quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A Maldição do titã - capitulo 8



                              Eu faço uma promessa perigosa

Blackjack me deu uma carona até a praia, e admito que foi legal. Estar em um cavalo alado, tocando de leve nas ondas a cem quilômetros por hora com o vento no meu cabelo e o borrifo do mar no meu rosto – ei, é melhor que esqui aquático em qualquer dia.

Aqui. Blackjack reduziu a velocidade e virou em círculo. Diretamente abaixo.

– Obrigado. – Desmontei de suas costas e mergulhei no mar gelado.

Estava me sentindo mais confortável fazendo acrobacias como essa nos últimos anos. Podia me mover praticamente do jeito que eu quisesse dentro d’água, apenas desejando que as correntes marinhas mudassem ao meu redor e me impulsionassem para frente, eu podia respirar embaixo d’água, sem problemas, e minhas roupas nunca molhavam a não ser que eu quisesse.

Disparei para baixo na escuridão.

Cinco, dez, quinze metros. A pressão não era desconfortável. Eu nunca tentei forçar – para ver se havia um limite para quão profundamente eu podia mergulhar. Sabia que a maioria dos humanos normais não conseguia passar de sessenta metros sem ser amassado como uma lata de alumínio. Eu deveria estar cego também, tão fundo na água à noite, mas eu conseguia ver o calor das formas de vida, e o frio das correntes. É difícil descrever. Não era como uma visão comum, mas eu podia dizer onde todas as coisas estavam.

Quando cheguei mais perto do fundo do mar, vi três cavalos-marinhos – cavalos com rabos de peixe – nadando em círculo ao redor de um barco revirado. Os cavalos-marinhos eram bonitos de observar. Suas caudas de peixe reluziam nas cores do arco-íris, brilhando fosforescentes. Suas crinas eram brancas, e eles galopavam pela água do jeito que cavalos nervosos fazem em uma tempestade. Alguma coisa os estava perturbando.

Cheguei mais perto e vi o problema. Uma forma escura – algum tipo de animal – estava presa pela metade debaixo do barco e enroscado em uma rede de pesca, uma dessas grandes redes que se usam em navios pesqueiros para capturar tudo de uma vez.

Odiava essas coisas. Era suficientemente ruim eles afogarem botos e golfinhos, mas eles de vez em quando também capturavam animais mitológicos. Quando as redes ficavam emaranhadas, alguns pescadores preguiçosos apenas as cortavam e deixavam os animais presos morrerem.

Aparentemente esta pobre criatura esteve fertilizando o fundo do mar do Estuário de Long Island e de algum jeito se enroscou na rede deste barco pesqueiro afundado. Ela tinha tentado sair, mas conseguiu ficar ainda mais desesperadamente presa, virando o barco no processo. Agora os destroços do casco, que estava apoiado contra uma grande pedra, estavam oscilando e ameaçando desabar em cima do animal enroscado.

Os cavalos-marinhos estavam nadando ao redor freneticamente, querendo ajudar, mas sem saber como. Um estava tentando mastigar a rede, mas dentes de cavalos-marinhos simplesmente não são feitos para cortar cordas. Cavalos-marinhos são realmente fortes, mas eles não têm mãos, e não são (shhh) tão inteligentes.

Liberte, lorde! Um cavalo-marinho disse quando me viu. Os outros se juntaram, pedindo a mesma coisa.

Nadei para olhar mais de perto a criatura enroscada. Primeiramente pensei que fosse um jovem cavalo-marinho. Já tinha resgatado muitos deles antes. Mas aí eu ouvi um barulho estranho, algo que não pertencia ao ambiente subaquático.

– Mooooooo!

Eu me aproximei da coisa e vi que era uma vaca. Quero dizer... já tinha ouvido falar de vacas marinhas, tipo peixe-boi e coisas assim, mas essa era realmente uma vaca com a traseira de uma serpente. A metade da frente era um bezerro – um bebê, com pelo negro e olhos castanhos grandes e tristes, com focinho branco – e sua metade de trás era uma cauda de serpente preta e marrom com barbatanas correndo do início ao fim, como uma enguia gigante.

