sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Batalha do labirinto - capitulo 16




                                        Eu abro um caixão

Pular de uma janela a mais de trinta metros acima do chão normalmente não é minha ideia de diversão. Especialmente quando estou usando asas de bronze e batendo meus braços como um pato.

Eu mergulhei em direção ao vale e às pedras vermelhas abaixo. Eu tinha certeza que iria virar uma mancha de graxa no Jardim dos Deuses, quando Annabeth gritou de algum lugar acima de mim:

– Estique seus braços! Mantenha-os estendidos.

A pequena parte do meu cérebro que não estava engolida pelo pânico a escutou e meus braços responderam. Assim que eu os estiquei, as asas endureceram, pegaram o vento, e minha descida desacelerou. Eu planei para baixo, mas num ângulo controlado, como uma pipa mergulhando.

Experimentalmente, bati minhas asas uma vez. Fiz arcos no céu, o vento assoviando no meu ouvido.

– Uhuuuuuu! – gritei. A sensação era inacreditável. Depois de pegar o jeito delas, eu senti como se as asas fossem parte do meu corpo. Eu podia planar e girar e mergulhar do jeito que eu quisesse.

Eu virei e vi meus amigos – Rachel, Annabeth e Nico – espiralando acima de mim, brilhando na luz do sol. Atrás deles, a fumaça ondeava pela janela da oficina de Dédalo.

– Aterrissem! – Annabeth gritou. – Essas asas não vão durar para sempre.

– Quanto tempo? – Rachel perguntou.

– Eu não quero descobrir! – Annabeth disse.

Nós planamos para baixo em direção ao Jardim dos Deuses. Eu fiz um círculo completo em volta de uma das agulhas rochosas e assustei um casal de alpinistas. Então nós quatro planamos ao longo do vale, sobre a estrada, e aterrissamos sobre o terraço do centro de visitantes. Estava no fim da tarde, e o lugar parecia bem vazio, mas nós desatamos nossas asas o mais rápido que pudemos. Olhando para elas pude ver que Annabeth estava certa. As faixas autoadesivas que prendiam as asas nas nossas costas já estavam derretendo, e nós estávamos perdendo penas de bronze. Parecia um desperdício, mas não podíamos consertá-las e não podíamos deixá-la por ali perto dos mortais, então nós enfiamos as asas nos cestos de lixo fora da cafeteria.

Eu usei o binóculo de turista para olhar para a colina onde a oficina de Dédalo estivera, mas ela tinha desaparecido. Sem mais fumaça. Sem janelas quebradas. Apenas um lado de uma colina.

– A oficina mudou de lugar – Annabeth adivinhou. – E não temos como saber pra onde.

– Então, o que vamos fazer agora? – perguntei. – Como voltamos para o labirinto?

Annabeth olhou fixamente para o Pikes Peak à distancia.

– Talvez não possamos. Se Dédalo morreu... ele disse que sua força vital estava ligada ao labirinto. A coisa toda pode ter sido destruída. Talvez isso pare a invasão de Luke.

Eu pensei sobre Grover e Tyson, ainda lá em baixo em algum lugar. E Dédalo… mesmo ele tendo feito algumas coisas terríveis e colocado todo mundo que eu gosto em risco, parecia uma terrível maneira de morrer.

– Não – disse Nico. – Ele não morreu.

– Como você pode ter certeza? – perguntei.

– Eu sei quando as pessoas morrem. É uma sensação que tenho, como um zumbido no meu ouvido.

– E sobre Tyson e Grover, então?

Nico balançou a cabeça. 

– Isso é mais difícil. Eles não são humanos ou meio-sangues. Eles não têm almas mortais.

– Nós temos que ir para a cidade – Annabeth decidiu. – Nossas chances de encontrar uma entrada para o labirinto serão maiores. Temos que voltar para o acampamento antes de Luke e seu exército.

– Nós poderíamos apenas pegar um avião – Rachel disse.

Estremeci.

– Eu não voo.

– Mas você acabou de voar.

