sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Batalha do labirinto - capitulo 14




                      Meu irmão duela comigo até a morte

A porta de metal estava meio escondida atrás de uma cesta da lavanderia cheia de toalhas sujas do hotel. Eu não vi nada de estranho nisso, mas Rachel me mostrou onde olhar, e reconheci o símbolo apagado cravado no metal.

– Não tem sido usada há um bom tempo – disse Annabeth

– Eu tentei abrir a porta uma vez – disse Rachel, – só por curiosidade. Só que a ferrugem a emperrou.

– Não. – Annabeth adiantou-se. – Só precisa do toque de um meio sangue.

Como dito, no momento em que Annabeth pôs sua mão na marca, ela brilhou com um tom azulado. A porta de metal abriu rangendo, revelando uma escada escura que descia.

– Uau. – Rachel parecia calma, mas eu não consegui dizer se ela estava fingindo ou não. Ela tinha trocado para uma camiseta rota do Museu de Arte Moderna e seu usual jeans colorido com canetinha, sua escova de cabelo de plástico azul saindo do seu bolso. Seu cabelo vermelho estava preso pra trás, mas ainda tinha manchas de ouro nele, e traços de purpurina dourada no rosto. – Então... depois de você?

– Você é a guia – Annabeth disse com uma educação fingida. – Guie.

A escada levava a um largo túnel de tijolos. Estava tão escuro que eu não conseguia ver dois passos à frente, mas Annabeth e eu tínhamos pegado lanternas. Logo que as ligamos, Rachel gritou.

Um esqueleto sorria pra nós. Não era humano. Para começar, era enorme – no mínimo três metros de altura. Ele tinha sido esticado, acorrentado pelos pulsos e tornozelos formando um tipo de X gigante no meio do túnel. Mas o que realmente me deu arrepios foi a grande órbita vazia no centro de seu crânio.

– Um ciclope – disse Annabeth. – É muito velho. Não é... ninguém que a gente conheça.

Não era Tyson, foi o que ela quis dizer. Mas isso não fez com que eu me sentisse muito melhor. Ainda sentia como se ele tivesse sido colocado aqui como um aviso. O que quer que pudesse matar um ciclope adulto, eu não queria conhecer.

Rachel engoliu em seco.

– Você tem um amigo que é um ciclope?

– Tyson – eu disse. – Meu meio irmão.

– Seu meio irmão.

– Esperamos encontrá-lo aqui – eu disse. – E Grover. Ele é um sátiro.

– Ah. – Sua voz era baixa. – Então é melhor continuarmos andando.

Ela passou por baixo do braço esquerdo do esqueleto, e continuou caminhando. Annabeth e eu trocamos olhares. Ela deu de ombros. Seguimos Rachel para o labirinto. Depois de quinze metros chegamos num cruzamento. À frente o túnel de tijolo continuava. À direita, as paredes eram feitas de placas de mármore antigo. À esquerda, o túnel estava sujo e havia raízes de árvores.

Apontei para esquerda.

– Esse meio que parece com o túnel que Grover e Tyson pegaram.

Annabeth franziu as sobrancelhas.

– É, mas a arquitetura do que está à direita – estas pedras gastas – é mais provável que leve a uma parte antiga do labirinto, na direção da oficina de Dédalo.

– Precisamos seguir reto – disse Rachel.

Annabeth e eu olhamos pra ela.

– Essa é escolha menos provável – disse Annabeth.

– Vocês não veem? – Rachel perguntou. – Olhem para o chão.

Eu não vi nada além de tijolos bem desgastados e lama.

– Tem uma claridade lá – insistiu Rachel. – Bem fraca. Mas adiante é o caminho certo. Para a esquerda, mais à frente no túnel, as raízes daquela árvore se movem como antenas. Não gosto disso. Para a direita, há uma armadilha a seis metros abaixo. Buracos nas paredes, talvez para lanças. Não acho que deveríamos arriscar.

Eu não vi nada do que ela estava descrevendo, mas assenti.

– Ok, adiante.

– Você acredita nela? – perguntou Annabeth.

– Sim – eu disse. – Você não?

Annabeth me olhou como se quisesse discutir, mas ela acenou para Rachel seguir em frente. Juntos seguimos pelo corredor de tijolos. Ele girou e mudou, mas não havia mais túneis laterais. Parecíamos estar descendo, aprofundando cada vez mais no subsolo.

