sábado, 31 de agosto de 2013

O ultimo olimpiano - capitulo 12




                               Rachel fecha um péssimo acordo

Eu agarrei Will Solace do chalé de Apolo e falei para o resto dos irmãos dele continuar procurando Michael Yew. Nós pegamos emprestada uma Yamaha FZI de um motoqueiro adormecido e dirigimos para o Hotel Plaza em uma velocidade que teria causado um ataque cardíaco na minha mãe. Eu nunca tinha dirigido uma moto antes, mas não era muito mais difícil do que montar um pégaso.

Ao longo do caminho, notei vários pedestais vazios que normalmente guardavam estátuas. O plano vinte e três parecia estar dando certo. Eu não sabia se isso era bom ou ruim.

Demorou apenas cinco minutos para que chegássemos ao Plaza – um hotel à moda antiga feito de pedras brancas com um teto empenado azul, situado no canto sudeste do Central Park.

Taticamente falando, o Plaza não era o melhor lugar para um quartel general. Não era o prédio mais alto da cidade, ou o mais centralizado. Mas tinha um estilo antiquado e atraíra muitos semideuses famosos ao longo dos anos, como os Beatles e Alfred Hitchcock, então pensei que estávamos em boa companhia.

Eu disparei com a Yamaha por cima do meio-fio e junto à fonte do lado de fora do hotel.

Will e eu saltamos. A estátua no topo da fonte chamou:

– Oh, ótimo. Suponho que também queiram que eu vigie sua moto!

Tratava-se de uma estátua de bronze em tamanho natural, de pé no meio de uma tigela de granito. Vestia apenas um lençol de bronze em volta de suas pernas, e segurava uma cesta com frutas de metal. Eu nunca prestara muita atenção a ela. Mas ela também nunca tinha falado comigo antes.

– Você deveria ser Deméter? – eu perguntei.

Uma maçã de bronze voou por cima da minha cabeça.

– Todo mundo pensa que eu sou Deméter! – ela reclamou. – Eu sou Pomona, a deusa romana da abundância, mas porque você iria se importar? Ninguém se importa com os deuses menores. Se vocês se importassem com os deuses menores, não estariam perdendo essa guerra! Três vivas para Morfeu e Hécate, eu digo!

– Vigie a moto – falei para ela.

Pomona esbravejou em latim e arremessou mais frutas enquanto Will e eu corríamos em direção ao hotel.



Eu nunca tinha estado de verdade dentro do Plaza. O saguão era impressionante, com candelabros de cristal e pessoas ricas desmaiadas, mas eu não prestei muita atenção. Algumas Caçadoras nos indicaram a direção para os elevadores, e nós fomos para as suítes da cobertura.

Semideuses tinham tomado completamente os últimos andares. Campistas e Caçadoras estavam jogados nos sofás, lavando-se nos banheiros, e servindo-se de lanches e refrigerantes dos frigobares. Um casal de lobos cinzentos estava bebendo água das privadas. Estava aliviado ao ver que muitos dos meus amigos tinham sobrevivido durante a noite, mas todo mundo parecia abatido.

– Percy! – Jake Mason bateu no meu ombro. – Nós estamos recebendo relatórios...

– Depois – eu disse. – Onde está Annabeth?

– No terraço. Ela está viva, cara, mas...

Eu o empurrei e passei por ele.

Em outras circunstâncias eu teria amado a vista do terraço. Dava para o Central Park. A manhã estava clara e brilhante – perfeita para um piquenique ou uma caminhada, ou praticamente qualquer coisa, exceto combater monstros.

Annabeth estava deitada em uma espreguiçadeira. Seu rosto estava pálido e ensopado de suor. Ainda que ela estivesse coberta com lençóis, ela tremia. Silena Beauregard estava enxugando sua testa com um pano frio.

Will e eu abrimos caminho em meio a uma multidão de filhos de Atena. Will desamarrou as ataduras de Annabeth para examinar a lesão, e eu quis desmaiar. O sangramento havia parado, mas o golpe parecia profundo. A pele em volta do corte estava num tom de verde horrível.

– Annabeth... – minha voz falhou.

Ela tinha levado aquela facada por mim. Como eu deixei isso acontecer?