– Aquilo foi um voo baixo – eu disse, – e mesmo assim foi arriscado. Voar realmente alto – esse é o território de Zeus. Eu não posso fazer isso. Além do que, nós não temos tempo para um voo. O labirinto é o jeito mais rápido de voltar.

Eu não queria dizer, mas eu estava esperando que talvez, apenas talvez, nos encontrássemos Grover e Tyson ao longo do caminho.

– Então nós precisamos de um carro para nos levar de volta a cidade – Annabeth disse.

Rachel olhou para o estacionamento. Fez uma careta, como se ela estivesse a ponto de fazer algo de que se arrependeria.

– Eu vou cuidar disso.

– Como? – Annabeth questionou.

– Apenas confie em mim.

Annabeth parecia inquieta, mas assentiu.

– Ok, eu vou comprar um prisma na loja de presente, tentar fazer um arco-íris, e enviar uma mensagem de Íris para o acampamento.

– Eu vou com você – Nico disse. – Estou faminto.

– Eu vou ficar com Rachel então – eu disse. – Encontro vocês no estacionamento.

Rachel franziu as sobrancelhas como se não me quisesse com ela. Isso me fez sentir um pouco mal, mas eu a segui para o estacionamento mesmo assim.

Ela se dirigiu para um carro preto grande estacionado no canto do estacionamento. Era um Lexus com motorista, como o tipo que eu sempre via andando ao redor de Manhattan. O motorista estava na frente, lendo um jornal. Ele usava um terno preto e gravata.

– O que você vai fazer? – perguntei a Rachel.

– Apenas espere aqui – ela falou miseravelmente. – Por favor.

Rachel marchou direto para o motorista e falou com ele. Ele franziu a testa. Rachel disse mais alguma coisa. Ele ficou pálido e apressadamente dobrou seu jornal. Ele assentiu e procurou por seu celular. Depois de uma breve chamada, ele abriu a porta traseira do carro para Rachel entrar. Ela apontou na minha direção, e o motorista balançou sua cabeça um pouco mais, como Sim, senhorita. Qualquer coisa que quiser.

Eu não podia imaginar porque ele estava agindo tão perturbado.

Rachel voltou para me pegar bem quando Annabeth e Nico apareceram de volta da loja de presentes.

– Eu falei com Quíron – Annabeth disse. – Eles estão fazendo o seu melhor para se preparar para a batalha, mas ele ainda nos quer de volta. Eles vão precisar de todos os heróis que possam ter. Nós encontramos uma carona?

– O motorista estará pronto quando nós estivermos – Rachel disse.

O motorista estava agora falando com outro cara em calças caqui e camisa polo, provavelmente o cliente que tinha alugado o carro. O cliente estava reclamando, mas eu podia ouvir o motorista dizer:

– Sinto muito, senhor. Emergência. Eu requisitei outro carro para o senhor.

– Vamos – Rachel disse. Ela nos conduziu para o carro e entrou sem nem mesmo olhar o homem perturbado que o alugara. Um minuto mais tarde nós estávamos cruzando a estrada. Os assentos eram de couro. Tinham espaço de sobra para as pernas. O banco traseiro tinha televisões de tela plana acopladas ao encosto de cabeça e um frigobar, estocado com garrafas de água, refrigerantes, e petiscos. Nós começamos a escolher.

– Para onde, Srta. Dare? – o motorista perguntou.

– Não tenho certeza ainda, Robert – ela disse. – Nós só precisamos dirigir pela cidade e, hã, olhar ao redor.

– Qualquer coisa que você disser, senhorita.

Eu olhei para Rachel.

– Você conhece esse cara?

– Não.

– Mas ele largou tudo para ajudá-la. Por quê?

– Apenas mantenha seus olhos abertos – ela disse. – Me ajude a olhar.

O que não respondeu exatamente a minha pergunta.

Nós dirigimos através do Colorado Springs por uma meia hora e não vimos nada que Rachel considerasse uma possível entrada do labirinto. Eu estava muito ciente do ombro de Rachel pressionado contra o meu. Eu continuei me perguntando quem ela era exatamente, e como ela podia ir até um chofer ao acaso e imediatamente conseguir uma carona.