– Sem armadilhas? – perguntei ansioso.

– Nenhuma. – Rachel franziu as sobrancelhas. – Deveria ser tão fácil assim?

– Não sei – eu disse. – Nunca foi antes.

– Então, Rachel – disse Annabeth, – de onde você é, exatamente?

Soou como se ela perguntasse, De que planeta você é? Mas Rachel não pareceu ofendida.

– Brooklin – disse ela.

– Seus pais não vão ficar preocupados por você estar fora tão tarde?

Rachel suspirou.

– Não muito. Eu poderia ficar fora por uma semana, e eles nem notariam.

– Por que não? – Dessa vez Annabeth não pareceu sarcástica. Ter problemas com os pais era algo que ela entendia.

Antes que Rachel pudesse responder, houve um barulho de algo rangendo a nossa frente, como grandes portas se abrindo.

– O que foi isso? – Annabeth perguntou.

– Não sei – respondeu Rachel. – Dobradiças de metal.

– Ah, ajudou muito. Quero dizer, o que é isso?

Então ouvi pesados passos fazendo o corredor tremer – vindo ao nosso encontro.

– Correr? – perguntei.

– Correr – Rachel concordou.

Viramos e fugimos pelo caminho que viemos, mas não percorremos seis metros antes de nos deparamos com velhas amigas. Duas dracaenae – mulheres cobras em armaduras gregas – ergueram seus dardos na altura dos nossos peitos. Parada entre elas estava Kelli, a empousa líder de torcida.

– Ora, ora – disse Kelli.

Eu destampei Contracorrente, e Annabeth puxou sua faca; mas antes que minha espada mudasse da forma de caneta, Kelli apontou para Rachel. Sua mão transformou-se numa garra e virou Rachel, segurando-a firme com suas garras em seu pescoço.

– Levando sua mortalzinha de estimação para uma caminhada? – Kelli me perguntou. – São coisinhas tão frágeis. Tão fáceis de quebrar!

Atrás de nós, os passos ficavam mais próximos. Uma grande forma apareceu na luz – um Lestrigão de dois metros e meio com olhos vermelhos e presas.

O gigante lambeu os beiços quando nos viu.

– Posso comê-los?

– Não – Kelli disse. – Seu mestre vai querer estes. Eles providenciarão um grande duelo para diversão. – Ela sorriu pra mim. – Agora marchando, meio-sangues. Ou todos morrerão aqui, começando pela garota mortal.



Era bem o meu pior pesadelo. E acredite em mim, eu já tive muitos pesadelos. Estávamos marchando túnel abaixo, escoltados pelas dracaenae, com Kelli e o gigante logo atrás, para o caso de tentarmos fugir por ali. Ninguém pareceu se preocupar com a ideia de fugirmos pela frente. Aquela era a direção que eles queriam que nós fôssemos. Um pouco à frente eu podia ver portas de bronze. Elas tinham uns três metros de altura, atravessadas por um par de espadas cruzadas. Detrás delas, vinha um rugido abafado, como o de uma multidão.

– Ah, ssssssim – disse a mulher cobra à minha esquerda. – Com o nosssso anfitrião, vocêsss sssserão muito popularesssssss.

Eu nunca tive a chance de olhar uma dracaenae muito de perto antes, e não estava muito animado por ter a oportunidade. Ela teria um rosto bonito, exceto pela língua bifurcada e os olhos amarelos, com pupilas no formato de fendas negras. Ela vestia uma armadura de bronze que terminava na cintura. Abaixo, onde suas pernas deveriam estar, havia dois troncos maciços de cobra, listrados de verde e bronze. Ela se movia com uma combinação de andar e rastejar, como se ela estivesse em esquis vivos.

– Quem é o seu anfitrião? – perguntei.

Ela sibilou, o que deve ter sido uma risada.

– Ah. Você vai desssscobrir. Você ficará furiossssssssso. Ele é sssssseu irmão, afinal.

– Meu o quê? – Imediatamente pensei em Tyson, mas isso era impossível. Do que ela estava falando?

O gigante nos empurrou passando por nós e abriu a porta. Ele pegou Annabeth pela blusa e disse:

– Você fica aqui.

– Ei! – ela protestou, mas o cara era duas vezes maior do que ela e já tinha confiscado sua faca e minha espada.

Kelli riu. Ela ainda estava com as garras no pescoço de Rachel.