– Uau, pequenino – eu falei. – De onde você vem?

A criatura me olhou, triste.

– Moooo!

Mas eu não consegui entender seus pensamentos. Apenas falava com cavalos.

Nós não sabemos o que é, lorde, um dos cavalos-marinhos disse. Muitas coisas estranhas estão se agitando.

– Sim – murmurei. – Também ouvi falar.

Desencapei Contracorrente, e a espada cresceu até o tamanho total em minhas mãos, sua lâmina de bronze reluzindo no escuro. A vaca-serpente enlouqueceu e começou a se debater contra a rede, seus olhos cheios de terror.

– Wow! – eu disse. – Não vou machucar você! Apenas me deixe cortar a rede.

Mas a vaca-serpente se descontrolou de vez e ficou ainda mais enroscada. O barco começou a inclinar, remexendo a imundice do fundo do mar e ameaçando tombar por cima da vaca-serpente. Os cavalos-marinhos relinchavam em pânico fazendo rebuliço na água, o que não ajudava.

– Ok, ok! – eu disse. Guardei a espada e comecei a falar o mais calmo que podia, para os cavalos-marinhos e a vaca-serpente pararem com o pânico. Não sabia se era possível ser pisoteado dentro d’água, mas eu não queria realmente descobrir. – Tá legal. Nada de espada. Viu? Sem espada. Pensamentos calmos. Algas marinhas. Mamãe vaca. Vegetarianismo.

Eu duvidava que a vaca-serpente tivesse entendido o que eu estava falando, mas ela respondeu ao tom da minha voz. Os cavalos-marinhos ainda estavam fazendo drama, mas eles pararam de rodopiar à minha volta bem rapidamente.

Liberte, lorde! eles imploravam.

– É. – eu disse. – Isso eu já entendi. Estou pensando.

Mas como eu poderia libertar a vaca-serpente quando ela (decidi que era provavelmente uma fêmea) entrava em pânico ao avistar uma lâmina? Era como se ela tivesse visto espadas antes e soubesse o quanto eram perigosas.

– Tudo bem – falei aos cavalos-marinhos. – Preciso que vocês todos empurrem do jeito que eu falar.

Primeiro começamos com o barco. Não foi fácil, mas com a força de três cavalos vigorosos nós conseguimos virar os destroços, então não estava mais ameaçando desabar na vaca-serpente bebê. Depois fui trabalhar na rede, desemaranhando parte por parte, retirando pesos de chumbo e anzóis retorcidos, arrancando nós em torno dos cascos da vaca-serpente. Levou uma eternidade – quero dizer, foi pior que a vez em que tive que desemaranhar todos os fios dos meus controles de vídeo game. O tempo todo continuei conversando com o peixe vaca, falando que tudo estava bem enquanto ela mugia e gemia.

– Está tudo bem, Bessie – eu disse. Não me pergunte por que comecei a chamá-la assim. Apenas parecia um bom nome para uma vaca. – Boa vaca. Vaca simpática.

Finalmente, a rede saiu e a vaca-serpente disparou pela água e deu uma feliz cambalhota.

Os cavalos-marinhos relincharam de alegria.

Obrigado, lorde!

– Moooo! – A vaca-serpente encostou o focinho em mim e me olhou com seus grandes olhos castanhos.

– Sim – eu disse. – Tudo ok. Vaca simpática. Bem... fique longe de problemas.

O que me lembrou, eu estava debaixo d’água há quanto tempo? Uma hora, pelo menos. Precisava voltar para o meu chalé antes que Argos ou as harpias descobrissem que eu estava desobedecendo ao toque de recolher.

Disparei para cima e atravessei a superfície da água. Imediatamente, Blackjack desceu e me deixou segurar em seu pescoço. Ele me levantou no ar e me levou de volta ao litoral.

