quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A Maldição do titã - capitulo 15



                    Eu luto contra o gêmeo do mau do papai noel       

– Avise-me quando acabar – Thalia disse. Seus olhos bem fechados. A estátua estava nos segurando de forma a que não pudéssemos cair, mas ainda assim Thalia agarrava seu braço como se fosse a coisa mais importante no mundo.

– Está tudo bem – prometi.

– Estamos… nós estamos muito alto?

Eu olhei para baixo. Abaixo de nós, uma cordilheira de montanhas nevadas ziguezagueava. Eu estiquei meu pé e chutei a neve de um dos picos.

– Não – falei. – Não tão alto.

– Nós estamos nas Sierras. – Zöe gritou. Ela e Grover estavam pendurados nos braços da outra estátua. – Eu cacei aqui antes. A essa velocidade, nós devemos estar em São Francisco em algumas horas.

– Hei, hei, Frisco! – nosso anjo disse. – Ei, Chuck! Nós podemos visitar aqueles caras do Monumento Mechanics de novo! Eles sabem como fazer uma festa!

– Ah, cara – o outro anjo disse. – Eu já estou lá!

– Vocês já visitaram São Francisco? – eu perguntei.

– Nós autômatos precisamos nos divertir de vez em quando, certo? – nossa estátua disse. – Aquelas máquinas nos levaram para o Museu Young e nos apresentaram para essas damas estátuas de mármore, sabe. E –

– Hank! – a outra estátua Chuck cortou. – Eles são crianças, cara.

– Ah, certo. – Se bronze podia corar, eu juro que Hank corou. – De volta ao voo.

Nós aceleramos, então eu podia dizer que os anjos estavam animados. As montanhas se tornaram morros, e então estávamos ziguezagueando sobre propriedades agrícolas e cidades e rodovias.

Grover tocava sua flauta para passar o tempo. Zöe ficou entediada e começou a atirar flechas a esmo em painéis conforme voávamos por eles. Toda vez que ela via uma loja de departamento alvo – e nós passamos por várias delas – ela cravava o letreiro da loja com alguns olhos de touro a cento e sessenta quilômetros por hora.

Thalia manteve seus olhos fechados o tempo todo. Ela murmurava para si mesma um bocado, como se estivesse rezando.

– Você fez bem lá trás – eu disse a ela. – Zeus ouviu.

Era difícil dizer o que ela estava pensando com os olhos dela fechados.

– Talvez – ela disse. – Como você escapou dos esqueletos na sala do gerador, de qualquer forma? Você disse que eles o encurralaram.

Eu contei a ela sobre a estranha garota mortal, Rachel Elizabeth Dare, que parecia ser capaz de ver através da Névoa. Eu pensei que Thalia ia me chamar de louco, mas ela apenas assentiu.

– Alguns mortais são assim – ela falou. – Ninguém sabe por quê.

De repente eu tive uma revelação sobre algo que eu nunca havia considerado. Minha mãe era assim. Ela viu o Minotauro na Colina Meio-Sangue e soube exatamente o que era. Ela não havia ficado nem um pouco surpresa ano passado quando eu disse a ela que meu amigo Tyson era realmente um Ciclope. Talvez ela soubesse o tempo todo. Não é de surpreender que ela tenha temido tanto por mim conforme eu crescia. Ela via através da Névoa melhor do que eu.

– Bem. A garota era irritante – eu disse. – Mas estou feliz que eu não a vaporizei. Isso teria sido ruim.

Thalia assentiu.

– Deve ser bom ser uma simples mortal. – Ela disse isso como se tivesse pensado muito sobre o assunto.

– Onde vocês querem pousar? – Hank perguntou, acordando-me de uma soneca.

Eu olhei para baixo e disse:

– Wow.

Eu havia visto São Francisco em fotografias, mas nunca ao vivo. Era provavelmente a cidade mais bonita que eu já tinha visto: um tipo menor, e mais limpo de Manhattan, se Manhattan fosse cercada de colinas verdes e neblina. Havia uma enorme baía e navios, ilhas e veleiros, e a Ponte Golden Gate projetando-se da neblina. Eu me sentia como se devesse tirar uma foto ou algo assim. Saudações de Frisco. Não Morri Ainda. Queria Que Você Estivesse Aqui.

