quinta-feira, 17 de outubro de 2013

XVII - Annabeth






ANNABETH ESTAVA TENTANDO ANIMAR HAZEL, alegrá-la com grandes momentos do Percy Cabeça de Alga, quando Frank tropeçou no corredor e algo explodiu em sua cabine.
— Onde está o Leo? — ele engasgou. — Decole! Decole!
As garotas levantaram rapidamente.
— Onde está o Percy? — Annabeth exigiu. — E o treinador?
Frank se dobrou, colocando as mãos nos joelhos, tentando respirar. Suas roupas estavam duras e úmidas, como se tivessem sido cobertas com amido puro.
— No convés. Eles estão bem. Estamos sendo seguidos!
Annabeth passou por ele e subiu as escadas de três em três degraus, Hazel logo atrás dela e Frank à direita respirando forte, ainda com falta de ar. Percy e Hedge estavam no convés, parecendo exaustos. Hedge havia perdido seus sapatos. Ele sorriu para o céu e murmurava “Ótimo. Simplesmente ótimo”. Percy estava coberto de cortes e arranhões, como se tivesse saltado por uma janela. Ele não disse nada, mas agarrou a mão de Annabeth fracamente, como se dissesse, estou com você, mesmo se o mundo acabar.
Leo, Piper e Jason, que tinham comido no refeitório, vieram correndo pelas escadas.
— O quê? O quê? — Leo gritou, segurando um sanduíche de queijo grelhado meio comido. — Não é possível nem mesmo dar uma pausa para o almoço? O que há de errado?
— Estamos sendo seguidos! — Frank gritou novamente.
— Seguidos por quem? — Jason perguntou.
— Eu não sei! — Frank ofegou. — As baleias? Monstros do mar? Talvez Kate e Porky!
Annabeth queria estrangular o cara, mas ela não tinha certeza de que suas mãos se encaixariam em torno de seu pescoço grosso.
— Isso não faz nenhum sentido. Leo, é melhor você tirar a gente daqui.
Leo colocou o sanduíche entre os dentes e correu para o leme.
Logo o Argo II estava subindo para o céu. Annabeth dirigiu-se à popa. Ela não via nenhum sinal de perseguição por baleias ou de qualquer outra “coisa”, mas Percy, Frank e Hedge não se recuperaram até Atlanta ser uma mancha nebulosa bem longe deles.
— Charleston — disse Percy, mancando em torno da plataforma como um homem velho. Ele ainda parecia muito abalado. — Defina destino para Charleston.
— Charleston? — Jason disse o nome como se trouxesse lembranças ruins. — O que exatamente você encontrou em Atlanta?
Frank abriu a mochila e começou a pegar alguns suprimentos.
— Alguns pêssegos em conserva. Um par de camisetas. Um globo de neve. E, hum, as algemas não realmente chinesas.
Annabeth se obrigou a permanecer calma.
— Que tal você começar do início da história e não do que tem na mochila?
Eles se reuniram no tombadilho para que Leo pudesse ouvir a conversa enquanto navegava. Percy e Frank se revezavam relatando o que tinha acontecido no Aquário da Geórgia, com o treinador Hedge intervindo de vez em quando: “Isso foi incrível!” ou “Então eu chutei a cabeça dela!”. Pelo menos o treinador parecia ter esquecido sobre Percy e Annabeth dormirem juntos na noite anterior. Mas a julgar pela história de Percy, Annabeth tinha problemas piores para se preocupar do que ficar de castigo.
Quando Percy explicou sobre as criaturas marinhas em cativeiro no aquário, ela entendeu porque ele parecia tão chateado.
— Isso é terrível — disse ela. — Nós precisamos ajudá-los.
— Nós vamos — Percy prometeu. — Tudo no seu tempo. Mas tenho que descobrir como. Eu queria... — ele balançou a cabeça. — Não importa. Primeiro temos que lidar com este prêmio por nossas cabeças.
O Treinador Hedge tinha perdido o interesse na conversa, provavelmente porque não era mais sobre ele e vagou em direção à proa do navio, praticando chutes e se gabando pela sua técnica.
Annabeth agarrou o punho de sua adaga.
— Uma recompensa por nossas cabeças... Como se nós não atraíssemos monstros o suficiente.
— Será que temos cartazes de PROCURADOS? — Leo perguntou. — E eles têm nossas fotos, descriminados em uma lista de preços?
Hazel torceu o nariz.