– Veneno na lâmina – ela balbuciou. – Meio estúpido da minha parte, não?

Will Solace expirou de alívio.

– Não é tão ruim, Annabeth. Alguns minutos a mais e nós estaríamos com problemas, mas o veneno ainda não passou do ombro. Apenas fique parada. Alguém me passe um pouco de néctar.

Eu peguei um cantil. Will limpou a ferida com a bebida divina enquanto eu segurava a mão de Annabeth.

– Ai – ela gemeu – ai, ai!

Ela apertou meus dedos tão forte que eles ficaram roxos, mas ela ficou parada, como Will pediu. Silena murmurou palavras de incentivo. Will pôs um pouco de pasta prateada sobre a ferida e cantarolou palavras em grego antigo – um hino para Apolo. Então ele aplicou bandagens frescas e levantou-se trêmulo.

A cura deve ter tirado muito de sua energia. Ele parecia quase tão pálido quanto Annabeth.

– Isso deve bastar – ele disse. – Mas nós vamos precisar de alguns suprimentos mortais.

Ele pegou uma parte dos artigos de papelaria do hotel, rabiscou algumas anotações, e entregou para um dos filhos de Atena.

– Há uma Duane Reade na Quinta Avenida. Normalmente eu nunca roubaria...

– Eu roubaria – Travis se voluntariou.

Will olhou fixamente para ele.

– Deixem dinheiro ou dracmas para pagar, o que quer que vocês peguem, mas isso é uma emergência. Tenho a sensação que teremos muito mais pessoas para tratar.

Ninguém discordou. Não havia quase nenhum semideus que já não tivesse sido machucado... exceto eu.

– Vamos lá, pessoal – Travis Stoll disse. – Vamos dar algum espaço para Annabeth. Temos uma farmácia para saquear... quero dizer, visitar.

Os semideuses se misturaram de volta para dentro. Jake Mason agarrou meu ombro quando estava saindo.

– Vamos conversar mais tarde, mas está tudo sob controle. Estou usando o escudo de Annabeth para manter um olho nas coisas. O inimigo recuou ao nascer do sol, não tenho certeza por que. Nós temos um vigia em cada ponte e túnel.

– Obrigado, cara – eu disse.

Ele concordou com a cabeça.

– Descanse.

Ele fechou as portas do terraço atrás de si, deixando Silena, Annabeth e eu sozinhos. Silena pressionou um pano gelado na testa de Annabeth.

– Isso é tudo minha culpa.

– Não – Annabeth disse fracamente. – Silena, como pode ser culpa sua?

– Eu nunca servi para nada no acampamento – ela murmurou. – Não como você ou Percy. Se eu fosse uma lutadora melhor...

A boca dela tremeu. Desde que Beckendorf morreu ela vinha piorando, e toda vez que eu a via, isso me deixava todo zangado de novo. A expressão dela me relembrava o vidro – como se ela fosse quebrar a qualquer minuto. Jurei a mim mesmo que se eu encontrasse o espião que custou a vida do namorado dela, eu o daria a Sra. O’Leary como brinquedo de mastigar.

– Você é uma campista grandiosa – falei para Silena. – Você é a melhor amazona de pégasos que nós temos. E você se dá bem com as pessoas. Acredite em mim, qualquer pessoa que consegue ser amiga da Clarisse tem talento.

Ela me encarou com se eu tivesse lhe dado uma ideia.

– É isso! Nós precisamos do chalé de Ares. Eu posso falar com Clarisse. Eu sei que posso convencê-la a nos ajudar. Deixe-me tentar.

– Ah Silena. Mesmo que você conseguisse sair da ilha, Clarisse é muito teimosa. Quando está zangada...

– Por favor – disse Silena. – Posso pegar um pégaso. Eu sei que consigo voltar ao acampamento. Deixe-me tentar.

Eu troquei olhares com Annabeth. Ela concordou levemente. Eu não gostava da ideia. Eu não achava que Silena tinha alguma chance de convencer Clarisse a lutar. Por outro lado, Silena estava tão distraída nesse momento que apenas machucaria a si mesma na batalha. Talvez mandá-la de volta para o acampamento daria a ela algo para se concentrar.

– Tudo bem – falei para ela. – Não consigo pensar em ninguém melhor para tentar.

