terça-feira, 15 de outubro de 2013

Capitulo XII - Frank







PERCY DORMIU COMO UMA VÍTIMA DA MEDUSA – ou seja, como uma pedra. Ele não havia deitado em uma cama segura e confortável desde... bem, desde que conseguia se lembrar. Fora um dia insano e com milhões de pensamentos correndo por sua cabeça, seu corpo parou e disse: Você irá dormir, agora.
Ele teve sonhos, é claro. Percy sempre tinha sonhos, mas eles passavam como imagens borradas como uma janela de trem. Então ele viu um fauno com cabelo crespo em roupas esfarrapadas correndo para alcançá-lo.
— Eu não tenho nenhum trocado sobrando — Percy falou.
— O quê? — disse o fauno — não, Percy. Sou eu, Grover! Fique onde está, nós estamos no caminho para te encontrar. Tyson está perto... pelo menos nós pensamos que ele é o que está mais perto de te alcançar. Estamos tentando triangular sua posição.
— Como assim? — Percy perguntou, mas o fauno já havia desaparecido no meio da névoa.
Então Annabeth estava correndo ao seu lado estendendo sua mão.
— Graças aos Deuses! — ela falou. — Durante meses nós não conseguíamos vê-lo! Você está bem?
Percy lembrou o que Juno havia lhe dito. Durante meses ele havia estado dormindo. Mas agora estava acordado. A deusa intencionalmente o manteve escondido, mas por quê?
— Você é real? — ele perguntou à Annabeth.
Ele queria muito acreditar nisso, mas sentia como se Hannibal, o elefante estivesse de pé sobre seu peito. Mas a face dela começou a dissolver. E ela choramingou:
— Fique parado! Será mais fácil para Tyson te encontrar! Fique onde está!
Então ela se foi. As imagens aceleraram. Ele viu um navio enorme em um porto seco, com trabalhadores lutando para finalizar o casco, e um cara com um maçarico soldando uma cabeça de dragão à proa. Viu o deus da guerra procurando por ele, com uma espada nas mãos.
A cena mudou repentinamente. Percy estava no Campo de Marte, olhando para Berkeley Hills. Então o capim dourado ondulou e uma imagem formou-se na grama – uma mulher dormindo, suas características se formando com sombras e dobras na terra. Ela permanecia com os olhos ainda fechados, mas sua voz falava na mente de Percy: Então este é o semideus que destruiu o meu filho Cronos. Você não parece muita coisa, Percy Jackson, mas me é valioso. Venha para o norte. Procure por Alcioneu. Juno pode fazer seus joguinhos com gregos e romanos, mas no final, você será o meu peão. Você será a chave para a ruína dos Deuses.
Então a visão de Percy escureceu. Ele estava em um teatro do tamanho do quartel general do acampamento. Uma principia com paredes de gelo e névoa pairando no ar. O chão estava cheio de esqueletos em armaduras romanas e armas de Ouro Imperial tomadas pelo gelo. No fundo da sala havia uma enorme figura sombria. Sua pele brilhava a ouro e prata, parecia um autômato, como os cães de Reyna.
Atrás dele havia uma coleção de emblemas em ruínas, estandartes esfarrapados e um cajado de ferro com uma grande águia dourada na ponta.
A voz do gigante atravessou a vasta câmara:
— Isto será divertido, filho de Netuno, tem muito tempo desde que acabei com um semideus do seu calibre. Espero por você em cima do gelo.

Percy se levantou, tremendo. Por um momento se esqueceu de onde estava. Então se lembrou: Acampamento Júpiter, o quartel da Quinta Coorte. Estava deitado em sua cama, encarando o teto e tentando controlar seu coração acelerado.
Um gigante dourado estava esperando para esmagá-lo. Maravilhoso!
Mas o que mais o assustou foi o rosto da mulher dormindo em Berkeley Hills. Você será o meu peão. Percy não jogava xadrez, mas ele sabia muito bem que ser um peão era muito ruim. Eles morriam muito.
Até mesmo as partes amigáveis do sonho eram perturbadoras. Um fauno chamado Grover estava à sua procura. Talvez seja isso que Don havia detectado, um – como ele tinha chamado mesmo? – uma ligação empática. Alguém chamado Tyson estava procurando por ele também, e Annabeth havia avisado Percy para ficar onde estava.