– Vá, Percy. Divirta-nos. Ficaremos aqui com seus amigos para garantir que você se comporte.

Olhei para Rachel.

– Sinto muito. Eu vou tirar você dessa.

Ela assentiu o máximo que pôde com um demônio na sua garganta.

– Isso seria bom.

A dracaenae me empurrou porta à dentro com a ponta do dardo, e eu pisei no chão de uma arena.



Acho que essa não era a maior arena em que já estive, mas parecia bem espaçosa considerando que o lugar todo era no subterrâneo. O chão sujo era circular, grande o suficiente para você dirigir um carro pela beira, se o mantivesse bem rente. No centro da arena, uma luta estava acontecendo entre um gigante e um centauro. O centauro parecia estar em pânico. Ele galopava ao redor de seu inimigo, usando espada e escudo, enquanto o gigante segurava um dardo do tamanho de um poste de telefone e a multidão aplaudia.

A primeira fileira de cadeiras ficava a três metros e meio acima do chão. Bancos de rochas planas envolviam todo o lugar, e todos os assentos estavam ocupados. Tinha gigantes, dracaenae, semideuses, telquines, e coisas mais esquisitas: demônios com asas de morcego e criaturas que pareciam metade humana e a outra metade você nomeava – pássaro, réptil, inseto, mamífero. Mas as coisas mais arrepiantes eram as caveiras. A arena estava cheia delas. Elas rodeavam a borda da grade. Pilhas de um metro delas decoravam os espaços entre os bancos. Elas sorriam dos picos atrás da arquibancada e estavam penduradas em correntes do teto, como candelabros horríveis. Algumas delas pareciam muito velhas – nada além de ossos velhos esbranquiçados. Outras pareciam mais novas. Eu não vou descrevê-las. Acredite em mim, você não ia querer que eu fizesse isso.

No meio de tudo isso, exposto orgulhosamente no lado da parede do espectador, havia algo que não fez sentido pra mim – um estandarte verde com um tridente de Poseidon no centro. O que aquilo estava fazendo num lugar horrível como esse?

Sobre o estandarte, sentado num lugar de honra, estava um velho inimigo.

– Luke – eu disse.

Eu não tinha certeza se ele podia me escutar com todo o barulho da multidão, mas ele sorriu friamente. Ele estava de calças camufladas, uma camiseta branca, com uma couraça de bronze no peito, igual ao que eu vira no meu sonho. Mas ele ainda não estava com sua espada, o que eu achei estranho. Ao seu lado estava o maior gigante que eu já tinha visto, muito maior do que o que estava lutando na arena com o centauro. O gigante perto de Luke devia ter uns quatro metros e meio de altura, facilmente, e era tão grande que ocupava três lugares. Ele vestia só uma sunga de linho, como o traje de sumô. Sua pele era vermelha escura e tatuada com desenhos de ondas azuis. Achei que ele devia ser o novo guarda-costas de Luke ou algo assim.

Houve um grito no chão da arena, e eu pulei pra trás assim que o centauro caiu na terra ao meu lado.

Ele encontrou meus olhos suplicando.

– Ajuda!

Eu procurei por minha espada, mas fora tomada de mim e não tinha reaparecido em meu bolso ainda.

O centauro lutou para se levantar, enquanto o gigante se aproximava, seu dardo preparado.

Uma grande garra agarrou meu ombro.

– Ssse você valoriza asss vidasss de seusss amigosss – minha guarda dracaenae disse, – você não interferirá. Essssa não é a ssssua luta. Essspere a ssssua vez.

O centauro não conseguia levantar. Uma de suas pernas estava quebrada. O gigante colocou seu pé enorme no peito do centauro e ergueu seu dardo. Ele olhava para Luke.

A plateia gritava:

– MORTE! MORTE!

Luke não fez nada, mas o cara tatuado do sumô sentado ao seu lado se levantou. Ele sorria para o centauro que choramingava:

– Por favor! Não!

Então o cara do sumô fechou a mão, e fez o sinal polegar para baixo. Fechei meus olhos enquanto o gigante gladiador estocava com o seu dardo. Quando olhei de novo, o centauro se fora, desintegrado em cinzas. Tudo o que sobrou foi um único casco, que o gigante pegou como um troféu e mostrou à platéia. Ela rugia aprovando.

Um portão abriu no lado oposto do estádio, por onde o gigante saiu marchando em triunfo.

Na arquibancada, o cara do sumô ergueu as mãos por silêncio.