Silena jogou seus braços em volta de mim. Então ela recuou, desajeitada, fitando Annabeth.

– Hum, desculpe. Obrigada, Percy! Não vou decepcionar você!

Assim que ela saiu, me ajoelhei perto de Annabeth e senti sua testa. Ela ainda estava queimando.

– Você fica uma gracinha quando está preocupado – ela murmurou. – Suas sobrancelhas ficam dobradas juntinhas.

– Você não vai morrer enquanto eu lhe devo um favor – eu disse. – Porque você tomou aquela facada?

– Você teria feito o mesmo por mim.

Era verdade. Acho que nós dois sabíamos disso. Ainda assim, eu sentia como se alguém estivesse espetando meu coração com uma fria vara de metal.

– Como você sabia?

– Sabia o quê?

Olhei em volta para ter certeza que estávamos sozinhos. Então eu me curvei perto dela e sussurrei:

– Meu calcanhar de Aquiles. Se você não tivesse levado aquela facada, eu teria morrido.

Ela ficou com um olhar distante. Sua respiração tinha cheiro de uvas, talvez por causa do néctar.

– Eu não sei, Percy. Eu apenas tive essa sensação de que você estava em perigo. Onde... onde é o ponto?

Eu não deveria contar a ninguém. Mas era Annabeth. Se eu não pudesse confiar nela, não podia confiar em ninguém.

– Na base da minha coluna.

Ela levantou a mão.

– Onde? Aqui?

Ela pôs a mão na minha coluna, e minha pele formigou. Eu movi os dedos dela até o único ponto que me ligava à minha vida mortal. Mil volts de eletricidade pareceram percorrer meu corpo.

– Você me salvou – eu disse. – Obrigado.

Ela removeu sua mão, mas eu continuei segurando-a.

– Então você me deve – ela disse fracamente. – Conte-me uma novidade.

Nós observamos o sol se elevar sobre a cidade. O trânsito deveria estar pesado à essa hora, mas não havia carros buzinando, nem multidões se alvoroçando pelas calçadas. Bem longe, eu podia ouvir o eco de um alarme de carro pelas ruas. Uma pluma de fumaça negra ondulou no céu em algum lugar sobre o Harlem. Eu imaginei quantos fogões tinham sido deixados acesos quando o encanto de Morfeu sobreveio; quantas pessoas tinham pegado no sono no meio da preparação do jantar. Logo, logo haveria mais incêndios. Todos em Nova York estavam em perigo – e todas aquelas vidas dependiam de nós.

– Você me perguntou por que Hermes estava com raiva de mim – Annabeth disse.

– Ei, você precisa descansar...

– Não, eu quero contar para você. Isso está me incomodando há um bom tempo. – Ela mexeu seu ombro e estremeceu. – Ano passado, Luke veio me ver em San Francisco.

– Em pessoa? – senti como se ela tivesse acabado de me acertar com uma marreta. – Ele foi até sua casa?

– Isso foi antes de nós entrarmos no Labirinto, antes...

Ela vacilou, mas eu sabia o que ela queria dizer: antes que ele se transformasse em Cronos.

– Ele veio sob uma bandeira de trégua. Ele falou que queria apenas cinco minutos para conversar. Ele parecia assustado, Percy. Ele me falou que Cronos ia usá-lo para conquistar o mundo. Ele disse que queria fugir, como nos velhos tempos. Ele queria que eu fosse com ele.

– Mas você não acreditou nele.

– É claro que não. Pensei que fosse um truque. Ainda mais... bem, muitas coisas tinham mudado desde os velhos tempos. Falei para Luke que não tinha jeito. Ele ficou irado. Ele disse... ele disse que eu deveria lutar com ele ali mesmo, porque era a última chance que eu teria.

A testa dela começou a suar de novo. A história estava tomando muito de sua energia.

– Está tudo bem – eu disse. – Tente descansar um pouco.

– Você não entende, Percy. Hermes estava certo. Talvez, se eu tivesse ido com ele, poderia tê-lo feito mudar de ideia. Ou... eu tinha uma faca. Luke estava desarmado. Eu podia ter...

– Matado ele? – eu disse. – Você sabe que isso não teria sido correto.