– Lá – Zöe sugeriu. – No Embarcadero Building.

– Bem pensado – Chuck disse. – Eu e Hank podemos nos misturar com os pombos.

Nós todos olhamos para ele.

– Tô brincando – ele disse. – Nossa, estátuas não podem ter senso de humor?

Como ficou demonstrado, não havia necessidade de se misturar. Era cedo pela manhã e não havia muitas pessoas ao redor. Nós assustamos um sem-teto na doca quando pousamos. Ele berrou quando viu Hank e Chuck e fugiu gritando algo sobre anjos de metal de Marte.

Nós dissemos adeus aos anjos, que voaram para farrear com seus amigos estátuas. Foi aí que eu percebi que não tinha ideia sobre o que iríamos fazer em seguida.

Nós havíamos chegado à Costa Oeste. Ártemis estava aqui em algum lugar. Annabeth também, eu esperava. Mas eu não fazia ideia de como achá-las, e amanhã seria o solstício de inverno. E eu também não tinha nenhuma pista sobre qual monstro Ártemis estava caçando. Imaginava-se que iria nos encontrar durante a missão. Supostamente iria ‘mostrar a trilha’, mas nunca o fez. Agora estávamos empacados na doca das balsas com pouco dinheiro, sem amigos, e sem sorte.

Depois de uma breve discussão, nós concordamos que precisávamos descobrir quem era o misterioso monstro.

– Mas como? – perguntei.

– Nereu – Grover disse.

Eu olhei para ele.

– O quê?

– Não foi isso que Apolo lhe disse para fazer? Achar Nereu?

Eu assenti. Havia esquecido completamente minha última conversa com o deus do sol.

– O velho homem do mar – eu me lembrei. – Eu devo encontrá-lo e forçá-lo a nos dizer o que ele sabe. Mas como vou achá-lo?

Zöe fez uma cara.

– Velho Nereu, é?

– Você o conhece? – Thalia perguntou.

– Minha mãe era uma deusa do mar. Sim, eu o conheço. Infelizmente, ele não é difícil de ser encontrado. É só seguir o cheiro.

– O que você quer dizer? – eu perguntei.

– Vamos – ela disse sem entusiasmo. – Eu vos mostrarei.

Eu sabia que estava com problemas quando nós paramos na caixa de doações. Cinco minutos depois, Zöe me vestiu com uma esfarrapada camisa de flanela e jeans três vezes o meu tamanho, tênis vermelhos brilhantes, e um desleixado chapéu colorido.

– Ah, é – Grover disse, tentando não estourar de rir, – você parece completamente imperceptível agora.

Zöe acenou com satisfação.

– Um típico mendigo.

– Muito obrigado – resmunguei. – Novamente, por que estou fazendo isso?

– Eu disse a ti. Para se misturar.

Ela foi na frente no caminho de volta para a margem. Depois de um longo tempo procurando nas docas, Zöe finalmente parou de rastrear. Ela apontou para um píer onde vários sem-teto estavam amontoados com cobertores, esperando pela cozinha da sopa abrir para o almoço.

– Ele vai estar lá embaixo em algum lugar – Zöe disse. – Ele nunca viaja muito longe da água. Ele gosta de se aquecer durante o dia.

– Como eu sei qual deles é ele?

– Investiga – ela disse. – Age como sem-teto. Vais reconhecê-lo. Ele vai cheirar… diferente.

– Ótimo. – Eu não quis perguntar por detalhes. – E quando eu o encontrar?

– Agarra-o – ela disse. – E segura firme. Ele vai tentar qualquer coisa para se livrar de ti. Independente do que ele faça, não o deixa ir. Força-o a dizer-te sobre o monstro.

– Nós protegeremos as suas costas – Thalia disse. Ela pegou algo nas costas da minha camiseta – um grande monte de fiapos que veio sabe-se-lá-de-onde.

– Hãã. Pensando melhor… eu não quero as suas costas. Mas nós vamos ficar firmes por você.

Grover me deu um sinal de aprovação.

