quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Capitulo XXVI - Percy






NÃO FOI TÃO DIFÍCIL QUANTO ELES PENSARAM. Os gritos e o cortador de grama ajudaram.
Eles haviam trazido jaquetas esportivas leves com seus suprimentos, então se agasalharam contra a chuva fria e andaram por alguns quarteirões, a maioria por ruas desertas. Dessa vez Percy foi esperto e trouxe a maioria dos seus suprimentos do barco. Ele até colocou a carne seca macrobiótica no bolso do casaco, caso tivesse que lidar com mais alguma baleia assassina.
Eles viram um pouco de tráfego de bicicletas e alguns caras sem-teto estremecendo nas portas, mas a maior parte dos moradores pareciam estar nas suas casas.
Enquanto desciam a Glisan Street, Percy olhava melancolicamente para as pessoas nos cafés, saboreando café e doces. Ele estava prestes a sugerir que parassem para o café da manhã quando ouviu uma voz descendo a rua que gritava:
— HÁ! TOMEM ESSA, GALINHAS ESTÚPIDAS!
Seguido pela aceleração de um pequeno motor e vários grasnados.
Percy olhou para seus amigos.
— Vocês acham...?
— Provavelmente — Frank concordou.
Eles correram em direção ao som.
Passado o próximo quarteirão, encontraram um grande estacionamento aberto, com calçadas arborizadas e fileiras de trailers de alimentos de frente para a rua em todos os quatro lados. Percy já tinha visto trailers-lanchonete antes, mas nunca tantos em um só lugar. Alguns eram simplesmente caixas de metal sobre rodas, com toldos e balcões de servir. Outros eram pintados de azul, roxo ou bolinhas, com grandes banners na frente e painéis de menu coloridos e mesas do tipo "faça você mesmo" de cafés ao ar livre. Um anunciava um taco Coreano/Brasileiro, o que soou como algum tipo de culinária radioativa ultra-secreta. Outra oferecia sushi no espeto. Uma terceira estava vendendo um sanduíche de sorvete de fritas.
O cheiro era maravilhoso – dúzias de diferentes comidas cozinhando ao mesmo tempo. O estômago de Percy roncou. A maioria dos trailers estava aberta, mas dificilmente havia alguém por perto. Eles podiam comprar tudo o que quisessem. Sanduíche de sorvete de fritas? Ah, isso parecia bem melhor que gérmen de trigo.
Infelizmente, havia mais coisas acontecendo do que apenas culinária. No centro do lote, atrás de todos os trailers-lanchonete, um velho em um roupão estava correndo por toda parte com um cortador de grama, gritando para uma revoada de mulheres-pássaro que estavam tentando roubar comida de uma mesa de piquenique.
— Harpias — Hazel disse — O que significa...
— Que é Fineu — Frank adivinhou.
Eles correram pela rua e se espremeram entre o trailer Brasileiro/Coreano e um chinês vendedor de rolinho primavera e burritos. As traseiras dos trailers não eram de longe tão convidativas quanto a frente. Elas estavam cheias de pilhas de baldes de plástico, latas de lixo transbordando e varais improvisados com aventais e toalhas molhadas penduradas. O estacionamento em si não era nada mais que um quadrado de asfalto quebrado, salpicado de grama.
O cara de roupão era velho e gordo. Era quase totalmente careca, com cicatrizes na testa e um amontoado de viscosos cabelos brancos. Seu roupão estava sujo de ketchup e ele continuou a correr por todo lado em seus distorcidos chinelos de coelhinho cor de rosa, balançando seu cortador de grama a gás em direção à meia dúzia de harpias que pairavam sobre sua mesa de piquenique.
Ele era claramente cego, seus olhos eram de um branco leitoso e geralmente errava as harpias por muito, mas continuava fazendo um bom trabalho rechaçando-as.
— Afastem-se, galinhas sujas! — ele berrou.
Percy não estava certo do porque, mas tinha a vaga sensação de que harpias deveriam ser mais gordas. Essas pareciam esfomeadas. Seus rostos humanos tinham olhos encovados e bochechas secas. Seus corpos estavam cobertos de penas e de suas asas despontavam minúsculas mãos enrugadas. Elas usavam sacos de estopa esfarrapado como vestidos. À medida que mergulhavam para a comida, elas pareciam mais desesperadas do que zangadas. Percy sentiu pena delas.
WHIRRRR! O velho balançou seu cortador de grama. Ele raspou nas asas de uma das harpias. A harpia gritou de dor e voou para longe, deixando uma trilha de penas amarelas pelo caminho.
Outra harpia circulava mais alto que as demais. Ela parecia menor e mais jovem, com penas vermelho-vivo. Ela olhava cuidadosamente, procurando uma abertura e quando o velho lhe deu as costas, ela fez um mergulho selvagem em direção à mesa.
Ela agarrou um burrito com suas garras, mas antes que pudesse escapar, o velho cego balançou seu cortador de grama e atingiu-a nas costas muito fortemente. Percy estremeceu. A harpia gritou, derrubou o burrito e voou para longe.