Ele se sentou na cama. Seus colegas de quarto estavam por todos os lados, se vestindo e escovando os dentes. Dakota estava enrolando-se em um pedaço de pano vermelho-manchado, uma toga. Um dos veteranos estava dando-lhe dicas de onde tinha que dobrar ou onde tinha que prender.
— Hora do café? — Percy perguntou esperançoso.
A cabeça de Frank apareceu no beliche abaixo. Ele tinha olheiras, como se não tivesse dormido muito bem.
— Um rápido café da manhã. Então temos uma reunião no senado.
Naquele momento Dakota passou cambaleando com a cabeça presa na toga, parecia um fantasma manchado de Kool-Aid.
— Hum — Percy falou. — Eu deveria vestir o lençol da minha cama?
Frank bufou.
— Isso é apenas para os senadores. Eles são dez, eleitos anualmente. Você deve estar no acampamento no mínimo há cinco anos para estar qualificado.
— Então, como nós fomos convidados para a reunião?
— Porque... você sabe, a missão — Frank soou preocupado, como se estivesse com medo de que Percy voltasse atrás. — Nós temos que estar na discussão. Você, eu, Hazel. Quero dizer, se você estiver bem...
Frank provavelmente não queria culpá-lo, mas Percy se sentia puxado como um camelo. Ele tinha simpatia por Frank. Ser reivindicado pelo deus da guerra na frente de todo o acampamento – que pesadelo. Além disso, como Percy poderia dizer não para aquele grande rosto de bebê? Tinha sido dada a Frank uma tarefa que provavelmente o mataria. Ele estava apavorado e precisava do apoio de Percy.
E os três fizeram uma bela equipe noite passada. Frank e Hazel eram duros, pessoas de confiança. Aceitaram Percy como se fosse da família. Ainda assim, não havia gostado de ter que ir numa missão, especialmente porque tinha sido ideia de Marte e gostou menos ainda depois de seus sonhos.
— Eu, hum... é melhor eu me arrumar...
Ele saiu da cama e se vestiu. Durante todo o tempo estava pensando em Annabeth. A ajuda estava a caminho. Ele poderia ter sua antiga vida de volta. Tudo o que tinha que fazer era ficar parado.

Durante o café da manhã inteiro Percy notou que todos estavam olhando para ele. Estavam sussurrando sobre a noite anterior:
— Dois deuses em um único dia...
— Um não-romano lutando...
— Um canhão de água no meu nariz...
Ele estava com muita fome para se preocupar. Ele se encheu de panquecas, ovos, bacon, waffles, maçãs e vários copos de suco de laranja. Provavelmente teria comido mais, mas Reyna anunciou que o senado deveria se reunir na cidade, e todas as pessoas em togas se levantaram para sair.
— Aqui vamos nós — Hazel mexia em uma pedra que mais parecia um rubi de dois quilates.
O fantasma Vittelius apareceu perto deles em um tremeluzir roxo.
— Boa sorte, para vocês três! Ah, reunião do senado. Eu lembro daquela em que César foi assassinado. Aquela enorme quantidade de sangue em sua toga...
— Obrigado Vittelius — Frank interrompeu. — Nós devemos nos apressar.
Reyna e Octavian lideraram a procissão dos senadores através do acampamento, com os autômatos dela correndo na frente e ao longo da estrada. Hazel, Frank e Percy caminhavam logo atrás. Percy notou Nico di Angelo no grupo, usando uma toga negra e conversando com Gwen, que parecia um pouco pálida, mas surpreendentemente bem considerando que esteve morta na noite passada. Nico acenou para Percy, então voltou para sua conversa, deixando Percy com mais certeza que o irmão de Hazel estava tentando evitá-lo.
Dakota tropeçou em sua túnica vermelha manchada. Vários outros senadores pareciam estar tendo problemas com suas togas também – caminhando e levantando suas bainhas, tentando manter o pano sem escorrer de seus ombros. Percy estava contente de estar usando apenas uma camiseta roxa e uma calça jeans.
— Como os romanos podiam se mover dentro destas coisas? — ele perguntou.
— Elas eram apenas para ocasiões formais — falou Hazel. — Como smokings. Aposto que os romanos antigos odiavam togas tanto quando nós odiamos. Então, você não trouxe nenhuma arma, não é?
A mão de Percy foi até seu bolso, onde sua caneta sempre esteve.
— Por quê? Não devemos?
— Não são permitidas armas dentro da Linha Pomeriana. — Ela falou.