Sucesso, chefe?

– Sim. Nós resgatamos um bebê… ou algo assim. Demorou uma eternidade. Quase fui pisoteado.”

Bons feitos são sempre perigosos. Você salvou minha pobre crina, não foi?

Não pude evitar pensar no meu sonho, com Annabeth machucada e sem vida nos braços de Luke. Eu estava aqui, resgatando bebês monstros, mas não podia salvar minha amiga.

Enquanto Blackjack voava de volta para o meu chalé, olhei de relance para o refeitório. Vi uma figura – um garoto agachado atrás de uma coluna grega, como se estivesse se escondendo de alguém.

Era Nico, mas não era alvorada ainda. Nem um pouco perto do horário do café da manhã. O que ele estava fazendo ali?

Eu hesitei. A última coisa que eu queria era mais tempo para Nico me falar sobre seu jogo Mitomagia. Mas algo estava errado. Podia falar pelo jeito como ele estava agachado.

– Blackjack – eu disse. – Deixe-me bem ali, pode ser? Atrás daquela coluna.

Eu quase estraguei tudo. Eu estava subindo os degraus atrás de Nico. Ele não havia me visto. Estava atrás de uma coluna, espiando pelo canto, toda a atenção voltada para a área de refeições. Eu estava a um metro e meio de distância, prestes a falar O que você está fazendo? bem alto, quando me ocorreu que ele estava dando uma de Grover: ele estava espiando as Caçadoras.

Havia vozes – duas garotas conversando em uma das mesas de jantar. A essa hora despropositada da manhã? Bem, a não ser que você seja a deusa da alvorada, eu acho.

Tirei o boné mágico de Annabeth do meu bolso e pus na cabeça. Não me senti nem um pouco diferente, mas quando levantei os braços, não conseguia vê-los. Eu estava invisível.

Eu me arrastei até Nico e me esgueirei em torno dele. Não conseguia ver muito bem as garotas no escuro, mas conhecia as vozes delas: Zoë e Bianca. Parecia que elas estavam discutindo.

– Não pode ser curado – Zoë estava dizendo. – Não rapidamente, de qualquer maneira.

– Mas como isso aconteceu? – Bianca perguntou.

– Uma travessura boba – rosnou Zoë.  – Esses garotos Stoll do chalé de Hermes. Sangue de centauro é como ácido. Todo mundo sabe disso. Eles borrifaram a parte de dentro daquela camiseta do Passeio de Caça de Ártemis com isso.

– Isso é terrível!

– Ela vai viver – Zoë disse. – Mas ela vai ficar de cama por semanas com horríveis marcas de alergia. De forma alguma ela poderá ir. Cabe a mim... e a ti.

– Mas a profecia – Bianca disse. – Se Phoebe não pode ir, nós só temos quatro. Teremos que escolher outro.

– Não há tempo – disse Zoë  – Nós devemos partir à primeira luz. Isto é imediatamente. Além do mais, a profecia disse que perderíamos um.

– Na terra árida – Bianca disse, – mas isso não pode ser aqui.

– Pode ser – Zoë disse, mesmo que não soasse convincente. – O acampamento tem fronteiras mágicas. Nada, nem mesmo o clima, pode entrar sem permissão. Poderia ser uma terra árida.

– Mas...

– Bianca, escuta-me – a voz de Zoë estava cansada. – Eu... eu não posso explicar, mas tenho um pressentimento de que não devemos escolher outra pessoa. Seria muito perigoso. Eles iriam conhecer um fim pior que o de Phoebe. Não quero Quíron escolhendo um campista como nosso quinto companheiro. E... não quero arriscar outra Caçadora.

Bianca estava em silêncio.

– Você devia falar para Thalia o resto do seu sonho.

– Não. Não iria ajudar.

– Mas se suas suspeitas estiverem corretas, sobre o General –

– Tenho tua palavra de não falar sobre isso. – Zoë disse. Ela parecia realmente angustiada. – Nós vamos descobrir muito em breve. Agora vem. A alvorada está surgindo.