Ela fechou os olhos bem apertados. – Luke disse que Cronos iria usá-lo como um meio para vencer. Foram exatamente essas as palavras dele. Cronos iria usar Luke, e se tornar ainda mais poderoso.

– Ele fez isso – eu disse. – Ele possuiu o corpo de Luke.

– Mas e se o corpo de Luke for apenas uma transição? E se Cronos tem um plano para ficar ainda mais poderoso? Eu poderia ter parado ele. A guerra é minha culpa.

A história dela me fez sentir como se eu estivesse de volta ao Estige, dissolvendo lentamente. Lembrei do último verão, quando o deus de duas cabeças, Jano, tinha avisado Annabeth que ela teria que fazer uma escolha importante – e isso foi depois que ela viu Luke. Pã também havia dito algo a ela: Você terá um papel muito importante, ainda que talvez não seja o papel que você imaginou.

Eu queria perguntar a ela sobre a visão que Héstia tinha me mostrado, sobre os primórdios dela com Thalia e Luke. Eu sabia que tinha algo a ver com a minha profecia, mas não entendia o quê.

Antes que eu pudesse tomar coragem, a porta do terraço se abriu. Connor Stoll passou para dentro.

– Percy. – Ele olhou rapidamente para Annabeth como se não quisesse falar nada ruim na frente dela, mas eu podia dizer que ele não estava trazendo notícias boas. – Sra. O’Leary acabou de chegar com Grover. Acho que você deve falar com ele.



Grover estava fazendo um lanche na sala de estar. Ele estava vestido para batalha com uma camisa blindada feita de casca de árvore e nós retorcidos, com sua clava de madeira e sua flauta de bambu pendurados em seu cinto.

O chalé de Deméter tinha rapidamente armado um bufê completo nas cozinhas do hotel – tudo desde pizza até sorvete de abacaxi. Infelizmente, Grover estava comendo a mobília. Ele já tinha mastigado o estofamento de uma cadeira extravagante e agora estava roendo o descanso de braço.

– Cara – eu disse – nós estamos apenas pegando emprestado este lugar.

– Bé-é-é! – Ele tinha a cara coberta de espuma. – Desculpe, Percy. É que... é a mobília de Luís XVI. Deliciosa. Além disso, eu sempre como mobília quando estou...

– Quando você está nervoso – eu disse. – É, eu sei. Então, o que está acontecendo?

Ele fez bateu seus cascos no chão.

– Escutei sobre Annabeth. Ela vai...?

– Ela vai ficar bem. Está descansando.

Grover respirou fundo.

– Isso é bom. Eu mobilizei a maioria dos espíritos da natureza na cidade – bem, aqueles que me ouvem, de qualquer modo. – Ele esfregou a testa. – Eu não tinha a mínima ideia que pinhões podiam doer tanto. De todo jeito, nós vamos ajudar o máximo que conseguirmos.

Ele me falou sobre os combates que tinha visto. A maioria deles estava cobrindo a parte superior da cidade, onde nós não tínhamos semideuses suficientes. Cães infernais haviam aparecido em todos os tipos de lugares, fazendo viagens na sombra para dentro das nossas linhas, e as dríades e sátiros estiveram lutando contra eles.

Um jovem dragão aparecera no Harlem, e uma dúzia de ninfas da floresta morreu antes do monstro ser finalmente derrotado.

Enquanto Grover falava, Thalia entrou na sala com duas de suas tenentes. Ela assentiu para mim de modo severo, saiu para conferir Annabeth, e voltou para dentro. Ela escutou enquanto Grover completou seu relatório – os detalhes ficando cada vez piores.

– Nós perdemos vinte sátiros contra alguns gigantes no Forte Washington – ele disse, sua voz tremendo. – Quase metade dos meus parentes. Espíritos dos rios afogaram os gigantes no final, mas...

Thalia pôs o arco em seu ombro.

– Percy, as forças de Cronos ainda estão se reunindo em cada ponte e túnel. E Cronos não é o único Titã. Uma de minhas Caçadoras avistou um homem enorme numa armadura dourada agrupando um exército na costa de Nova Jersey. Eu não tenho certeza de quem ele é, mas ele irradia poder que nem um Titã ou um deus.

Eu me lembrei do Titã dourado dos meus sonhos – aquele no Monte Otris que tinha irrompido em chamas.