Eu resmunguei como era bom ter amigos super-poderosos. Então fui para a doca.

Eu baixei meu chapéu e cambaleei como se estivesse prestes a desmaiar, o que não era difícil considerando o quão cansado eu estava. Eu passei pelo nosso amigo sem-teto do Embarcadero, o qual ainda estava tentando avisar os outros sobre os anjos de metal de Marte.

Ele não cheirava bem, mas não cheirava… diferente. Eu continuei caminhando.

Um par de caras encardidos que usavam sacolas de plástico de supermercado como chapéus me checaram quando me aproximei.

– Cai fora, garoto! – um deles balbuciou.

Eu me afastei. Eles cheiravam realmente mal, mas somente o ruim usual. Nada fora do comum.

Havia uma senhora com um bando de flamingos de plástico saindo de um carrinho de compras. Ela me olhou como se eu fosse roubar seus pássaros.

No final do píer, um cara que parecia ter um milhão de anos passou por uma faixa de luz. Ele usava pijamas e um roupão esfiapado que provavelmente devia ter sido branco. Ele era gordo, com uma barba branca que havia se tornado amarela, como uma espécie de Papai Noel, se Noel tivesse rolado da cama e se arrastado por um aterro. E o cheiro dele?

Conforme eu cheguei perto, eu congelei. Ele cheirava mal, certo – mas oceano mal. Como algas marinhas quentes e peixe morto e salmoura. Se o oceano tinha um lado feio… este cara era esse lado.

Eu tentei não passar mal quando me sentei perto dele como se estivesse cansado. Noel abriu um olho suspeitamente. Eu podia senti-lo me encarando, mas eu não olhei. Eu balbuciei algo sobre escola estúpida e estúpidos pais, calculando que pareceria razoável. Papai Noel voltou a dormir.

Eu enrijeci. Eu sabia que isso ia parecer estranho. Eu não sabia como os outros sem-teto iriam reagir. Mas eu pulei no Papai Noel.

– Ahhhhh! – ele gritou. Eu pretendia agarrá-lo, mas ao invés disso ele pareceu me agarrar. Era como se ele não estivesse adormecido absolutamente. Ele certamente não agia como um homem velho e fraco. Ele tinha um aperto de aço. – Ajudem-me! – ele gritou enquanto me espremia até a morte.

– Isso é crime! – um dos outros sem-teto gritou. – Garoto rolando com um velho assim!

Eu rolei, certo – direto pra baixo do píer até que minha cabeça bateu em um poste. Eu fiquei tonto por um segundo, e o aperto de Nereu afrouxou. Ele estava fazendo uma pausa. Antes que ele conseguisse, eu recuperei meus sentidos e o ataquei pelas costas.

– Eu não tenho dinheiro! – Ele tentou ficar de pé e correr, mas eu travei meus braços em torno do seu peito. Seu cheiro de peixe podre era horrível, mas eu persisti.

– Eu não quero dinheiro – eu disse enquanto ele lutava. – Eu sou um meio-sangue! Eu quero informação.

Isso só o fez se debater mais.

– Heróis! Por que vocês sempre vêm atrás de mim?

– Porque você sabe tudo!

Ele rosnou e tentou me sacudir para fora de suas costas. Era como me segurar a uma montanha russa. Ele batia a sua volta, tornando impossível ficar em pé, mas eu cerrei meus dentes e apertei mais. Nós fomos em direção à beirada do píer e eu tive uma ideia.

– Oh, não! – falei. – A água não!

O plano funcionou. Imediatamente, Nereu gritou em triunfo e pulou da beirada. Juntos, nós mergulhamos na Baía de São Francisco.

Ele deve ter ficado surpreso quando eu apertei com mais força, o oceano me suprindo com energia extra. Mas Nereu tinha alguns truques também. Ele mudou de forma até que eu estava segurando uma lustrosa foca negra.

Eu já ouvi pessoas fazendo piadas sobre tentar agarrar um porco besuntado, mas eu vou te contar, agarrar uma foca na água é mais difícil. Nereu mergulhou, torcendo e açoitando e espiralando através da água escura. Se eu não fosse filho de Poseidon, de jeito nenhum teria conseguido segurá-lo.