– Boa diversão – ele berrou. – Mas nada que eu já não tenha visto antes. O que mais você tem, Luke, Filho de Hermes?

Luke apertou a mandíbula. Eu podia apostar que ele não gostou de ser chamado de filho de Hermes. Ele odiava seu pai. Mas ele se levantou calmamente. Seus olhos brilhavam. Aliás, ele parecia estar de muito bom humor.

– Lorde Anteu – disse Luke, alto o suficiente para a multidão ouvir. – Você tem sido um excelente anfitrião! Ficaremos felizes de entretê-lo, para agradecer o favor de poder passar pelo seu território.

– Um favor que eu ainda não concedi – Anteu grunhiu. – Eu quero diversão!

Luke fez uma reverência.

– Acredito que tenho algo mais interessante do que centauros para lutar em sua arena agora. Tenho um irmão seu. – Ele apontou para mim. – Percy Jackson, filho de Poseidon.

A plateia começou a me vaiar e a jogar pedras em mim, a maioria eu consegui desviar, mas uma me acertou na bochecha e fez um grande corte.

Os olhos de Anteu brilharam.

– Um filho de Poseidon? Então ele deve lutar bem! Ou morrer bem!

– Se a morte dele lhe agradar – disse Luke, – você deixará nossos exércitos cruzarem seu território?

– Talvez! – disse Anteu.

Luke não pareceu satisfeito com o “talvez”. Ele me fitou, como se estivesse me avisando que era bom eu morrer de forma espetacular, ou eu teria sérios problemas.

– Luke! – gritou Annabeth. – Pare com isso. Deixe-nos ir!

Ele pareceu notá-la pela primeira vez. Pareceu ficar atordoado por um momento.

– Annabeth?

– Tem tempo suficiente para as lutas femininas depois – interrompeu Anteu.

– Primeiro, Percy Jackson, que armas você irá escolher?

A dracaenae me empurrou para o meio da arena.

Eu encarei Anteu.

– Como você pode ser filho de Poseidon?

– Eu sou seu filho favorito! – Anteu estrondou. – Contemple, meu templo para o Treme Terra, foi construído com os esqueletos de todos aqueles que eu matei em seu nome! Em breve você se juntará a eles!

Eu olhei horrorizado para todas as caveiras – centenas delas – e o estandarte de Poseidon. Como esse podia ser um templo para o meu pai? Meu pai era um cara legal. Ele nunca me pediu um cartão de Dia dos Pais, muito menos a caveira de alguém.

– Percy! – gritou Annabeth. – A mãe dele é Gaia! Gai–

Seu guarda Lestrigão colocou a mão sobre a boca dela. Sua mãe é Gaia. A deusa da terra. Annabeth estava tentando me dizer que aquilo era importante, mas eu não sabia o porquê. Talvez seja só porque o cara tinha dois deuses como pais. Isso devia torná-lo mais difícil de matar.

– Você é louco, Anteu – disse. – Se você acha que isso é um bom tributo, você não sabe nada sobre Poseidon.

A multidão gritava insultando-me, mas Anteu ergueu a mão por silêncio.

– Armas – ele insistiu. – E então veremos como você morre. Você tem machados? Escudos? Redes? Lançadores de Chamas?

– Apenas minha espada – eu disse.

Risadas surgiram dos monstros, mas imediatamente Contracorrente apareceu em minhas mãos, e algumas das vozes na multidão ficaram nervosas. A lâmina de bronze brilhava com uma luz fraca.

– Primeiro Round! – Anteu anunciou. Os portões se abriram, e uma dracaenae rastejou para fora. Ela tinha um tridente em uma das mãos e uma rede pesada na outra – tipo clássico de gladiador. Treinei contra essas armas no acampamento por anos. Ela experimentou me golpear. Desviei para o lado. Ela jogou sua rede, esperando prender a mão que eu segurava a espada, mas eu saí de lado facilmente, cortei seu tridente ao meio, e deferi um golpe com Contracorrente numa fenda em sua armadura.

Com um gemido doloroso, ela vaporizou, e os gritos da multidão cessaram.

– Não! – gritou Anteu. – Muito rápido! Você deve esperar para matar. Só quando eu der a ordem!

Eu olhei para Annabeth e Rachel. Eu tinha que achar um jeito de libertá-las, talvez distrair seus guardas.