— Linha o quê?
— Pomeriana — Frank disse. — Os limites da cidade. O interior é como uma sagrada “zona segura”. Legiões não podem marchar por aí. Não são permitidas armas. Isto é para as reuniões do senado não serem sangrentas.
— Como quando Julio César foi assassinado? — Percy perguntou.
Frank acenou com a cabeça.
— Não se preocupe. Nada parecido com isso acontece faz meses.
Percy esperava que ele estivesse brincando.
À medida que se aproximavam da cidade, Percy pôde perceber como era bonita. Os telhados e cúpulas brilhavam ao sol. Jardins floresciam com madressilva e rosas. A praça principal era pavimentada com pedras brancas e cinzas, decorada com estátuas de mármore, fontes e colunas douradas. Nos arredores dos bairros, as ruas estavam cheias de casas recém-pintadas, lojas, cafés e parques. À distância, estava o coliseu e a arena de corrida de cavalos.
Percy não percebeu que tinham atingido os limites da cidade até que os senadores à sua frente começaram a parar. Ao lado da estrada erguia-se uma estátua de mármore branco – um homem em tamanho real com cabelo crespo, sem braços, e uma expressão muito irritada. Talvez ele parecesse zangado por ter sido esculpido apenas da cintura para cima. Abaixo disso, era apenas um grande bloco de mármore.
— Fila única, por favor! — A estátua falou. — Tenham os seus ID’s preparados.
Percy olhou para a esquerda e para a direita. Ele não havia notado antes, mas uma fila idêntica de estátuas cercavam a cidade em intervalos de cem metros cada. Os senadores passaram facilmente pela estátua, que chamava cada senador pelo nome:
— Gwendolyn, senadora, Quinta Coorte, sim. Nico di Angelo, embaixador de Plutão... muito bem. Reyna, pretora, é claro. Hank, senador, Terceira Coorte... oh, belos sapatos, Hank! Ah, o que temos aqui?
Frank, Hazel e Percy eram os últimos.
— Términus — falou Reyna — este é Percy Jackson. Percy, este é Términus, Deus dos limites.
— Novo, é? — disse o deus — Sim, placa de probatio. Certo. Ah, uma arma em seu bolso? Tire isso! Tire isso!
Percy não sabia como Términus descobriu, mas ele levou embora sua caneta.
— Muito perigoso — disse Términus. — Deixe-a na bandeja. Espere, onde está minha assistente? Julia!
Uma menina de cerca de seis anos de idade espiou por trás da base da estátua. Ela tinha tranças, usava um vestido rosa e tinha um sorriso travesso com dois dentes faltando.
— Julia? — Términus olhou para trás, mas Julia correu para a outra direção. — Para onde foi aquela garota?
O deus olhou para a outra direção e pegou-a em seu campo de visão antes que ela pudesse se esconder. A menina gritou em deleite.
— Ah, aí esta você — falou a estátua. — Em frente, e traga a bandeja.
Julia se retirou e afastou o vestido. Ela pegou uma bandeja e a apresentou para Percy. Nela haviam várias facas, um saca rolhas, um enorme pote de protetor solar e uma garrafa d’água.
— Você pode pegar sua arma no caminho de volta — falou Términus. — Julia irá tomar conta muito bem disso. Ela é uma profissional treinada.
A menininha concordou.
— Pro-fis-sio-nal. — Ela falou cada sílaba com muito cuidado, como se estivesse praticando.
Percy olhou para Hazel e Frank, que não pareciam ter achado isto muito estranho. Ainda assim, não se sentia confortável em entregar uma arma mortal para uma criança.
— O problema é que — ele falou — a caneta volta automaticamente para o meu bolso, então mesmo se eu a deixar aqui...
— Não se preocupe — Términus assegurou. — Nós mesmos cuidaremos para que isto não aconteça. Não é mesmo Julia?
— Sim, senhor Términus.
Relutante, Percy colocou sua caneta na bandeja.
— Agora, algumas regras, já que vocês são novatos — falou Términus. — Vocês estão entrando nos limites da cidade propriamente dita. Mantenham a paz dentro da linha. Deem preferência ao tráfego de carruagens enquanto estiverem em estradas públicas. Quando chegarem ao senado, sentem-se no lado esquerdo. É lá em baixo, enxergam onde eu estou apontando?
— Hum — falou Percy. — Você não possui nenhuma mão.