Nereu girou e se expandiu, tornando-se uma baleia assassina, mas eu agarrei sua barbatana dorsal quando ele irrompeu da água.

Todo um grupo de turistas gritou:

– Uau!

Eu consegui acenar para a multidão.

É, nós fazemos isso todos os dias em São Francisco.

Nereu mergulhou na água e se tornou uma enguia viscosa. Eu comecei a dar um nó nele até que ele percebeu o que eu estava fazendo e voltou para a forma humana.

– Por que você não se afoga? – ele se lamuriou, agredindo-me com seus punhos.

– Eu sou filho de Poseidon – eu disse.

– Maldito arrivista! Eu estava aqui primeiro!

Finalmente ele desmoronou na beira da doca. Acima de nós estava um daqueles píers turísticos com lojas alinhadas, como um shopping na água. Nereu estava se agitando e arquejando. Eu me sentia ótimo. Poderia ter continuado por todo o dia, mas não disse isso a ele. Queria que ele sentisse como se tivesse me dado trabalho. Meus amigos desceram correndo os degraus do píer.

– Tu o pegaste! – Zöe disse.

– Você não precisa soar tão surpresa – eu disse.

Nereu lastimou-se.

– Oh, maravilha. Uma audiência para minha humilhação! O acordo usual, imagino? Você me deixará ir se eu responder a sua pergunta?

– Eu tenho mais de uma pergunta – falei.

– Somente uma pergunta por captura! Essa é a regra.

Eu olhei para os meus amigos. Isso não era bom. Eu precisava achar Ártemis, e precisava descobrir o que a criatura apocalíptica era. E também precisava saber se Annabeth ainda estava viva, e como resgatá-la. Como eu poderia perguntar tudo isso em uma questão?

Uma voz dentro de mim estava gritando: Pergunte sobre Annabeth!

Era com o que eu mais me importava. Mas então eu imaginei o que Annabeth diria. Ela nunca me perdoaria se eu a salvasse e não salvasse o Olimpo. Zöe iria querer que eu perguntasse sobre Ártemis, mas Quíron nos disse que o monstro era ainda mais importante.

Eu suspirei.

– Tudo bem, Nereu. Diga-me onde achar este terrível monstro que pode trazer um fim aos deuses. O que Ártemis estava caçando.

O Velho Homem do Mar sorriu, mostrando seus dentes verdes musgosos.

– Ah, isso é muito fácil – ele disse diabolicamente. – Ele está bem aqui.

Nereu apontou para a água aos meus pés.

– Onde? – eu disse.

– O acordo está completo! – Nereu se regozijou. Com um pop, ele se tornou um peixe dourado e se arremessou para trás no mar.

– Você me enganou! – gritei.

– Espere. – Os olhos de Thalia se alargaram. – O que é isso?

– MOOOOOOOO!

Eu olhei para baixo, e lá estava minha amiga a vaca-serpente, nadando perto da doca. Ela cutucou meu calçado e me deu o triste olhar castanho.

– Ah, Bessie – eu disse. – Agora não.

– Mooo!

Grover arfou.

– Ele diz que seu nome não é Bessie. Ele é macho, Percy

– Você pode entendê-la... er, entendê-lo?

Grover assentiu.

– É uma forma antiga de linguagem animal. Mas ele diz que o nome dele é o Ofiotauro.

– O Ofi-quê?

– Significa vaca serpente em grego – Thalia disse. – Mas o que ele faz aqui?

– Moooooooo!

– Ele disse que Percy é seu protetor – Grover anunciou. – E ele está fugindo das pessoas más. Disse que eles estão próximos.

– Eu estava me perguntando como você captou tudo isso de um simples moooooo.

– Espera – Zöe disse, olhando para mim. – Conheces essa vaca?

Eu estava me sentindo impaciente, mas contei a eles a história.

Thalia balançou sua cabeça em descrença.

– E você simplesmente se esqueceu de mencionar isso antes?

– Bem… é. – Isso pareceu tolo, agora que ela havia falado, mas as coisas tinham acontecido tão depressa. Bessie, o Ofiotauro, pareceu um detalhe menor.