Após aproximadamente uma hora nós decidimos dirigir para o norte através de Denver, pensando que talvez uma cidade maior tivesse mais chance de ter uma entrada do labirinto, mas estávamos todos ficando nervosos. Estávamos perdendo tempo. Então, bem quando estávamos saindo do Colorado Springs, Rachel deu um pulo.

– Saia da estrada!

O motorista olhou de relance para trás.

– Senhorita?

– Eu vi algo, acho. Saia daqui.

O motorista desviou pelo trânsito e pegou a saída.

– O que você viu? – perguntei, porque estávamos bem fora da cidade agora. Não havia nada ao redor exceto colinas, pastagens, e algumas propriedades agrícolas dispersas.

Rachel fez o motorista virar para esta estrada de terra pouco promissora. Nós passamos por uma placa rápido demais para que eu conseguisse ler, mas Rachel disse:

– Museu Ocidental de Mineração & Indústria.

Para um museu, aquilo não parecia grande coisa – uma pequena casa como uma antiga estação rodoviária, algumas brocas e bombas e pás velhas em exposição lá fora.

– Lá. – Rachel apontou para um buraco ao lado de uma colina próxima - um túnel tapado e com correntes. – Uma antiga entrada de mina.

– Uma entrada para o labirinto? – Annabeth perguntou. – Como você pode ter certeza?

– Bem, olhe para isso! – Rachel disse. – Quero dizer... eu posso ver que é, ok?

Ela agradeceu ao motorista e nós todos saímos. Ele não pediu por dinheiro nem nada.

– Você tem certeza que ficará bem, Srta. Dare? Eu ficaria feliz em ligar para o seu–

– Não! – Rachel disse. – Não, sério. Obrigada, Robert. Mas nós estamos bem.

O museu parecia estar fechado, então ninguém nos incomodou enquanto nós escalávamos a colina até o eixo da mina. Quando nós chegamos à entrada, eu vi a marca de Dédalo gravada no cadeado, mas como Rachel pode ter visto algo tão minúsculo lá da estrada, eu não fazia ideia. Eu toquei o cadeado e as correntes caíram. Nós chutamos algumas tábuas e entramos. Para melhor ou pior, nós estávamos de volta ao labirinto.



Os túneis de terra viraram pedra. Eles fizeram curva e se bifurcaram, basicamente tentando nos confundir, mas Rachel não tinha problema em nos guiar. Nós falamos pra ela que precisávamos voltar para Nova York, e ela sequer parou quando os túneis ofereceram escolha.

Para minha surpresa, Annabeth e Rachel começaram uma conversa enquanto andávamos. Annabeth perguntou a ela mais sobre sua vida, mas Rachel foi evasiva, então elas começaram a conversar sobre arquitetura. Acontece que Rachel sabia alguma coisa sobre isso por estudar artes. Elas falaram sobre diferentes tipos de fachadas em edifícios de Nova York – “Você viu esse,” blá blá blá, assim eu fui para trás e andei ao lado de Nico em um silêncio desconfortável.

– Obrigado por vir atrás de nós – eu falei para ele enfim.

Os olhos de Nico se estreitaram. Ele não pareceu irritado como ele costumava – apenas desconfiado, cuidadoso.

– Eu devia a você pelo rancho, Percy. Além do que... eu queria ver Dédalo por mim mesmo. Minos estava certo por um lado. Dédalo devia morrer. Ninguém deveria ser capaz de evitar a morte por tanto tempo. Não é natural.

– Era disso que você estava atrás o tempo todo – eu disse. – Negociar a alma de Dédalo pela da sua irmã.

Nico andou mais uns cinquenta metros antes de responder. 

– Não tem sido fácil, sabe. Tendo apenas os mortos como companhia. Saber que eu nunca serei aceito pelos vivos. Apenas os mortos me respeitam, e eles só fazem isso por medo.