– Bom trabalho, Percy. – Luke sorriu. – Você melhorou o uso da espada. Eu lhe concedo essa.

– Segundo Round! – rugiu Anteu. – E mais devagar desta vez! Mais diversão! Espere pela minha ordem para poder matar alguém. OU ENTÃO!

Os portões abriram novamente, e desta vez um jovem guerreiro saiu. Ele era um pouco mais velho do que eu, por volta dos dezesseis. Ele tinha um cabelo preto brilhante, e seu olho esquerdo era coberto por um tapa-olho. Ele era magro e rijo de forma que sua armadura grega pendia solta. Ele apoiou sua espada no chão, ajustou seu escudo, e pôs seu capacete de crina de cavalo.

– Quem é você? – perguntei.

– Ethan Nakamura – ele respondeu. – Eu tenho que matar você.

– Por que você está fazendo isso?

– Ei! – um monstro gritou das arquibancadas. – Parem de falar e lutem!

Os outros concordaram.

– Eu tenho que me colocar à prova – Ethan me disse. – É o único jeito de ser aceito.

E com isso ele atacou. Nossas espadas se encontraram no ar e a plateia gritou. Aquilo não parecia certo. Eu não queria lutar para divertir um monte de monstros, mas Ethan Nakamura não estava me dando muita escolha.

Ele pressionou avançando. Ele era bom. Ele nunca esteve no Acampamento Meio-Sangue, que eu saiba, mas ele fora treinado. Ele desviou meu golpe e quase me derrubou com seu escudo, mas eu pulei pra trás. Ele atacou, eu rolei para um lado. Nós trocamos estocadas e desvios, um experimentando o estilo de luta do outro. Tentei me manter no lado cego de Ethan, mas não ajudou muito. Ele parecia estar lutando com um olho só há bastante tempo, porque ele era excelente guardando seu lado esquerdo.

– Sangue! – gritavam os monstros.

Meu oponente olhou para a plateia. Essa era sua fraqueza, percebi. Ele precisava impressionar a plateia, eu não. Ele soltou um grito raivoso de batalha e me atacou, mas eu desviei sua lâmina e me afastei, deixando-o vir atrás de mim.

– Buu! – vaiou Anteu. – Fique e lute.

Ethan me pressionou, mas eu não tinha problema em me defender, mesmo sem um escudo. Ele estava vestido para se defender – armadura pesada e escudo – o que tornava cansativo atacar. Eu era um alvo mais fácil, mas também era mais leve e mais rápido. A multidão foi a loucura, gritando reclamações e tacando pedras. Estávamos lutando há quase cinco minutos e não havia nenhuma gota de sangue.

Finalmente Ethan cometeu seu erro. Ele tentou me acertar na barriga, e eu prendi o punho de sua espada com o meu e torci. Sua espada caiu no chão. Antes que ele pudesse se recuperar, eu bati com a base da minha espada em seu capacete e o derrubei. Sua armadura pesada me ajudou mais que ele. Ele caiu de costas, atordoado e cansado.

Coloquei a ponta da minha espada em seu peito.

– Termine com isso – Ethan grunhiu.

Eu olhei para Anteu. Seu rosto vermelho estava rígido de desgosto, mas ele ergueu sua mão e fez o polegar para baixo.

– Esquece. – Eu abaixei minha espada.

– Não seja idiota – grunhiu Ethan. – Eles vão matar nós dois.

Eu estendi minha mão. Relutantemente, ele a segurou. Eu o ajudei a levantar.

– Ninguém desonra os jogos! – rugiu Anteu. – Suas cabeças servirão como tributo a Poseidon!

Olhei para Ethan.

– Quando você tiver chance, corra. – Depois me virei para Anteu.

– Por que você mesmo não luta comigo? Se você tem a proteção do Pai, venha aqui embaixo e prove!

Os monstros murmuraram nas arquibancadas. Anteu deu uma olhada em volta, e aparentemente viu que não tinha escolha. Ele não podia dizer não sem parecer um covarde.

– Eu sou o melhor lutador do mundo, rapaz – ele avisou. – Venho lutando desde o primeiro pancrácio!

– Pancrácio? – perguntei.

– Ele quer dizer as lutas até a morte – disse Ethan. – Sem regras. Sem barreiras. Costumava ser um esporte Olímpico.

– Valeu pela dica – eu disse.

– De nada.