– Eu sou uma tola – Zöe disse subitamente. – Eu conheço a história!

– Qual história?

– Da Guerra dos Titãs – ela falou. – Meu… meu pai me contou a lenda, milhares de anos atrás. Está é a besta que estamos procurando.

– Bessie? – eu olhei para a vaca-serpente. – Mas… ele é tão fofo. Ele não poderia destruir o mundo.

– Isto é o porquê de estarmos errados – Zöe disse. – Nós vínhamos antecipando um monstro enorme e perigoso, mas o Ofiotauro não traz o fim dos deuses dessa forma. Ele deve ser sacrificado.

– MMMM – Bessie mugiu.

– Eu não acho que ele goste da palavra com S – Grover disse.

Eu dei um tapinha na cabeça de Bessie, tentando acalmá-lo. Ele me deixou coçar sua orelha, mas ele estava tremendo.

– Como qualquer um poderia machucá-lo? – falei. – Ele é inofensivo.

Zöe assentiu.

– Mas há poder em matar um inocente. Um terrível poder. As Parcas fizeram uma profecia eras atrás, quando esta criatura nasceu. Elas disseram que quem matasse o Ofiotauro e sacrificasse suas entranhas no fogo teria o poder de destruir os deuses.

– MMMMMM!

– Hum – Grover disse. – Talvez pudéssemos evitar falar em entranhas, também.

Thalia olhou para a vaca-serpente com espanto.

– O poder para destruir os deuses… como? Eu quero dizer, o que poderia acontecer?

– Ninguém sabe – Zöe disse. – Da primeira vez, durante a Guerra dos Titãs, o Ofiotauro foi na verdade assassinado por um gigante aliado dos Titãs, mas teu pai, Zeus, enviou uma águia para agarrar as entranhas antes que elas pudessem ser jogadas no fogo. Foi por pouco. Agora, depois de três mil anos, o Ofiotauro renasceu.

Thalia se sentou na doca. Ela esticou sua mão. Bessie foi direto para ela. Thalia colocou sua mão na cabeça dele. Bessie tremeu. A expressão de Thalia me incomodou. Ela quase parecia… faminta.

– Nós temos que protegê-lo – eu disse a ela. – Se Luke puser as mãos nele...

– Luke não hesitaria – Thalia murmurou. – O poder para derrubar o Olimpo. Isto é… isto é grande.

– Sim, é, minha querida – disse a voz de um homem com um sotaque francês carregado.

– E é um poder que você deve libertar.

O Ofiotauro fez um som de lamúria e submergiu. Eu olhei para cima. Nós estivéramos tão ocupados conversando, que permitidos sermos cercados.

Parado atrás de nós, seus olhos de duas cores reluzindo cruelmente, estava o Dr. Streppe, a mantícora em pessoa.

– Isto é simplesmente perrr-feito – a mantícora se regozijou.

Ele estava usando um roto sobretudo preto sobre seu uniforme da Westover Hall, o qual estava rasgado e manchado. Seu cabelo cortado em estilo militar havia crescido espigado e gorduroso. Ele não havia se barbeado recentemente, de forma que seu rosto estava coberto por uma penugem prateada. Basicamente ele não parecia muito melhor que os caras lá na cozinha da sopa.

– Há muito tempo, os deuses me baniram para a Pérsia – a mantícora disse. – Eu fui forçado a furtar comida nos limites do mundo, escondendo-me em florestas, devorando insignificantes fazendeiros humanos em minhas refeições. Eu nunca pude lutar com grandes heróis. Eu não era temido e admirado nas histórias antigas! Mas agora isso vai mudar. Os Titãs me honrarão, e eu me banquetearei na carne de meio-sangues!

Em ambos os lados dele estavam dois seguranças armados, alguns dos mortais mercenários que eu havia visto em D.C. Mais dois estavam na próxima doca, para o caso de tentarmos escapar por lá. Havia turistas por todos os lados – descendo para a margem do mar, comprando no píer acima de nós – mas eu sabia que isso não impediria a mantícora de agir.

– Onde… onde estão os esqueletos? – eu perguntei à mantícora.

Ele sorriu com escárnio.