— Ei, pare com isso! — Percy gritou.
As harpias entenderam da maneira errada. Elas olharam para os três semideuses e imediatamente fugiram. A maioria delas voou para longe e se empoleirou nas árvores ao redor do estacionamento, olhando desanimadamente para a mesa de piquenique. A harpia de penas vermelhas que fora atingida nas costas voou vacilante pela Glisan Street e desapareceu de vista.
— HÁ! — O cego gritou em triunfo e desligou seu cortador de grama. Ele sorriu vagamente na direção de Percy. — Obrigado estranho! Sua ajuda é muito apreciada.
Percy controlou sua raiva. Ele não pretendia ajudar o velho, mas lembrou-se de que precisavam de informações.
— Hum, tanto faz — Percy se aproximou do velho, mantendo um olho no cortador de grama. — Eu sou Percy Jackson, esse é...
— Semideuses — disse o velho — sempre consigo sentir o cheiro de semideuses.
Hazel franziu a testa.
— Cheiramos tão mal assim?
O velho riu.
— Claro que não minha querida. Mas você ficaria surpresa em descobrir quão afiados ficaram os meus sentidos desde que fiquei cego. Eu sou Fineu, e vocês... esperem, não me digam...
Ele alcançou o rosto de Percy e cutucou-o nos olhos.
— Ow! — Percy queixou-se.
— Filho de Netuno — Fineu exclamou — pensei ter sentido o cheiro do oceano em você, Percy Jackson. Eu também sou um filho de Netuno sabia?
— Certo, ok — Percy esfregou os olhos.
Era apenas coincidência que ele fosse parente desse velhinho. Esperava que nem todos os filhos de Netuno compartilhassem do mesmo destino. Primeiro você sai por ai carregando uma bolsa de arco-íris. Antes que perceba, está correndo por aí em um roupão, chinelos de coelhinho rosa, perseguindo galinhas com um cortador de grama.
Fineu se virou para Hazel.
— E aqui... Cheiro de ouro e terra profunda. Hazel Levesque, filha de Plutão. E ao seu lado, o filho de Marte. Entretanto há muito mais em sua história, Frank Zhang...
— Sangue Antigo — Frank murmurou. — Príncipe de Pilos. Blá, blá, blá.
— Poriclimeno, exatamente! Ah, ele era um cara legal, eu adorava os argonautas!
O queixo de Frank caiu.
— Espera, Pori quem?
Fineu sorriu.
— Não se preocupe, eu conheço a sua família. Aquela história sobre seu bisavô? Ele não destruiu realmente o acampamento. Mas que grupo interessante. Estão com fome?
Frank parecia ter sido atropelado por um caminhão, mas Fineu já havia mudado de assunto. Ele acenou em direção à mesa de piquenique. Nas arvores próximas, as harpias guinchavam miseravelmente. Mesmo faminto como Percy estava, não podia pensar em comer com essas pobres harpias o assistindo.
— Olha, eu estou confuso — Percy disse. — Nós precisamos de algumas informações. Nos disseram...
— ...que as harpias estavam afastando a comida de mim — Fineu terminou. — E que se vocês me ajudassem, eu ajudaria vocês...
— Algo assim — Percy admitiu.
Fineu riu.
— Essas são notícias velhas. Parece que estou passando fome?
Ele acariciou sua barriga, a qual era do tamanho de uma bola de basquete superinflada.
— Hum... não — Percy respondeu.
Fineu agitou seu cortador de grama em um amplo gesto. Os três se abaixaram.
— As coisas mudaram, amigos! — ele disse. — Quando eu recebi o dom da profecia, éons atrás, é verdade que Júpiter me amaldiçoou. Ele mandou as harpias para roubar minha comida. Vejam vocês, eu tinha uma boca um pouco grande. Eu revelava muitos segredos que os deuses tentavam guardar — ele se virou para Hazel. — Por exemplo, você devia estar morta. E você... — ele se virou para Frank — sua vida depende de um pedaço de madeira queimado.
Percy franziu a testa.
— O que você está dizendo?
Hazel piscou como se tivesse sido esbofeteada. Já Frank, parecia que o caminhão tinha engatado a ré e atropelado ele outra vez.
— E você — Fineu se virou para Percy. — Bem, você nem mesmo sabe quem é. Eu poderia te contar é claro, mas que graça isso teria? E que Brigid O’Shaughnessy atira em Miles Archer em O Falcão Maltês. E Darth Vader é o pai do Luke. E o Vencedor do próximo campeonato de futebol americano será...
— Já entendemos — Frank murmurou.
Hazel apertou sua espada como se ela estivesse tentada a esquartejar o velho.
— Então, você falou demais e os deuses te amaldiçoaram. Por que pararam?
— Ah, eles não pararam — ele arqueou suas sobrancelhas numa expressão que dizia dá pra acreditar? — Eu tive que fazer um acordo com os argonautas. Eles também queriam informações, vejam só. Eu disse que se matassem as harpias eu cooperaria. Bem, afugentaram essas criaturas nojentas, mas Íris não os deixaria matar as harpias. Um ultraje! Então, dessa vez quando minha patrona me trouxe de volta à vida...