– Você poderia ser aceito – eu disse. – Você poderia ter amigos no acampamento.

Ele me fitou.

– Você realmente acredita nisso, Percy?

Eu não respondi. A verdade era, eu não sabia. Nico sempre foi um pouco diferente, mas desde a morte de Bianca, ele se tornou quase... assustador. Ele tinha os olhos de seu pai – aquele intenso, maníaco fogo que fazia você suspeitar que ele ou era um gênio ou um louco. E o jeito como ele banira Minos, e chamara a si mesmo de rei dos fantasmas – foi meio que impressionante, mas me deixou desconfortável também.

Antes que eu pudesse imaginar o que falar pra ele, eu trombei com Rachel, que tinha parado na minha frente. Nós tínhamos chegado a uma encruzilhada. O túnel continuava a frente, mas tinha um túnel lateral virando para a direita – um eixo circular esculpido em rocha vulcânica.

– O que é isso? – perguntei

Rachel olhou fixamente para o túnel escuro abaixo. No opaco feixe da lanterna, seu rosto parecia com o de um dos espectros de Nico.

– É esse o caminho? – Annabeth perguntou.

– Não – Rachel disse nervosamente. – Nem um pouco.

– Por que nós paramos então? – perguntei.

– Escutem – Nico disse.

Eu ouvi o vento vindo pelo túnel, como se a saída estivesse próxima. E eu senti um cheiro de algo vagamente familiar – algo que me trouxe más lembranças.

– Eucaliptos – falei. – Como na Califórnia.

No último inverno, quando enfrentamos Luke e o titã Atlas no topo do Monte Talmapais, o ar tinha esse cheiro.

– Tem algo mau nesse túnel – Rachel disse. – Algo muito poderoso.

– E o cheiro da morte – Nico adicionou, o que me fez sentir bem melhor.

Annabeth e eu trocamos olhares

– A entrada de Luke – ela adivinhou. – Para o monte Ótris - o palácio dos titãs.

– Eu tenho que conferir – eu disse.

– Percy, não.

– Luke pode estar bem ali – falei. – Ou... ou Cronos. Eu tenho que descobrir o que está acontecendo.

Annabeth hesitou.

– Então nós todos iremos.

– Não – eu disse. – É muito perigoso. Se eles descobrirem sobre Nico, ou Rachel, seria um problema. Cronos poderia usá-los. Você fica aqui e cuida deles.

O que eu não disse: eu também estava preocupado sobre Annabeth. Eu não confiava no que ela faria se visse Luke de novo. Ele a enganara e manipulara vezes demais antes.

– Percy, não – Rachel disse. – Não vá lá sozinho.

– Serei rápido – prometi. – Não farei nada estúpido.

Annabeth tirou seu boné dos Yankees do seu bolso.

– Pelo menos leve isto. E tenha cuidado.

– Obrigado. – Eu me lembrei da última vez que Annabeth e eu nos separamos, quando ela me dera um beijo de boa sorte no Monte Sta. Helena. Desta vez, tudo o que eu ganhei foi o boné.

Eu o coloquei.

– Aqui vai o nada.

E eu me esgueirei pelo escuro túnel de pedra.



Antes mesmo de chegar à saída escutei vozes: o rosnado, o som de latidos dos demônios aquáticos, os telquines.

– Pelo menos nós recuperamos a lâmina – um disse. – O mestre ainda irá nos recompensar.

– Sim! Sim! – o segundo guinchou. – Recompensas sem limites!

Outra voz, esta mais humana:

– Hum, sim, bem, isso é ótimo. Agora se vocês já terminaram comigo–

– Não, meio-sangue! – o telquine disse. – Você deve nos ajudar a fazer a apresentação. É uma grande honra!

– Nossa, obrigado – o meio-sangue disse, e eu percebi que era Ethan Nakamura, o garoto que fugira depois de eu ter salvado sua vida infeliz na arena.

Eu penetrei na direção do fim do túnel. Eu tinha que lembrar a mim mesmo que estava invisível. Eles não deviam ser capazes de me ver.

