é o nosso amigo gigante Leroy! Ele irá nos ajudar! Mas estava sem sorte. Ele simplesmente assentiu.
– O monstro mais horrível de todos, a maior ameaça que os deuses já enfrentaram. Ele se libertou de debaixo da montanha enfim. Mas essa cena é de dois dias atrás. Isso é o que está acontecendo hoje.
Quíron balançou sua mão e a imagem mudou. Eu vi um monte de nuvens de tempestade passando através das planícies do meio-oeste. Raios tremeluziam. Linhas de tornados destruíam tudo em seu caminho – arrancando casas e trailers, arremessando carros como se fossem de brinquedo.
“Inundações monumentais,” um locutor estava dizendo. “Cinco estados declararam áreas de risco enquanto a tempestade anormal continua indo para o leste, continuando seu caminho de destruição.”
As câmeras deram zoom em uma coluna de tempestade arrasando alguma cidade no Meio-Oeste. Eu não podia dizer qual era. Dentro da tempestade eu podia ver o gigante – apenas relances de sua forma verdadeira: um braço esfumaçado, uma mão escura do tamanho de um bairro da cidade. Seu rosnado zangado passou pelas planícies como uma explosão nuclear.
Outras formas menores se lançavam através das nuvens, circulando o monstro. Eu vi flashes de luz, e eu percebi que o gigante estava tentando afastá-los. Eu estreitei os olhos e pensei ter visto uma biga dourada voando para dentro da escuridão. Então algum tipo de ave enorme – uma coruja monstruosa – mergulhou para atacar o gigante.
– Esses são... os deuses? – eu disse.
– Sim, Percy – disse Quíron. – Eles estiveram lutando contra ele faz dias, tentando diminuir seu ritmo. Mas Tifão continua seguindo em frente - em direção a Nova York. Em direção ao Olimpo.
Eu deixei minha mente pensar.
– Quanto tempo até que ele chegue aqui?
– A menos que os deuses o impeçam? Talvez cinco dias. A maior parte dos olimpianos está lá... exceto seu pai, que tem uma guerra própria para lutar.
– Mas então quem está guardando o Olimpo?
Connor Stoll sacudiu a cabeça.
– Se Tifão chegar a Nova York, não importará quem está guardando o Olimpo.
Eu pensei sobre as palavras de Cronos no navio: Eu adoraria ver o terror em seus olhos quando você perceber como eu vou destruir o Olimpo.
Era disso que ele estava falando: Um ataque de Tifão? Com certeza era aterrorizante o suficiente. Mas Cronos estava sempre nos enganando, guiando nossa atenção para o lugar errado. Isso parecia ser óbvio demais para ele. E em meu sonho, o titã dourado tinha falado sobre vários outros desafios que estavam vindo, como se Tifão fosse apenas o primeiro.
– É um truque – eu disse. – Nós temos que alertar os deuses. Alguma outra coisa vai acontecer.
Quíron me olhou gravemente.
– Alguma coisa pior do que Tifão? Eu espero que não.
– Nós temos que defender o Olimpo – eu insisti. – Cronos tem outro ataque planejado.
– Ele tinha – Travil Stoll me lembrou. – Mas você afundou o navio dele.
Todos estavam olhando para mim. Eles queriam algumas boas notícias. Eles queriam acreditar que pelo menos eu tinha dado a eles alguma esperança.
Eu olhei para Annabeth. Eu podia dizer que estávamos pensando a mesma coisa: E se o Princesa Andrômeda fora um truque? E se Cronos tinha nos deixado afundar o navio para que baixássemos nossa guarda?
Mas eu não ia dizer isso na frente de Silena. O namorado dela tinha se sacrificado por aquela missão.
– Talvez você esteja certo – eu disse, apesar de não acreditar naquilo.
Eu tentei imaginar como as coisas podiam piorar mais. Os deuses estavam no Meio-Oeste lutando contra um monstro gigante que quase os derrotara uma vez antes. Poseidon estava debaixo d’água e perdendo uma guerra contra o titã do mar Oceano. Cronos ainda estava por aí. O Olimpo estava praticamente desprotegido. Os semideuses do Acampamento Meio-Sangue estavam por conta própria, e com um espião entre nós.
Oh, e de acordo com uma profecia antiga, eu iria morrer quando eu fizesse dezesseis anos – o que aconteceria em cinco dias, o tempo exato que Tifão deveria chegar à Nova York. Quase tinha me esquecido disso.
– Bem – disse Quíron, – eu acho que foi o suficiente por uma noite.
Ele acenou com a mão e o vapor desapareceu. A batalha tempestuosa entre Tifão e os deuses desapareceu.
– Para usar um eufemismo – murmurei.
E a reunião de guerra foi suspensa.


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