quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Capitulo XXI - Frank






FRANK ODIAVA DING DONGS. Ele odiava cobras. E odiava a sua vida. Não necessariamente nessa ordem.
Enquanto se arrastava colina acima, desejou que pudesse desmaiar como Hazel – só entrar em transe e experimentar algum outro tempo, como antes de ter sido arrastado para essa missão maluca, antes de descobrir que o seu pai era um sargento de instrução divino com um problema de ego.
Seu arco e lança batiam em suas costas. Ele odiava a lança, também. No momento em que a obteve, jurou silenciosamente nunca usá-la. A arma de um homem de verdade – Marte era um idiota.
Talvez tivesse sido uma confusão. Não havia algo como um teste de DNA para filhos de deuses? Talvez a enfermaria divina tivesse trocado acidentalmente Frank com um dos ilustres bebês valentões de Marte. Não tinha como a mãe de Frank ter se envolvido com aquele violento deus da guerra.
Ela era uma guerreira nata, argumentou a voz da sua avó. Não é de surpreender um deus se apaixonar por ela, dada a nossa família. Sangue antigo. O sangue de príncipes e heróis.
Frank tirou o pensamento de sua cabeça. Ele não era um príncipe ou herói. Era um desajeitado intolerante à lactose, que nem podia proteger sua amiga de ser sequestrada pelo trigo. As suas novas medalhas pareciam frias contra o seu peito: a lua crescente do centurião, a Coroa Mural. Deveria estar orgulhoso delas, mas sentia que só as havia recebido porque seu pai havia intimidado Reyna.
Frank não podia entender como os seus amigos aguentavam estar ao seu redor. Percy havia deixado claro que odiava Marte, e Frank não podia culpá-lo. Hazel ficava olhando Frank pelo canto dos olhos, como se estivesse assustada de que ele fosse se transformar em uma aberração musculosa.
Frank olhou para o seu corpo e suspirou. Correção: uma aberração ainda mais musculosa. Se o Alasca fosse realmente uma terra além dos deuses, Frank talvez ficasse lá. Ele não tinha certeza se tinha algo pelo que voltar.
Não se lastime, diria a sua avó. Homens Zhang não ficam se lastimando.
Ela estava certa. Frank tinha um trabalho a fazer. Tinha que completar esta missão impossível, que no momento era chegar vivo à loja de conveniência.
Enquanto se aproximavam, Frank tinha medo de que a loja explodisse em luz de arco-íris e os vaporizasse, mas o prédio continuou escuro. As cobras que Polybotes havia deixado cair pareciam haver desaparecido.
Eles estavam a uns vinte metros da varanda quando algo sibilou atrás deles.
— Vão! — gritou Frank.
Percy tropeçou. Enquanto Hazel o ajudava, Frank se virou e colocou uma flecha no arco.
Ele atirou às cegas. Achou que havia pego uma flecha explosiva, mas era só uma chama de sinalização. Ela derrapou pela grama, explodindo em uma chama laranja e assobiando: WOO!
Ao menos iluminou o monstro. Sentada em um pedaço de grama amarela-clara havia uma cobra verde-limão, tão curta e grossa quanto o braço de Frank. Sua cabeça estava envolta em uma juba de barbatanas brancas e pontudas. A criatura encarou a flecha passando como se estivesse pensando, Que diabos é aquilo?
Então ela fixou os seus grandes olhos amarelos em Frank. Avançou como uma lagarta, curvando-se no meio. Onde quer que tocasse, a grama esbranquiçava e morria.
Frank ouviu os seus amigos subindo os degraus da loja. Não se atreveu a virar e correr. Ele e a cobra se estudaram. A cobra sibilou, chamas ondulando em sua boca.
— Bom réptil arrepiante — disse Frank, bem consciente da madeira no bolso do seu casaco. — Bom réptil venenoso e cuspidor de fogo.
— Frank! — Gritou Hazel atrás dele. — Vamos!
A cobra saltou nele. Ela se moveu tão rápido pelo ar que não houve tempo de preparar uma flecha. Frank balançou seu arco e derrubou o monstro colina abaixo. Ela girou fora de vista, lamentando: “Screeeee!”
Frank se sentiu orgulhoso de si mesmo até que olhou para o arco, que estava fumegando onde a cobra havia tocado. Olhou desacreditado enquanto a madeira se desintegrava em poeira.
Ouviu um sibilo furioso, acompanhado de mais dois mais embaixo da colina.
Frank deixou cair seu arco desintegrando e correu para a varanda. Percy e Hazel o puxaram sobre os degraus. Quando Frank se virou, viu os três monstros circulando na grama, cuspindo fogo e deixando a colina marrom sob o seu toque venenoso. Elas não aparentavam ser capazes ou ter vontade de se aproximar da loja, mas aquilo não era muito conforto para Frank. Ele havia perdido seu arco.
— Nunca sairemos daqui — disse miseravelmente.
— Então é melhor entrarmos — Hazel apontou para o cartaz pintado a mão sobre a porta: ARCO-ÍRIS, COMIDA ORGÂNICA & ESTILO DE VIDA.