Uma corrente de ar frio me atingiu quando emergi. Eu estava parado próximo ao topo do monte Tam. O oceano pacífico se espalhava abaixo, cinza sob um céu nebuloso. Aproximadamente seis metros colina abaixo, dois telquines estavam colocando algo sobre uma grande rocha – algo longo e fino embrulhado em um pano preto. Ethan os ajudava a abrir.

– Cuidado, tolo – o telquine censurou. – Um toque, e a lâmina vai separar sua alma do seu corpo.

Ethan engoliu em seco nervosamente.

– Talvez eu deixe você desembrulhar isso então.

Eu olhei de relance para o pico de montanha, onde uma fortaleza de mármore preto assomava, justamente como eu vira em meus sonhos. Ela me lembrava um mausoléu desproporcional, com paredes com mais de quinze metros de altura. Eu não tinha ideia de como os mortais não percebiam que ela estava aqui. Mas então, tudo abaixo do cume parecia distorcido pra mim, como se houvesse um véu grosso entre mim e a metade de baixo da montanha. Havia mágica acontecendo aqui Névoa realmente poderosa.

Acima de mim, o céu rodopiava em uma nuvem enorme em forma de funil. Eu não podia ver Atlas, mas eu podia ouvi-lo gemer na distância, ainda lutando sob o peso do céu, pouco além da fortaleza.

– Lá! – o telquine disse.

Reverentemente, ele ergueu a arma, e meu sangue virou gelo. Era uma foice – uma lâmina de dois metros de comprimento curva como uma lua crescente, com um punho de madeira envolvido em couro. A lâmina tremeluzia em duas cores diferentes – aço e bronze. Era a arma de Cronos, a que ele usara para fatiar seu pai, Urano, antes dos deuses a tirarem dele e cortarem Cronos em pedaços, atirando-o no Tártaro. Agora a arma foi forjada novamente.

– Nós devemos consagrá-la em sangue – o telquine disse. – Então você, meio-sangue, ajudará a apresentá-la quando o lorde acordar.

Eu corri para a fortaleza, minha pulsação martelando nas minhas orelhas. Eu não queria chegar em qualquer lugar perto daquele mausoléu preto horrível, mas eu sabia o que eu tinha que fazer. Eu tinha que impedir Cronos de se erguer. Essa poderia ser minha única chance. Eu me precipitei através de um pátio escuro e para dentro do salão principal. O assoalho brilhava como um mogno suave – preto puro e mesmo assim cheio de luz.

Estátuas de mármore pretas se alinhavam na parede. Eu não reconheci os rostos, mas eu sabia que estava olhando para as imagens dos titãs que comandaram antes dos deuses. No final da sala, entre dois braseiros de bronze, havia um estrado. E sobre o estrado, o sarcófago dourado.

O cômodo estava silencioso exceto pelo crepitar do fogo. Luke não estava aqui. Nenhum guarda. Nada.

Estava muito fácil, mas eu me aproximei do estrado.

O sarcófago era justamente como eu me lembrava – com mais ou menos três metros de comprimento, muito grande para um humano.

Fora esculpido com cenas elaboradas de morte e destruição, retratos dos deuses sendo atropelados por bigas, templos e os famosos pontos de referência do mundo sendo esmagados e queimados. O caixão inteiro emanava uma áurea extremamente fria, como se eu estivesse andando dentro de um freezer. Minha respiração começou a fumegar.

Eu saquei Contracorrente e senti conforto com o peso familiar da espada em minha

mão. Todas as vezes em que eu me aproximara de Cronos antes, sua voz maligna havia falado em minha mente. Por que ele estava silencioso agora? Ele tinha sido retalhado em mil pedaços, cortado com sua própria foice. O que eu encontraria se abrisse essa tampa? Como eles podiam fazer um corpo novo para ele?