Nico saiu do caminho delas. Ele foi mais rápido do que eu.

Enquanto as garotas desciam os degraus, Zoë quase encostou em mim. Ela congelou, os olhos estreitando. Sua mão se arrastou até o arco, mas então Bianca disse:

– As luzes da Casa Grande estão acesas. Vamos!

E Zoë a seguiu para fora do pavilhão.

Eu podia dizer o que Nico estava pensando. Ele respirou fundo e estava prestes a correr atrás de sua irmã quando eu tirei o boné de invisibilidade e disse:

– Espere.

Ele quase escorregou nos degraus congelados enquanto girava em volta para me achar.

– De onde você veio?

– Estive aqui o tempo todo. Invisível.

Ele fez com a boca a palavra invisível

– Uau. Legal.

– Como você sabia que Zoë e sua irmã estavam aqui?

Ele ficou vermelho.

– Eu as ouvi andando perto do chalé de Hermes. Eu não... eu não durmo tão bem no acampamento. Então escutei passos, e elas sussurrando. E eu meio que segui.

– E agora você está pensando em segui-las na missão – eu adivinhei.

– Como você sabia disso?

– Porque se fosse minha irmã, provavelmente estaria pensando a mesma coisa. Mas você não pode.

Ele olhou desafiador.

– Por que sou muito novo?

– Porque elas não vão deixar. Vão capturá-lo e mandá-lo de volta para cá. E... sim, porque você é muito novo. Você se lembra da mantícora? Haverá muitos outros como aquilo. Mais perigosos. Alguns dos heróis vão morrer.

Seus ombros caíram. Ele jogava o peso de um pé para o outro.

– Talvez você esteja certo. Mas, mas você pode ir por mim.

– O que disse?

– Você pode ficar invisível. Você pode ir!

– As Caçadoras não gostam de garotos – eu o lembrei. – Se elas descobrirem...

– Não as deixe descobrirem. Siga-as invisível. Fique de olho na minha irmã! Você tem que fazer isso. Por favor?

– Nico...

– Você está planejando ir de qualquer jeito, não é?

Eu queria dizer que não. Mas ele me olhou nos olhos, e de alguma forma eu não consegui mentir para ele.

– É – eu disse. – Tenho que achar Annabeth. Tenho que ajudar, mesmo que elas não queiram.

– Não vou dedurar você – ele disse. – Mas você tem que prometer que vai manter minha irmã segura.

– Eu... isso é algo muito grande para prometer, Nico, em uma viagem como essa. Além disso, ela tem Zoë  Grover e Thalia...

– Prometa – ele insistiu.

– Vou fazer o meu melhor. Prometo isso.

– Vá indo, então! – ele disse. – Boa sorte!

Era loucura. Eu não tinha arrumado as malas. Não tinha nada além do boné, a espada e as roupas que estava vestindo. Supostamente, devia ir para minha casa em Manhattan nesta manhã.

– Diga a Quíron...

– Vou inventar alguma coisa. – Nico sorriu torto. – Sou bom nisso. Pode ir!

Corri, colocando o boné de Annabeth. Enquanto o sol aparecia, eu me tornei invisível. Cheguei ao topo da Colina Meio-Sangue a tempo de ver a van do acampamento desaparecendo pela estrada da fazenda, provavelmente Argos levando o grupo da missão até a cidade. Após isso eles estariam por conta própria.

Senti uma pontada de culpa, e estupidez, também. Como eu deveria acompanhá-las? Correndo?

Então escutei o bater de imensas asas. Blackjack pousou ao meu lado. Ele começou casualmente a fuçar alguns tufos de grama que escapavam através do gelo.

Se eu fosse adivinhar, chefe, diria que você precisa de um cavalo de fuga. Está interessado?

Um caroço de gratidão se formou na minha garganta, mas eu consegui falar:

– Sim. Vamos voar.

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