– Eu não preciso daqueles mortos-vivos estúpidos! O General pensa que sou inútil? Ele vai mudar de ideia quando eu mesmo derrotar você!

Eu precisava de tempo para pensar. Eu precisava salvar Bessie. Eu podia mergulhar no mar, mas como poderia realizar uma fuga rápida com uma vaca-serpente de mais de duzentos quilos? E o que seria dos meus amigos?

– Nós já vencemos você antes – eu disse.

– Rá! Vocês mal conseguiram lutar comigo com uma deusa do seu lado. E, aliás… aquela deusa está ocupada no momento. Não haverá ajuda para vocês agora.

Zöe encaixou uma flecha e mirou diretamente na cabeça da mantícora. Os guardas em ambos os lados levantaram suas armas.

– Espere! – falei. – Zöe, não!

A mantícora sorriu.

– O garoto está certo, Zöe Doce-Amarga. Coloque seu arco de lado. Seria uma pena matar vocês antes que testemunhem a maior vitória de Thalia.

– Do que você está falando? – Thalia rosnou. Ela tinha seu escudo e lança prontos.

– Certamente está claro – a mantícora disse. – Este é o seu momento. Isto é o porquê de Lorde Cronos ter trazido você de volta à vida. Você sacrificará o Ofiotauro. Você trará as entranhas para o fogo sagrado da montanha. Você ganhará poder ilimitado. E no seu décimo sexto aniversário, você derrubará o Olimpo.

Ninguém falou. Fazia um sentido terrível. Thalia estava a apenas dois dias de fazer dezesseis. Ela era filha de um dos Três Grandes. E aqui estava uma escolha, uma terrível escolha que poderia significar o fim dos deuses. Era justamente como a profecia disse. Eu não sabia se me sentia aliviado, horrorizado, ou desapontado. Eu não era o garoto da profecia afinal. O juízo final estava acontecendo agora. Eu esperei que Thalia repreendesse a mantícora, mas ela hesitou. Ela parecia completamente aturdida.

– Você sabe que é a escolha certa – a mantícora disse a ela. – Seu amigo Luke reconheceu isso. Você se reunirá a ele. Vocês governaram este mundo juntos sob a égide dos Titãs. Seu pai a abandonou, Thalia. Ele não liga para você. E agora você ganhará poder sobre ele. Esmague os Olimpianos sob seus pés, como eles merecem. Chame a besta! Ela virá até você. Use sua lança.

– Thalia – eu disse, – acabe com isso!

Ela olhou para mim do mesmo jeito que na manhã em que acordou na Colina Meio-Sangue, confusa e incerta. Era quase como se ela não me conhecesse.

– Eu… eu não...

– Seu pai a ajudou – falei. – Ele enviou os anjos de metal. Ele a transformou em árvore para preservar você.

Sua mão apertou o cabo de sua lança. Eu olhei para Grover desesperadamente. Graças aos deuses, ele entendeu o que eu precisava. Ele ergueu sua flauta para sua boca e tocou uma rápida repetição de notas.

A mantícora gritou:

– Impeça-o!

Os guardas estavam mirando em Zöe, e antes que eles pudessem perceber que o garoto com a flauta era o maior problema, das tábuas de madeira aos seus pés brotaram novos ramos que se emaranharam em suas pernas. Zöe soltou duas flechas rápidas que explodiram aos pés deles em uma nuvem amarela de gás sulfuroso. Flechas de Pum!

Os guardas começaram a tossir. A mantícora atirou espinhos na nossa direção, mas eles ricochetearam no meu casaco de leão.

– Grover – eu disse, – diga a Bessie para mergulhar fundo e ficar lá!

– Moooooo! – Grover traduziu. Eu podia apenas esperar que Bessie entendesse a mensagem.

– A vaca... – Thalia murmurou, ainda confusa.

– Vamos! – eu a puxei conforme corríamos pela escadaria para o shopping center no píer. Nós arrancamos pela esquina da loja mais próxima. Eu ouvia a mantícora gritando com seus seguranças, “Peguem-nos!”. Turistas gritavam conforme os guardas atiravam cegamente para o ar.