– Ótimo – falei. – Alguma notícia boa?

Thalia deu de ombros.

– Nós lacramos os túneis de metrô para dentro de Manhattan. Minhas melhores preparadoras de armadilhas tomaram conta disso. Além disso, parece que o inimigo está esperando anoitecer para atacar. Acho que Luke – ela se segurou – quero dizer, Cronos precisa de tempo para se regenerar após cada batalha. Ele ainda não está confortável com sua forma atual. Está tomando muito de seu poder deixar o tempo mais devagar em volta da cidade.

Grover assentiu.

– A maioria das forças dele são mais poderosas à noite, também. Mas eles estarão de volta após o pôr do sol.

Tentei pensar claramente.

– Ok. Alguma palavra dos deuses?

Thalia balançou a cabeça.

– Eu sei que Lady Ártemis estaria aqui se pudesse. Atena também. Mas Zeus ordenou que elas ficassem ao seu lado. A última vez que escutei, Tifão estava destruindo o vale do Rio Ohio. Ele deve alcançar os Apalaches por volta de meio-dia.

– Então na melhor das hipóteses – eu disse – nós temos mais dois dias antes que ele chegue.

Jake Mason pigarreou. Ele permaneceu lá tão silenciosamente que quase esqueci que ele estava na sala.

– Percy, mais uma coisa – ele disse. – O jeito que Cronos apareceu na Ponte Williamsburg, como se soubesse que você estava indo para lá. E ele transferiu suas forças para os nossos pontos mais fracos. Logo que partimos, ele mudou a tática. Ele quase nem tocou o Túnel Lincoln, onde as Caçadoras estavam fortes. Ele buscou o nosso lugar mais fraco, como se soubesse.

– Como se ele tivesse informação de dentro – eu disse. – O espião.

– Que espião? – exigiu Thalia.

Eu falei para ela do amuleto dourado que Cronos tinha me mostrado, o dispositivo de comunicação.

– Isso é ruim – ela disse. – Muito ruim.

– Poderia ser qualquer um – Jake disse. – Todos nós estávamos lá quando Percy deu as ordens.

– Mas o que nós podemos fazer? – perguntou Grover. – Revistar todos os semideuses até encontrar um amuleto em forma de foice?

Todos eles olharam para mim, esperando uma decisão. Eu não podia demonstrar o quanto me sentia em pânico, ainda que as coisas parecessem sem esperança.

– Vamos continuar lutando – eu disse. – Não podemos ficar obcecados com esse espião. Se nós suspeitarmos uns dos outros, vamos apenas nos separar mais. Vocês todos foram incríveis noite passada. Eu não poderia pedir um exército mais corajoso. Vamos nos revezar nas vigias. Descansem enquanto podem. Nós temos uma longa noite à nossa frente.

Os semideuses balbuciaram em concordância. Eles seguiram seus caminhos separados para dormir ou comer ou consertar suas armas.

– Percy, você também – Thalia disse. – Nós vamos manter um olho nas coisas. Vá deitar. Nós precisamos de você em boa forma para hoje à noite.

Eu não argumentei muito. Achei o próximo quarto e desabei na cama com dossel. Pensei que estava muito ligado para dormir, mas meus olhos fecharam quase imediatamente.



No meu sonho, vi Nico di Angelo sozinho nos jardins de Hades. Ele tinha acabado de cavar um buraco num dos canteiros de Perséfone, o que eu achei que não faria a rainha muito feliz.

Ele despejou um cálice de vinho dentro do buraco e começou a entoar um cântico.

– Deixe os mortos sentirem o gosto de novo. Deixe-os ascender e pegar esta oferenda. Maria di Angelo, mostre-se.

Fumaça branca se acumulou. Uma figura humana se formou, mas não era a mãe de

Nico. Era uma garota de cabelos pretos, pele cor de azeitona, e roupas prateadas de uma Caçadora.

– Bianca – disse Nico. – Mas...

Não evoque nossa mãe, Nico, ela alertou. Ela é o único espírito que você está proibido de ver.

– Por que? – ele exigiu. – O que nosso pai está escondendo?

Dor, Bianca disse. Ódio. Uma maldição que se estende até a Grande Profecia.

– O que você quer dizer? – perguntou Nico. – Eu preciso saber!