Frank não fazia ideia do que aquilo significava, mas soava melhor do que cobras venenosas de fogo. Ele seguiu os seus amigos para dentro.

Assim que passaram pela porta, luzes se acenderam. Uma flauta começou a tocar, como se estivessem caminhando para um palco. Os amplos corredores estavam alinhados com caixas de nozes e frutas secas, cestos de maçãs, prateleiras de roupa com camisas tingidas e vestidos transparentes à moda da Sininho. O teto estava coberto de sinos de vento. Ao longo das paredes, caixas de vidro exibiam bolas de cristal, pedras brilhantes, filtros de sonhos e um monte de outras coisas estranhas. Deveria haver incenso queimando em algum lugar. Cheirava como se um buquê de flores estivesse queimando.
— Loja de cartomante? — ponderou Frank.
— Espero que não — murmurou Hazel.
Percy inclinou-se sobre ela. Ele estava pior que nunca, como se tivesse sido atingido com uma gripe repentina. Seu rosto brilhava de suor.
— Sentar... — ele murmurou. — Talvez água.
— Sim — disse Frank. — Vamos achar um lugar para você descansar.
As tábuas de madeira rangeram sob seus pés, Frank passou entre duas fontes com estátuas de Netuno.
Uma garota apareceu por detrás das caixas de granola.
— Posso ajudar?
Frank cambaleou para trás, derrubando uma das fontes. Um Netuno de pedra se esmagou no chão. A cabeça do deus do mar rolou e vomitou água do seu pescoço, borrifando uma prateleira de pastas masculinas tingidas.
— Desculpe! — Frank se agachou para limpar a bagunça.
Ele quase empalou a garota com a sua lança.
— Epa! — ela disse. — Espere! Está tudo bem!
Frank se endireitou lentamente, tentando não causar mais nenhum dano. Hazel olhava mortificada. Percy ganhou uma cor verde doentia enquanto olhava para a cabeça decapitada do seu pai.
A garota bateu palmas. A fonte se dissolveu em névoa. A água evaporou. Ela se virou para Frank.
— Realmente, não há problema. Aquelas estátuas de Netuno têm uma aparência mal-humorada mesmo, elas me deprimem.
Ela lembrava Frank das alpinistas em idade universitária que ele via às vezes no Parque Lynn Canyon atrás da casa de sua avó. Ela era baixa e musculosa, com botas de laço, bermudas cargo, e uma camisa amarelo-brilhante onde se lia A.C.O.E.V. Arco-Íris Comida Orgânica & Estilo de Vida. Ela parecia jovem, mas o seu cabelo enrolado era branco, enrolado ao lado de sua cabeça como a parte branca de um ovo frito gigante.
Frank tentou lembrar de como falar. Os olhos da garota eram realmente distrativos. As íris mudavam de cor de cinza para preto e para branco.
— Uh... Desculpe pela fonte — ele conseguiu dizer. — Nós estávamos apenas...
— Oh, eu sei! — a garota disse. — Vocês querem comprar. Está tudo bem. Semideuses são bem-vindos. Tomem o seu tempo. Vocês não são como esses monstros terríveis. Eles só querem usar o banheiro e nunca compram nada!
Ela bufou. Seus olhos brilharam com um raio. Frank olhou para Hazel para saber se ele havia imaginado aquilo, mas Hazel estava tão surpresa quanto ele.
Do fundo da loja a voz de uma mulher chamou:
— Fleecy? Não assuste os clientes, vamos. Traga-os aqui, pode ser?
— O seu nome é Fleecy? — perguntou Hazel.
Fleecy riu.
— Bem, na lingua dos nebulae na verdade é... — Ela fez uma série de sons de estrondo e sopro que lembravam Frank de uma tempestade abrindo caminho para uma frente fria. — Mas podem me chamar de Fleecy.
— Nebulae ... — murmurou Percy em um torpor. — Ninfas das nuvens.
Fleecy se encheu de luz.
— Oh, eu gosto deste aqui! Usualmente ninguém sabe das ninfas das nuvens. Mas, minha nossa, ele não parece tão bem. Venham para os fundos. Minha chefe quer conhecê-los. Vamos consertar o seu amigo.
Fleecy os guiou pelos corredores de produtos, entre fileiras de berinjelas, kiwis, frutos de lótus e romãs. No fundo da loja, atrás do balcão com uma velha máquina registradora, estava parada uma mulher de meia idade com a pele olivácea, longo cabelo preto, óculos sem borda, e uma camisa que lia: A Deusa está viva! Ela tinha um colar de âmbar e anéis de turquesa. Cheirava a pétalas de rosas.
Ela parecia bastante amigável, mas algo nela fazia Frank se sentir um pouco trêmulo, como se quisesse chorar. Levou-lhe um segundo, então ele percebeu o que era – o jeito com que sorria só com um canto da boca, a cor marrom dos seus olhos, a inclinação de sua cabeça, como se estivesse considerando uma pergunta. Ela lembrava Frank de sua mãe.