Nós nos misturamos no fim do píer. Escondemo-nos atrás de um pequeno quiosque cheio de souvenires de cristal – sinos de vento e pescadores sonhadores e coisas do tipo, brilhando à luz do sol. Havia uma fonte perto de nós. Abaixo, havia um monte de leões-marinhos tomando sol nas rochas. Toda a Baía de São Francisco espalhava-se à nossa frente: a Ponte Golden Gate, a Ilha de Alcatraz, e as colinas verdes e além para o norte a neblina. Uma imagem perfeita, salvo pelo fato de que estávamos prestes a morrer e o mundo iria acabar.

– Vai pelo outro lado! – Zöe me disse. – Podes escapar pelo mar, Percy. Pede ajuda a teu pai. Talvez possas salvar o Ofiotauro.

Ela estava certa, mas eu não podia fazer isso.

– Eu não vou deixar vocês – falei. – Nós lutaremos juntos.

– Você deve avisar o acampamento! – Grover disse. – Pelos menos os deixe saber o que está acontecendo!

Então eu notei os cristais fazendo arco-íris na luz do sol. Era a fonte perto de mim…

– Avisar o acampamento – murmurei. – Boa ideia.

Eu desencapei Contracorrente e golpeei o topo da fonte. Água irrompeu pelo cano cortado e nos borrifou. Thalia se sobressaltou quando a água a atingiu. A névoa pareceu clarear em seus olhos.

– Você está maluco? – ela perguntou.

Mas Grover entendeu. Ele já estava procurando em seus bolsos por uma moeda. Ele jogou um dracma de ouro no arco-íris criado pela névoa e gritou:

– Ó deusa, aceite minha oferenda!

A névoa ondulou.

– Acampamento Meio-Sangue – eu disse.

E lá, tremulando na Névoa ao nosso lado, estava a última pessoa que eu queria ver: Sr. D, usando agasalho de pele de leopardo e remexendo na geladeira.

Ele levantou o olhar preguiçosamente.

– Vocês se importam?

– Onde está Quíron! – eu gritei.

– Que grosseria. – Sr. D tomou um gole de um jarro com suco de uva. – É assim que você diz oi?

– Oi – emendei. – Nós estamos prestes a morrer! Onde está Quíron?

Sr. D considerou isso. Eu queria gritar para que ele se apressasse, mas eu sabia que isso não iria funcionar. Atrás de nós, passos e gritos – a tropa da mantícora estava se aproximando.

– Prestes a morrer – Sr. D meditou. – Que excitante. Temo que Quíron não esteja aqui. Vocês gostariam que eu anotasse o recado?

Eu olhei para os meus amigos.

– Estamos mortos.

Thalia apertou sua lança. Ela se parecia novamente como ela mesma zangada.

– Então vamos morrer lutando.

– Que nobre – Sr. D disse, segurando um bocejo. – Então qual é o problema, exatamente?

Eu não via no que aquilo faria diferença, mas eu contei a ele sobre o Ofiotauro.

– Mmm. – Ele estudou o conteúdo da geladeira. – Então é isso. Entendo.

– Você sequer se importa! – gritei. – Você logo nos assistirá morrer!

– Deixe-me ver. Eu acho que estou no humor para comer pizza esta noite.

Eu queria golpear o arco-íris e desconectar, mas eu não tive tempo. A mantícora gritou:

– Ali!

E nós estávamos cercados. Dois dos guardas ficaram atrás dele. Os outros dois apareceram nos telhados das lojas do shopping no píer sobre nós. A mantícora tirou seu casaco e se modificou para sua verdadeira forma, suas garras de leão se estenderam e sua cauda com espinhos eriçou com farpas venenosas.

– Excelente – ele disse. Ele olhou para a aparição na névoa e bufou. – Sozinhos, sem qualquer ajuda real. Maravilhoso.

– Você poderia pedir por ajuda – Sr. D murmurou para mim, como se isso fosse um pensamento interessante. – Você poderia dizer por favor.

Quando javalis selvagens voarem, pensei. De jeito nenhum eu iria morrer implorando a um preguiçoso como o Sr. D, somente para que ele pudesse gargalhar enquanto todos nós morríamos.