Rachel me olhava com olhos bem abertos. Annabeth mexia sua cabeça loucamente, a mão do Lestrigão continuava tampando sua boca.

Apontei minha espada para Anteu.

– O vencedor leva tudo! Se eu vencer, somos todos libertados. Se você ganhar, morremos. Jure pelo Rio Estige!

Anteu gargalhou.

– Isso não vai demorar muito. Eu juro de acordo com as suas condições!

Ele saltou por sobre a grade para dentro da arena.

– Boa sorte – Ethan me disse. – Você vai precisar.

Depois ele se afastou rapidamente. Anteu estalou seus dedos. Ele sorriu ironicamente, e eu vi que até mesmo seus dentes tinham tatuagens de ondas, o que devia tornar a escovação após as refeições bem dolorosa.

– Armas? – ele perguntou.

– Ficarei com minha espada. Você?

Ele mostrou suas mãos enormes e mexeu os dedos.

– Eu não preciso de mais nada! Mestre Luke, você será o juiz desta vez.

Luke sorriu para mim.

– Com prazer.

Anteu atacou. Eu rolei por debaixo de suas pernas e apunhalei sua coxa por trás.

– Arghhhhhh! – ele gritou. Mas onde deveria estar sangrando, havia um jorro de areia, como se eu tivesse quebrado o lado de uma ampulheta. Ela caiu no chão de terra, e a terra começou a rodear suas pernas, quase como um molde. Quando a terra caiu, a ferida havia desaparecido.

Ele atacou de novo. Por sorte eu tinha alguma experiência em lutar com gigantes. Desviei para o lado desta vez e golpeei embaixo de seu braço. A lâmina de Contracorrente estava enterrada até o punho em suas costelas. Essa era a boa notícia. A má notícia foi que Contracorrente foi puxada de minha mão quando o gigante se virou, e eu fui jogado através da arena, desarmado.

Anteu gritou de dor. Esperei que ele se desintegrasse. Nenhum monstro jamais sobreviveu a um ataque direto da minha espada assim. A lâmina de bronze celestial tinha que ter destruído sua essência. Mas Anteu apalpou suas costelas, puxou a espada e jogou-a para trás. Mais areia jorrou da ferida, mas de novo a terra veio e a cobriu.

Areia envolvia seu corpo todo até os ombros. Assim que a terra caiu, Anteu estava

bem. 

– Agora você vê porque eu nunca perco, semideus! – grunhiu Anteu. – Venha cá e me deixe esmagá-lo. Prometo que será rápido!

Anteu estava entre mim e minha espada. Desesperado, olhei para ambos os lados, e notei os olhos de Annabeth. A terra, pensei. O que Annabeth tinha tentado me dizer? A mãe de Anteu era Gaia, a mãe terra, a deusa mais antiga de todas. O pai de Anteu podia ser Poseidon, mas Gaia o mantinha vivo. Eu não poderia feri-lo enquanto ele estivesse tocando a terra.

Eu tentei rodeá-lo, mas Anteu antecipou meus movimentos. Ele bloqueou meu caminho, rindo. Ele estava só brincando comigo agora. Ele tinha me encurralado. Eu olhei para as correntes que pendiam do teto, suspendendo as caveiras de seus oponentes. De repente tive uma ideia.

Eu fintei para o outro lado. Anteu me bloqueou. A multidão zombou e gritou para Anteu acabar comigo, mas ele estava se divertindo muito.

– Garoto insignificante – ele disse. – Não é digno de ser filho do deus do mar!

Senti minha caneta retornar ao meu bolso, mas Anteu não sabia disso. Ele ainda achava que Contracorrente estava na terra atrás dele. Ele acharia que minha intenção era conseguir a espada. Não era muita vantagem, mas era tudo o que eu tinha.

Eu investi para frente, abaixando-me para que ele pensasse que eu ia rolar por debaixo de suas pernas de novo. Enquanto ele estava parado, preparado para me pegar como uma bola, eu pulei o máximo que podia – chutando seu antebraço, subindo por seu ombro como se fosse uma rampa, pisando em sua cabeça. Ele fez o que se esperava. Ele se endireitou indignado e gritou “Ei!”

Eu pulei, usando a sua força para me catapultar na direção do teto. Eu segurei o topo de uma corrente, e os crânios e os ganchos soavam estridentes abaixo de mim. Enrosquei minhas pernas nas correntes, do jeito como costumava fazer com as cordas na aula de Educação Física. Puxei Contracorrente e arrebentei a corrente ao lado.