— Sua patrona? — Frank perguntou.
Fineu lhe dirigiu um sorriso perverso.
— Gaia é claro. Quem vocês acham que abriu os portões da morte? Sua namoradinha aqui entende bem o que é isso. Gaia não é também sua patrona?
Hazel desembainhou sua espada.
— Eu não sou... Eu não... Gaia não é minha patrona.
Fineu parecia estar se divertindo. Se ele ouviu a espada sendo puxada não pareceu se importar.
— Ótimo, se você que ser nobre e ficar do lado perdedor é problema seu. Mas Gaia está acordando, ela já reescreveu as regras da vida e da morte. Estou vivo de novo! E em troca de minha ajuda, uma profecia aqui, outra ali, ganho meu mais caro desejo. A mesa foi virada, por assim dizer. Posso comer o que eu quiser o dia inteiro, e as harpias tem que assistir e passar fome.
Ele acelerou seu cortador de grama e as harpias gemeram em suas árvores.
— Elas são amaldiçoadas — o velho homem disse. — Elas só podem comer da minha mesa, não podem deixar Portland. E como as portas da morte estão abertas elas não podem nem morrer. É lindo.
— Lindo? — Frank protestou — elas são criaturas vivas. Por que você é tão malvado com elas?
— Elas são monstros — Fineu replicou — e malvado? Esses cérebros de penas me atormentaram por anos!
— Mas era seu dever — Percy disse, tentando se controlar — Júpiter lhes ordenou que fizessem isso.
— Oh, mas eu estou irado com Júpiter também — Fineu concordou. — No tempo certo, Gaia cuidará para que os deuses sejam apropriadamente punidos. Eles fizeram um horrível trabalho em governar o mundo. Mas por hora estou gostando de Portland. Os mortais não me dão nenhuma importância. Pensam que sou apenas um velho louco espantando os pombos.
Hazel avançou em direção ao vidente.
— Você é terrível! — ela disse a Fineu. — Seu lugar é nos campos de punição.
Fineu zombou.
— De um morto para outro, mocinha? No seu lugar eu não estaria falando. Você começou a coisa toda! Se não fosse por você Alcioneu não estaria vivo!
Hazel cambaleou para trás.
— Hazel — os olhos de Frank se arregalaram. — Do que ele está falando?
— Há! — Fineu disse. — Você vai descobrir logo, logo, Frank Zhang. E então veremos se você continua tão carinhoso com a sua namorada. Mas vocês não estão aqui pra isso, certo? Querem encontrar Tânatos. Ele está sendo mantido no covil de Alcioneu. Claro que eu posso lhes dizer onde fica. Claro que posso. Mas primeiro, vocês terão que me fazer um favor.
— Esquece — Hazel disse asperamente. — Você está trabalhando para o inimigo. Devíamos te mandar de volta para o Mundo Inferior nós mesmos.
— Vocês podem tentar — Fineu sorriu. — Mas duvido que eu fique morto por muito tempo. Vejam vocês, Gaia me mostrou o caminho mais fácil para voltar para cá. E com Tânatos nas correntes, não tem ninguém pra me manter lá em baixo. Além disso, se me matarem nunca descobrirão meus segredos.
Percy estava tentado a deixar Hazel usar sua espada. Na verdade, ele queria estrangular aquele velho ele mesmo.
Acampamento Júpiter. Ele disse a si mesmo. Salvar o acampamento é mais importante. Ele se lembrou de Alcioneu provocando-o em seus sonhos. Se eles perdessem tempo vagando pelo Alasca à procura do covil do gigante, os exércitos de Gaia iriam destruir os romanos... e os outros amigos de Percy, quem quer que eles fossem.
Ele cerrou os dentes.
— Qual é o favor?
Fineu lambeu os lábios com avidez.
— Tem uma harpia que é mais rápida que as outras...
— A vermelha — Percy supôs.
— Eu sou cego! Eu não sei a cor! — O velho resmungou. — De qualquer forma, ela é a única que me dá trabalho. Ela é astuta, essa aí. Sempre faz o que quer, e não se junta às outras. Ela me deu isso.
Ele apontou para as cicatrizes em sua testa.
— Capture essa harpia — ele disse. — Tragam-na até mim. Eu a quero amarrada onde eu possa ficar de olho nela, por assim dizer. Harpias odeiam ficar amarradas. Isso lhes causa dor extrema. Ah, eu vou gostar disso. Talvez eu até a alimente para que ela dure mais.
Percy olhou para seus amigos. Eles entraram num acordo silencioso: Eles nunca iriam ajudar esse velho repugnante. Por outro lado, precisavam da informação. Eles precisavam de um plano B.
— Oh, podem ir conversar — Fineu disse despreocupadamente. — Eu não ligo. Só lembrem-se de que sem minha ajuda sua missão irá falhar e todos que vocês amam nesse mundo irão morrer. Agora saiam! Tragam-me aquela harpia!

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