Eu não tinha respostas. Eu apenas sabia que, se ele estava a ponto de se erguer, eu tinha que atacá-lo antes que ele pegasse sua foice. Eu tinha que pensar numa maneira de impedi-lo. Eu parei ao lado do caixão. A tampa era decorada mais intricadamente do que as laterais – com cenas de carnificina e poder. No meio estava uma inscrição entalhada em letras mais antigas que o grego, uma língua de magia. Eu não pude ler, exatamente, mas eu sabia o que estava escrito: CRONOS, SENHOR DO TEMPO.

Minha mão tocou a tampa. As pontas dos meus dedos ficaram azuis. Gelo envolveu a minha espada.

Então eu ouvi barulhos atrás de mim – vozes se aproximando. Era agora ou nunca. Eu empurrei a tampa dourada e ela caiu no chão com um enorme WHOOOOM!

Ergui minha espada, pronto para golpear. Mas quando eu olhei para dentro, não compreendi o que eu estava vendo. Pernas mortais, vestidas em calças cinza. Uma camiseta branca, mãos dobradas sobre seu estômago. Faltava um pedaço do seu peito – um limpo buraco negro do tamanho de uma ferida de bala, bem onde seu coração devia estar. Seus olhos estavam fechados. Sua pele estava pálida. Cabelo louro… e uma cicatriz que atravessava o lado esquerdo de seu rosto.

O corpo no caixão era Luke.



Eu devia tê-lo apunhalado bem ali. Eu devia ter baixado a ponta de Contracorrente com toda minha força.

Mas eu estava muito chocado. Eu não entendia. Por mais que eu odiasse Luke, por mais que ele tivesse me traído, eu apenas não entendia porque ele estava no sarcófago, e porque ele parecia muito, muito morto.

Então as vozes dos telquines estavam bem atrás de mim.

– O que aconteceu? – um dos demônios gritou quando viu a tampa. Eu tropecei para longe do estrado, esquecendo que estava invisível, e me escondi atrás de uma coluna quando eles se aproximaram.

– Cuidado! – o outro demônio advertiu. – Talvez ele se mexa. Nós devemos apresentar os presentes agora. Imediatamente!

Os dois telquines se arrastaram para frente e se ajoelharam, levantando a foice em seu embrulho.

– Meu senhor – um disse. – Seu símbolo de poder foi refeito.

Silêncio. Nada aconteceu no caixão.

– Seu idiota – o outro telquine murmurou. – Ele exige o meio-sangue primeiro.

Ethan deu um passo pra trás.

– Opa, o que vocês querem dizer, ele me exige?

– Não seja um covarde! – o primeiro telquine silvou. – Ele não exige a sua morte. Apenas sua submissão. Prometa a ele o seu serviço. Renuncie aos deuses. Isso é tudo.

– Não! – gritei. Isso era uma coisa estúpida de se fazer, mas eu entrei pelo cômodo e tirei o boné. – Ethan, não!

– Invasor! – Os telquines revelaram seus dentes de foca. – O mestre irá lidar com você logo. Depressa, menino!

– Ethan – eu pedi, – não os escute. Me ajude a destruí-lo.

Ethan se virou para mim, seu tapa-olho se misturando com as sombras em seu rosto. Sua expressão era algo como piedade.

– Eu disse para não me poupar, Percy. ‘Olho por olho’, você já ouviu esse ditado? Eu aprendi o que isso quer dizer do jeito difícil - quando eu descobri meu parente divino. Eu sou filho de Nêmesis, deusa da vingança. E foi para isso que eu fui feito.

Ele se virou para o estrado.

– Eu renuncio aos deuses! O que eles já fizeram por mim? Eu os verei serem destruídos. Eu servirei Cronos.

O prédio ribombou. Uma faixa de luz azul surgiu do assoalho aos pés de Ethan Nakamura. Ela vagou para o caixão e começou a tremeluzir, como uma nuvem de energia pura. Então ele desceu até o sarcófago.