— Olá! — Ela inclinou-se sobre o balcão, no qual havia dúzias de pequenas estátuas – gatos chineses que acenavam, Budas meditando, bonecos de São Francisco que balançavam a cabeça, e a novidade, os pássaros amalucados bebendo água com cartola. — Estou tão feliz que estejam aqui. Sou Íris!
Os olhos de Hazel se arregalaram.
— Não a Íris... a deusa do arco-íris?
Íris fez uma careta.
— Bem, esse é o meu trabalho oficial, sim. Mas eu não me defino pela minha identidade corporativa. No meu tempo livre, eu gerencio isso! — Ela gesticulou ao seu redor orgulhosamente. — A cooperativa A.C.O.E.V. – uma cooperativa gerenciada pelos funcionários promovendo saudáveis estilos de vida alternativos e comida orgânica.
Frank encarou-a.
— Mas você jogou Ding Dongs aos monstros.
Íris olhou horrorizada.
— Oh, eles não são Ding Dongs — ela vasculhou sob o balcão e levantou um pacote de bolos cobertos de chocolate que pareciam exatamente iguais a Ding Dongs. — Esses são livres de glúten, sem açúcar adicionado, enriquecidos com vitaminas, soja e à base de algas. É uma simulação de cupcake.
— Tudo natural! — Interrompeu Fleecy.
— Reconheço o meu erro — Frank de repente se sentiu tão enjoado quanto Percy.
Íris sorriu.
— Você deveria experimentar um, Frank. Você é intolerante à lactose, não é?
— Como você...
— Eu sei dessas coisas. Sendo a deusa mensageira... bem, eu aprendo bastante, ouvindo todas as comunicações dos deuses e assim por diante. — Ela jogou os bolinhos fora do balcão. — Além do mais, aqueles monstros deveriam ficar agradecidos por ter um lanche saudável. Sempre comendo comida vulgar e heróis. Eles são tão pouco iluminados. Eu não podia tê-los tropeçando pela minha loja, destruindo coisas e perturbando o nosso feng shui.
Percy se inclinou sobre o balcão. Ele parecia que ia vomitar sobre todo o feng shui da deusa.
— Monstros marchando para o sul — ele disse com dificuldade. — Vão destruir o nosso acampamento. Você não poderia pará-los?
— Oh, eu sou estritamente não-violenta — disse Íris. — Eu posso agir em defesa pessoal, mas não vou ser arrastada para mais violência Olimpiana, muito obrigada. Estive lendo sobre Budismo. E Taoísmo. Não me decidi entre eles.
— Mas... — Hazel parecia mistificada. — Você não é uma deusa grega?
Íris cruzou os seus braços.
— Não me coloque em uma caixa, semideusa! Não sou definida pelo meu passado.
— Hum, está bem — disse Hazel. — Poderia ao menos ajudar o nosso amigo aqui? Acho que ele está doente.
Percy se aproximou do outro lado do balcão. Por um segundo Frank achou que ele queria os bolinhos.
— Mensagem de Íris — ele disse. — Você pode mandar uma?
Frank não estava certo de ter ouvido corretamente.
— Mensagem de Íris?
— Sim... — Percy vacilou. — Não é algo que você faz?
Íris estudou Percy mais de perto.
— Interessante. Você é do Acampamento Júpiter, e ainda assim... Oh, eu vejo. Juno está com os seus truques.
— O quê? — perguntou Hazel.
Íris olhou para a sua assistente Fleecy. Elas pareciam ter uma conversa silenciosa. Então a deusa puxou um frasco de trás do balcão e espalhou óleo com cheiro de madressilva ao redor do rosto de Percy.
— Pronto, isso deve balancear o seu chakra. E quanto às mensagens de Íris... é uma forma antiga de comunicação. Os gregos a usavam. Os romanos nunca as tomaram para eles – sempre confiando nos seus sistemas de estradas, águias gigantes e outras coisas. Mas sim... Fleecy, você poderia tentar?
 — Claro, chefe!
Íris piscou para Frank.
— Não conte aos outros deuses, mas Fleecy gerencia a maioria das minhas mensagens hoje em dia. Ela é excelente nisso, realmente, e não tenho tempo de atender todos os pedidos pessoalmente. Isso bagunça o meu wa.
— O seu wa?
— Humm. Fleecy, porque você não leva Percy e Hazel para os fundos? Você pode dar algo para eles comerem enquanto arranja suas mensagens. E para Percy... sim, doença da memória. Imagino que aquele velho Polybotes... bem, encontrá-lo em um estado de amnésia não pode ser bom para uma criança de P... quero dizer, Netuno. Fleecy, dê a ele um chá verde com mel orgânico e gérmen de trigo, e um pouco do meu pó medicinal número cinco. Isso deve consertá-lo.
Hazel franziu a testa.
— E Frank?
Íris se virou para ele. Ela inclinou a sua cabeça intrigada, da mesma forma que sua mãe fazia – como se Frank fosse a maior incógnita na sala.
— Oh, não se preocupe — disse Íris. — Frank e eu temos muito que falar.

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