O conhecimento irá apenas machucar você. Lembre-se do que eu disse: guardar rancor é um defeito mortal para as crianças de Hades.

– Eu sei disso – disse Nico. – Mas eu não sou o mesmo que costumava ser, Bianca. Pare de tentar me proteger!

Irmão, você não entende...

Nico passou a mão através da névoa, e a imagem de Bianca se dissipou.

– Maria di Angelo – ele disse novamente. – Fale comigo!

Uma imagem diferente se formou. Era uma cena ao invés de um único fantasma. Na névoa, eu vi Bianca e Nico criancinhas, brincando no saguão de um hotel elegante, perseguindo um ao outro em volta de colunas de mármore.

Uma mulher estava sentada em um sofá próximo. Ela usava um vestido negro, luvas e um chapéu preto com véu que nem uma estrela de cinema dos anos 40. Ela tinha o sorriso de Bianca e os olhos de Nico.

Em uma cadeira ao lado dela sentava um homem largo e oleoso em um terno risca de giz. Chocado, percebi que era Hades. Ele estava se inclinando em direção à mulher, usando as mãos enquanto falava, como se estivesse agitado.

– Por favor, minha querida – ele disse. – Você deve vir para o Mundo Inferior. Não me importo com o que Perséfone pensa! Posso mantê-la a salvo lá.

– Não meu amor. – Ela falava com um sotaque italiano. – Criar nossas crianças na terra dos mortos? Não vou fazer isso.

– Maria, me escute. A guerra na Europa virou os outros deuses contra mim. Uma profecia foi feita. Minhas crianças não estão mais seguras. Poseidon e Zeus me forçaram a um acordo. Nenhum de nós nunca mais deve ter filhos semideuses.

– Mas você já tem Nico e Bianca. Certamente...

– Não! A profecia avisa de uma criança que vai fazer dezesseis anos. Zeus decretou que os filhos que tenho atualmente devem ser levados ao Acampamento Meio-Sangue para treinamento apropriado, mas eu sei o que ele quer dizer. No máximo eles serão vigiados, aprisionados e virados contra o seu pai. Ainda mais provável, ele não vai correr o risco. Não vai permitir que minhas crianças semideusas façam dezesseis anos. Ele vai achar um jeito de destruí-las, e eu não vou arriscar isso!

– Certamente – disse Maria. – Nós vamos ficar juntos. Zeus é un imbecile.

Eu não pude deixar de admirar a coragem dela, mas Hades olhou nervosamente para o teto.

– Maria, por favor. Eu falei para você, Zeus me deu o prazo máximo de semana passada para entregar as crianças. A ira dele vai ser horrível, e eu não posso escondê-la para sempre. Enquanto você estiver com as crianças, também vai estar em perigo.

Maria sorriu, e de novo era esquisito o tanto que ela parecia com sua filha.

– Você é um deus, meu amor. Você vai nos proteger. Mas eu não levarei Nico e Bianca para o Mundo Inferior.

Hades torceu as mãos.

– Então, há uma outra opção. Conheço um lugar no deserto onde o tempo não passa. Eu poderia mandar as crianças para lá, apenas por um tempo, para a segurança delas, e nós poderíamos ficar juntos. Eu vou construir um palácio dourado para você às margens do Estige.

Maria di Angelo sorriu gentilmente.

– Você é um homem bondoso, meu amor. Um homem generoso. Os outros deuses deveriam vê-lo assim como eu, e ele não o temeriam tanto. Mas Nico e Bianca precisam da mãe deles. Além disso, são apenas crianças. Os deuses não os machucariam de verdade.

– Você não conhece minha família – Hades disse sombriamente. – Por favor, Maria, eu não posso te perder.

Ela tocou os lábios dele com os dedos.

– Você não vai me perder. Espere por mim enquanto eu pego minha bolsa. Vigie as crianças.

Ela beijou o lorde dos mortos e se levantou do sofá. Hades observou ela subir as escadas como se cada passo dela para longe o causasse dor. Um momento depois, ele ficou tenso. As crianças pararam de brincar como se tivessem sentido algo também.

– Não! – exclamou Hades.

Mas mesmo os seus poderes divinos foram muito lentos. Ele apenas teve tempo de erguer um muro de energia negra em volta das crianças antes do hotel explodir.