Luke se sentou ereto. Seus olhos se abriram, e eles não eram mais azuis. Eram dourados, da mesma cor que o caixão. O furo em seu peito não estava mais lá. Ele estava completo. Ele pulou para fora do caixão facilmente, e onde seus pés tocaram o chão, o mármore congelou como crateras de gelo. Ele olhou Ethan e os telquines com aqueles horríveis olhos dourados, como se ele fosse um bebê recém-nascido, incerto sobre o que via. Então olhou para mim, e um sorriso de reconhecimento se alastrou pela sua boca.

– Esse corpo foi bem preparado. – Sua voz era como uma navalha passando sobre minha pele. Era Luke, mas não Luke. Debaixo de sua voz estava um outro som mais horrível – um antigo, frio som como metal raspando contra rocha.

– Você não pensa assim, Percy Jackson?

Eu não podia me mover. Eu não podia responder.

Cronos jogou sua cabeça para trás e gargalhou. A cicatriz em seu rosto ondulou.

– Luke o temia – a voz do titã disse. – Seu orgulho e ódio foram ferramentas poderosas. Mantiveram-no obediente. Por isso eu te agradeço.

Ethan desmoronou aterrorizado. Ele cobriu seu rosto com as mãos. Os telquines tremeram, levantando a foice.

Finalmente eu encontrei coragem. Eu investi contra a coisa que costumava ser Luke, mirando minha lâmina direto em seu peito, mas sua pele desviou o golpe como se fosse feita de aço puro. Ele me olhou com divertimento. Então ele agitou sua mão, e eu voei através do cômodo, batendo de encontro a uma coluna. Eu me esforcei para ficar em pé, piscando as estrelas para fora dos meus olhos, mas Cronos já tinha agarrado o punho da sua foice.

– Ah… muito melhor – ele disse. – Mordecostas, foi como Luke a chamou. Um nome apropriado. Agora que ela foi forjada novamente, ela de fato irá morder de novo.

– O que você fez com Luke? – Eu gemi.

Cronos ergueu sua foice.

– Ele me serve com todo o seu ser, como eu exigi. A diferença é, ele temia você, Percy Jackson. Eu não.

Então foi quando eu corri. Não houve nenhum pensamento sobre isso. Nenhum debate em minha mente sobre – nossa, será que eu devo ficar e lutar de novo? Não, eu simplesmente corri.

Mas meus pés pareciam chumbo. O tempo desacelerou em torno de mim, como se o mundo estivesse virando gelatina. Eu tinha sentido isso uma vez antes, e eu sabia que era o poder de Cronos. Sua presença era tão forte que podia dobrar o próprio tempo.

– Corra, pequeno herói – ele gargalhou. – Corra!

Eu olhei de relance para trás e o vi se aproximar bem devagar, balançando sua foice como se estivesse adorando senti-la em suas mãos novamente. Nenhuma arma no mundo poderia pará-lo. Nenhuma quantidade de bronze celestial.

Ele estava a três metros de distância quando ouvi.

– PERCY!

A voz de Rachel.

Algo voou por mim, e uma escova de plástico azul atingiu Cronos no olho.

– Ow! – ele gritou. Por um momento foi somente a voz de Luke, cheia de surpresa e dor.

Meus membros ficaram livres e eu corri direto para Rachel, Nico, e Annabeth, que estavam parados no salão de entrada, seus olhos cheios de receio.

– Luke? – Annabeth chamou. – O que–

Eu a agarrei pela camisa e a arrastei atrás de mim. Eu corri como eu nunca havia corrido antes, direto para fora da fortaleza. Nós estávamos quase de volta à entrada do labirinto quando ouvi o berro da mais alta voz do mundo – a voz de Cronos, voltando ao controle.

– ATRÁS DELES!

– Não! – Nico gritou. Ele juntou suas mãos com força, e um pedaço denteado de rocha do tamanho de um caminhão de oito rodas irrompeu do chão bem na frente da fortaleza. O tremor que isso causou foi tão poderoso que as colunas dianteiras do edifício vieram abaixo. Eu ouvi gritos abafados dos telquines lá dentro. Poeira ondeava por toda parte. Nós mergulhamos no labirinto e continuamos correndo, o uivo do senhor titã sacudindo o mundo inteiro atrás de nós.

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