Aparentemente este era um ponto sensível para Términus. Sua face de mármore se tornou em um tom escuro de cinza.
— Mais um espertinho, é? Muito bem, senhor quebrador de regras, lá no fórum, Julia aponte por mim, por favor.
Julia baixou obedientemente a bandeja de segurança e apontou para a praça principal.
— A loja com o toldo azul — continuou Términus. — Aquela é a loja geral. Eles vendem fitas métricas. Compre uma! Eu quero estas calças exatamente um centímetro acima dos tornozelos e esse cabelo devidamente cortado. E também coloque a camisa para dentro.
Hazel o interrompeu.
— Obrigada, Términus. Nós precisamos nos apressar.
— Certo, certo, vocês podem passar — o deus disse com irritação. — Mas fiquem no lado direito da estrada! E aquela rocha logo ali... Não, Hazel, olhe onde eu estou apontando. Aquela rocha está muito perto da árvore. Mova-a cinco centímetros para a esquerda...
Hazel fez o que ele havia mandado e os três continuaram o seu caminho, com Términus continuando a gritar ordens para eles enquanto Julia fazia piruetas pela grama.
— Ele é sempre assim? — Percy perguntou.
— Não — Hazel admitiu. — Hoje ele está um pouco descontraído. Normalmente é mais obsessivo-compulsivo.
— Ele habita cada pedra na fronteira ao redor da cidade — Frank explicou. — É a nossa última linha de defesa se a cidade for atacada.
— Términus não é tão ruim — Hazel concluiu. — Apenas não o faça ficar irritado, ou ele te forçará a reverenciar a cada lâmina de grama de todo o vale.
Percy arquivou a informação.
— E a criança? Julia?
Hazel sorriu.
— Sim, ela é uma gracinha. Seus pais vivem na cidade. Agora vamos. Temos que alcançar os senadores.
Enquanto se aproximavam do fórum, Percy ficou assustado com o imenso número de pessoas. Em idade de estar na escola, crianças passavam o tempo na fonte. Várias delas acenaram para os senadores que passavam. Um cara de uns 30 anos de idade sentou-se em um balcão de padaria enquanto flertava com uma jovem que comprava café. Um casal de idosos assistia um menino ainda nas fraldas com uma miniatura de Júpiter correndo atrás de gaivotas. Comerciantes estavam abrindo seus estabelecimentos, colocando para fora sinais em latim anunciando potes, joias e ingressos pela metade do preço para o hipódromo.
— Todas essas pessoas são semideuses? — perguntou Percy.
— Ou descendentes deles — Hazel falou. — Como eu lhe falei, é um bom lugar para ir à universidade ou construir uma família sem ter que se preocupar com ataque de monstros todos os dias. Talvez duzentas ou trezentas pessoas vivam aqui. Os veteranos agem como consultores, ou forças de reserva conforme necessário, mas na maioria são apenas cidadãos vivendo suas vidas.
Percy imaginou como seria conseguir um apartamento nesta minúscula réplica de Roma, protegido por legiões e Términus, o deus da fronteira. Se imaginou segurando as mãos de Annabeth em um café. Talvez quando fossem mais velhos, olharia suas próprias crianças correndo atrás de gaivotas pelo fórum...
Ele enxotou a ideia de sua mente. Não podia se dar ao luxo de ter este pensamento. A maioria de suas memórias havia desaparecido, mas sabia que este lugar não era sua casa. Ele pertencia a outro lugar, com outros amigos.
Além do mais, o Acampamento Júpiter estava em perigo. Se Juno estivesse certa, um ataque estava chegando em menos de cinco dias. Percy imaginou a face da mulher dormindo – a face de Gaia – se formando em Berkeley Hill sobre o campo. Ele imaginou hordas de inimigos invadindo o vale.
Se você não obtiver sucesso, Marte avisou, não haverá acampamento para o qual voltar. Roma será invadida, e seu legado perdido para sempre.
Ele pensou na pequena Julia, as famílias com seus filhos, seus companheiros da Quinta Coorte, mesmo aqueles faunos bobos. Ele não queria nem imaginar o que aconteceria a eles se esse lugar fosse destruído.
Os senadores fizeram seu caminho para um prédio com uma enorme cúpula branca no lado oeste do fórum. Percy estacou na entrada, tentando não pensar em Júlio César sendo cortado até a morte em uma reunião do senado. Então tomou fôlego e seguiu Hazel e Frank para dentro.

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