A força foi tão violenta, que a imagem de névoa inteira dissolveu. Quando focou de novo, vi Hades ajoelhado nas ruína, segurando a forma quebrada de Maria di Angelo. Fogueiras ainda ardiam em volta dele. Relâmpagos brilhavam pelo céu, e trovões soavam.

Os pequenos Nico e Bianca olhavam fixamente para sua mãe, sem compreender. A Fúria Alectó apareceu entre eles, sibilando e batendo suas asas encouraçadas. As crianças não pareciam notá-la.

– Zeus! – Hades balançou seu punho para o céu. – Vou destruí-lo por isso! Vou trazê-la de volta!

– Meu lorde, você não pode – Alectó avisou. – Você dentre todos os imortais deve respeitar as leis da morte.

Hades ardeu de raiva. Pensei que ele ia mostrar sua forma verdadeira e vaporizar seus próprios filhos, mas no último momento ele pareceu retomar o controle.

– Leve-os – ele disse para Alectó, segurando um soluço. – Limpe as memórias deles no rio Lete e leve-os para o Hotel Lótus. Zeus não irá feri-los naquele lugar.

– Como queira, meu lorde – Alectó disse. – E o corpo da mulher?

– Leve ela também – ele disse amargamente. – Dê a ela os rituais antigos.

Alectó, as crianças e o corpo de Maria se dissolveram em sombras, deixando Hades sozinho nas ruínas.

– Eu o avisei – disse uma nova voz.

Hades se virou. Uma garota num vestido multicolorido estava em pé próximo aos restos fumegantes do sofá. Ela tinha um curto cabelo preto e olhos tristes. Ela não tinha mais que doze anos. Eu não a conhecia, mas ela parecia estranhamente familiar.

– Você ousa vir aqui? – rosnou Hades. – Eu deveria reduzir você a pó!

– Você não pode – disse a garota. – O poder de Delfos me protege.

Com um calafrio, percebi que estava olhando para o Oráculo de Delfos, no tempo em que ela estava viva e jovem. De algum jeito, vendo ela assim era ainda mais assustador do que vê-la como uma múmia.

– Você matou a mulher que eu amava! – esbravejou Hades. – Sua profecia nos levou a isso!

Ele foi para cima da garota, mas ela não recuou.

– Zeus ordenou a explosão para matar as crianças – ela disse – porque você desafiou a vontade dele. Eu não tenho nada a ver com isso. E eu avisei você para escondê-los mais cedo.

– Eu não podia! Maria não deixaria! Além disso, eles eram inocentes.

– Todavia, eles são seus filhos, o que os faz perigosos. Mesmo que você os guarde no Hotel Lótus, você apenas adia o problema. Nico e Bianca nunca vão poder retornar ao mundo para que não completem dezesseis anos.

– Por causa da sua tão famosa Grande Profecia. E você me forçou a fazer um juramento para não ter outros filhos. Você me deixou sem nada!

– Eu prevejo o futuro – a garota disse. – Eu não posso mudá-lo.

Fogo negro acendeu os olhos do deus, e eu sabia que estava vindo algo ruim. Eu quis gritar para a garota se esconder ou correr.

– Então, Oráculo, escute as palavras de Hades – ele rugiu. – Talvez você não possa trazer Maria de volta. Tampouco eu posso trazer uma morte precoce a você. Mas sua alma continua mortal, e eu posso amaldiçoá-la.

Os olhos da garota se arregalaram.

– Você não...

– Eu juro – disse Hades – enquanto minhas crianças permanecerem exiladas, enquanto eu me comportar sob a maldição da sua Grande Profecia, o Oráculo de Delfos nunca terá outro hospedeiro mortal. Você nunca descansará em paz. Nenhum outro vai tomar seu lugar. Seu corpo irá murchar e morrer, e ainda assim o espírito do Oráculo estará trancado dentro de você. Você irá pronunciar suas profecias amargas até que você se desintegre toda. O Oráculo irá morrer com você!

A garota gritou, a imagem enevoada explodiu em pedaços. Nico caiu de joelhos no jardim de Perséfone, sua face branca de choque. Parado à sua frente estava o verdadeiro Hades, elevando-se em suas vestes negras e franzindo as sobrancelhas para seu filho.