Zöe aprontou suas flechas. Grover levantou sua flauta. Thalia ergueu seu escudo, e eu notei uma lágrima escorrendo pela sua face. Subitamente me ocorreu: isto já havia acontecido a ela. Ela tinha sido encurralada na Colina Meio-Sangue. Ela havia, de boa vontade, abdicado de sua vida por seus amigos. Mas desta vez, ela não poderia nos salvar.

Como eu poderia deixar isso acontecer com ela?

– Por favor, Sr. D – murmurei. – Nos ajude.

Claro, nada aconteceu.

A mantícora sorriu.

– Poupem a filha de Zeus. Ela logo se juntará a nós. Matem os outros.

Os homens ergueram suas armas, e algo estranho aconteceu. Sabe como você se sente quando todo o sangue se agita na sua cabeça, como se estivesse pendurado de cabeça para baixo e se erguesse rápido demais? Houve uma agitação como aquela a toda minha volta, e um som como um enorme suspiro. A luz do sol se tingiu de roxo. Eu senti o cheiro de uvas e de algo mais ácido – vinho.

SNAP!

Era o som de várias mentes quebrando ao mesmo tempo. O som da loucura. Um guarda pôs sua pistola entre seus dentes como se fosse um osso e correu de quatro em volta. Dois outros largaram suas armas e começaram a valsar juntos. O quarto começou a fazer o que parecia uma dança irlandesa. Isso teria sido engraçado se não fosse tão assustador.

– Não! – gritou a mantícora. – Eu mesmo lidarei com vocês!

Sua cauda eriçou, mas as tábuas sob suas patas irromperam em vinhas, as quais imediatamente começaram a se enroscar ao redor do corpo do monstro, brotando novas folhas e ramos de uvas que amadureceram em segundos conforme a mantícora guinchava, até que ela foi engolfada por uma grande massa de vinhas, folhas e ramos cheios de uvas roxas. Finalmente as uvas pararam de nascer, e eu tive a sensação que em algum lugar lá dentro, a mantícora não existia mais.

– Bem – disse Dioniso, fechando a geladeira. – Isso foi divertido.

Eu olhei para ele, aterrorizado.

– Como você pôde… Como você fez...

– Tanta gratidão – ele murmurou. – Os mortais ficarão bem. Muita explicação para dar se eu tornasse a condição deles permanente. Eu detesto escrever relatórios ao meu Pai.

Ele olhou ressentidamente para Thalia.

– Eu espero que você tenha aprendido a sua lição, garota. Não é fácil resistir ao poder, é?

Thalia corou como se estivesse envergonhada.

– Sr. D – Grover disse admirado. – O senhor… o senhor nos salvou.

– Mmm. Não me faça me arrepender disso, sátiro. Agora ande, Percy Jackson. Eu ganhei no máximo mais algumas horas para vocês.

– O Ofiotauro – eu disse. – Pode levá-lo para o acampamento?

Sr. D inalou.

– Eu não transporto carga viva. Isso é problema seu.

– Mas para onde nós vamos?

Dioniso olhou para Zöe.

– Ah, eu acho que a caçadora sabe. Vocês devem entrar ao pôr do sol, sabe, ou tudo estará perdido. Agora adeus. Minha pizza está esperando.

– Sr. D – eu disse.

Ele levantou uma sobrancelha.

– Você me chamou pelo meu nome correto – falei. – Você me chamou de Percy Jackson.

– Eu certamente não o fiz, Peter Johnson. Agora fora com você!

Ele acenou com a mão, e sua imagem desapareceu na névoa.

A toda nossa volta, os subordinados da mantícora estavam agindo completamente amalucados. Um deles havia achado o nosso amigo sem-teto, e eles estavam tendo uma conversa séria sobre anjos metálicos de Marte. Vários outros guardas acossavam os turistas, fazendo sons de animais e tentando roubar seus sapatos.

Eu olhei para Zöe.

– O que ele quis dizer com “Você sabe para onde ir”?

Sua face estava da cor da neblina. Ela apontou para além da baía, além da Golden Gate. Distante, uma única montanha se erguia além da camada de nuvens.

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