– Desça aqui, covarde! – praguejou Anteu. Ele tentou me agarrar, mas eu já estava fora de alcance. Segurando pela minha linda vida, eu gritei:

– Venha aqui me pegar! Ou você é muito gordo e lento?

Ele pegou impulso e tentou me pegar de novo. Ele segurou uma corrente e tentou subir. Enquanto ele se esforçava, eu desci minha corrente cortada, o gancho primeiro. Precisei de duas tentativas, mas finalmente eu o prendi na tanga de Anteu.

– WAAA! – ele gritou. Rapidamente eu escorreguei a corrente livre pela argola da minha própria corrente, puxei, e firmei o máximo que podia. Anteu tentou voltar ao chão, mas seu corpo estava suspenso pela sua tanga. Ele teve que se segurar em outras correntes com ambas as mãos para evitar ficar de cabeça pra baixo. Rezei para que as correntes e a tanga aguentassem por mais alguns segundos. Enquanto Anteu praguejava e se segurava, eu me mexi pelas correntes, balançando como se fosse algum tipo de macaco maluco. Eu dava giros com os ganchos das correntes. Eu não sei como eu fiz aquilo. Minha mãe sempre disse que eu tenho um dom para emaranhar as coisas.

Além disso, eu estava desesperado para salvar meus amigos. De qualquer forma, em poucos minutos o gigante estava suspenso sobre o chão, grunhindo entre correntes e ganchos, indefeso. Eu pulei no chão, ofegante e suado. Minhas mãos estavam machucadas pela escalada.

– Desça-me daqui! – Anteu exigiu.

– Solte-o! – Luke ordenou. – Ele é o nosso anfitrião!

Eu destampei Contracorrente.

– Eu vou soltá-lo.

Eu acertei o gigante no estômago. Ele rugiu, e areia derramou, mas ele estava muito longe para tocar o chão, e a terra não se ergueu para ajudá-lo. Anteu simplesmente se dissolveu, esvaindo-se pouco a pouco, até não sobrar mais nada além de correntes vazias, uma grande tanga de linho em um gancho, e um monte de caveiras sorridentes dançando sobre mim como se elas finalmente tivessem um motivo pra sorrir.

– Jackson! – Luke gritou. – Eu já devia ter te matado há muito tempo!

– Você cansa – lembrei a ele. – Agora nos deixe ir, Luke. Tivemos um acordo juramentado com Anteu. Eu sou o vencedor.

Ele fez o que eu esperava. Ele disse:

– Anteu está morto. Seu juramento morre com ele. Mas como eu estou me sentindo piedoso hoje, eu o matarei bem rápido.

Ele apontou para Annabeth.

– Poupe a garota. – Sua voz falhou um pouco. – Eu quero falar com ela antes - antes de nossa grande vitória.

Cada monstro na multidão puxou sua arma ou mostrou suas garras. Nós estávamos encurralados. Desesperadamente em desvantagem.

Foi quando senti uma coisa em meu bolso – uma sensação gelada, um frio crescendo mais e mais. O apito canino. Meus dedos se fecharam em volta dele. Por dias eu evitei usar o presente de Quintus. Tinha que ser uma armadilha. Mas agora... Eu não tinha escolha. Eu o tirei de meu bolso e soprei. Não fez nenhum som enquanto estilhaçava-se em pedaços de gelo, derretendo na minha mão.

Luke riu.

– O que isso deveria fazer?

Atrás de mim surgiu um grito de surpresa. O gigante Lestrigão que guardava Annabeth voou por mim e chocou-se contra parede.

“AROOOOF.”

Kelli, a empousa, gritou quando um mastim negro de mais de duzentos quilos a pegou como um brinquedo para mastigar e a lançou pelo ar, direto no colo de Luke. A Sra O’Leary rosnou, e as duas guardas dracaenae se afastaram. Por um momento os monstros na plateia foram pegos de surpresa.

– Vamos lá! – Eu gritei para meus amigos. – Aqui, Senhora O’Leary!

– A saída mais longe! – gritou Rachel. – Aquele é o caminho certo!

Ethan Nakamura pegou sua deixa. Juntos corremos pela arena e pela saída mais distante, a Sra O´Leary logo atrás de nós. Enquanto corríamos, eu podia ouvir os sons desorganizados de um exército inteiro tentando pular das arquibancadas e nos seguir

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