– O que exatamente você pensa que está fazendo? – Perguntou a Nico.

Uma explosão negra preencheu meus sonhos. Então o cenário mudou.

Rachel Elizabeth Dare estava andando ao longo de uma praia de areia branca. Ela vestia um maiô com uma camisa amarrada à sua cintura. Seus ombros e rosto estavam queimados de sol.

Ela se ajoelhou e começou a escrever com o dedo na areia molhada. Achei que minha dislexia estava agindo até que percebi que ela estava escrevendo em grego antigo.

Aquilo era impossível. O sonho tinha que ser falso. Rachel terminou algumas palavras e murmurou:

– Que diabos...?

Eu sei ler grego, mas só reconheci uma palavra antes que o mar as desmanchasse: Περσεύς. Meu nome: Perseus.

Rachel se levantou abruptamente e recuou para longe da onda.

– Oh, deuses – ela disse. – É isso!

Ela se virou e correu, chutando areia para trás enquanto se apressava para voltar para a casa de campo de sua família.

Ela saltou os degraus do pórtico, respirando com dificuldade. O pai dela olhou por cima do Wall Street Journal.

– Papai – Rachel marchou até ele. – Nós temos que voltar.

A boca de seu pai se contorceu, como se ele estivesse tentando se lembrar de como sorrir.

– Voltar? Nós acabamos de chegar.

– Há problemas em Nova York. Percy está em perigo.

– Ele ligou para você?

– Não... não exatamente. Mas eu sei. É um pressentimento.

Sr. Dare dobrou seu jornal.

– Sua mãe e eu estivemos planejando essas férias por um longo tempo.

– Não estiveram não! Vocês dois odeiam a praia! Vocês apenas são muito teimosos para admitir.

– Agora, Rachel...

– Estou lhe dizendo que há algo de errado em Nova York! A cidade inteira... não sei o quê exatamente, mas está sob ataque.

O pai dela suspirou.

– Acho que teríamos escutado algo desse tipo nos jornais.

– Não – Rachel insistiu. – Não esse tipo de ataque. Você já recebeu alguma ligação desde que chegamos aqui?

O pai dela franziu a testa.

– Não... mas é final de semana, no meio do verão.

– Você sempre recebe ligações – disse Rachel. – Você precisa admitir que isso é estranho.

O pai dela hesitou.

– Nós não podemos apenas ir embora. Nós gastamos muito dinheiro.

– Olhe – disse Rachel. – Papai... Percy precisa de mim. Preciso entregar uma mensagem. É vida ou morte.

– Que mensagem? Do que você está falando?

– Não posso lhe dizer.

– Então você não pode ir.

Rachel fechou os olhos como se estivesse tomando coragem.

– Pai... deixe-me ir, e eu faço um acordo com você.

Sr. Dare sentou-se mais à frente. De acordos ele entendia.

– Estou escutando.

– Academia de Moças de Clarion. Vou para lá no outono. Não vou nem reclamar. Mas você precisa me levar de volta para Nova York agora.

Ele ficou em silêncio por um longo tempo. Então ele abriu seu telefone e fez uma ligação.

– Douglas? Prepare o avião. Nós estamos partindo para Nova York. Sim... imediatamente.

Rachel jogou seus braços em volta dele, e seu pai pareceu surpreso, como se ela nunca o tivesse abraçado antes.

– Vou lhe retribuir, papai!

Ele sorriu, mas sua expressão era fria. Ele a estudou como se não estivesse olhando sua filha – apenas a jovem moça que ele queria que ela fosse, uma vez que a Academia Clarion tivesse transformado ela.

– Sim, Rachel – ele concordou. – Certamente você vai.

A cena desvaneceu. Eu murmurei no meu sonho: Rachel, não!

Eu ainda estava me debatendo e virando quando Thalia me acordou com sacudidas.

– Percy, venha. Já é fim de tarde. Nós temos visitas.

Eu sentei, desorientado. A cama era tão confortável, e eu odiava dormir no meio do dia.

– Visitas? – eu disse.

Thalia assentiu sombriamente.

– Um Titã quer ver você, sob uma bandeira de trégua. Ele tem uma mensagem de Cronos.

                                              

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