— O que você está falando?
— Só curioso quanto eu estou valendo para esses dias — disse Leo. — Quer dizer, não sou tão valioso quanto Percy ou Jason, talvez... Mas acho que valho algo como dois Franks ou três...
— Hey! — Frank reclamou.
— Parem com isso — disse Annabeth ordenou. — Pelo menos sabemos que o nosso próximo passo é ir a Charleston, para encontrar este mapa.
Piper encostou-se no painel de controle. Ela tinha feito a trança com penas brancas hoje, que combinavam bem com o cabelo castanho-escuro. Annabeth se perguntou como ela encontrou tempo. Annabeth mal conseguia se lembrar de escovar os cabelos.
— Um mapa — disse Piper. — Mas um mapa com o quê?
— A Marca de Atena — Percy olhou com cautela para Annabeth, como se estivesse com medo que ele houvesse ultrapassado o limite.
Ela fez uma cara que demonstrava fortemente a expressão Eu não quero falar sobre isso.
— Seja lá o que for — continuou ele. — Nós sabemos que nos leva a algo importante em Roma, algo que pode parar a guerra entre os romanos e gregos.
— A ruína dos gigantes — Hazel acrescentou.
Percy assentiu.
— E no meu sonho, os gigantes gêmeos disseram algo sobre a estátua.
— Hum... — Frank revirou as algemas não chinesas entre os dedos. — Segundo Fórcis, nós teríamos que estar loucos para tentar encontrá-la. Mas o que ela é?
Todos olharam para Annabeth. Seu couro cabeludo formigava, como se os pensamentos em seu cérebro estivessem agitando para sair: uma estátua... Atena... Gregos e romanos, seus pesadelos e sua discussão com sua mãe. Ela viu como as peças foram se unindo, mas não podia acreditar que era verdade. A resposta era muito grande, muito importante e muito assustadora.
Ela percebeu Jason estudando-a, como se soubesse exatamente o que ela estava pensando e não gostasse mais do que ela. Mais uma vez, ela não pôde evitar de se perguntar: Por que esse cara me deixa tão nervosa? Ele realmente está do meu lado? Ou talvez fosse sua mãe...
— E-eu estou perto de uma resposta — disse ela. — Saberei mais se encontrarmos esse mapa. Jason, do jeito que você reagiu ao nome Charleston... Você já esteve lá antes?
Jason pareceu inquieto para Piper, embora Annabeth não soubesse por que.
— Sim — ele admitiu. — Reyna e eu realizamos uma missão há cerca de um ano atrás. Nós estávamos resgatando armas de ouro imperial do C.S.S. Hunley.
— O que? — Piper perguntou.
— Uau! — Leo disse. — Esse é o primeiro submarino militar, da Guerra Civil. Eu sempre quis vê-lo.
— Ele foi projetado por semideuses romanos — disse Jason. — Eles construíram um esconderijo secreto de torpedos de ouro imperial... Ate nós o descobrirmos e levarmos de volta ao Acampamento Júpiter.
Hazel cruzou os braços.
— Então os romanos lutaram ao lado dos confederados? Como uma menina cuja avó era escrava, eu posso dizer... Nada legal?
Jason colocou as mãos na frente dele, com as palmas para cima.
— Eu, pessoalmente, não estava vivo então... E não era todos os gregos de um lado e todos os romanos do outro. Mas, sim. Não é legal. Às vezes semideuses fazem escolhas ruins — ele olhou timidamente para Hazel. — Como, às vezes, somos muito suspeitos. E falamos sem pensar.
Hazel o encarou. Lentamente, ela percebeu que ele estava se desculpando. Jason deu uma cotovelada em Leo.
— Ai! — Leo gritou — quero dizer, sim... Más escolhas. Como não confiar nas pessoas que, você sabe, que talvez devam ser salvas. Hipoteticamente falando.
Hazel apertou os lábios.
— Tudo bem. Voltando para Charleston. Você está dizendo que devemos verificar aquele submarino de novo?
Jason deu de ombros.
— Bem... Posso pensar apenas em dois lugares em Charleston que podemos procurar. O museu onde eles guardam o Hunley é um deles. Tem um monte de relíquias da Guerra Civil. O mapa pode estar escondido em um deles. Eu sei como é o lugar. Poderia levar uma equipe para dentro.
— Eu vou — disse Leo. — Isso parece legal.
Jason assentiu. Ele virou-se para Frank, que estava tentando puxar os dedos para fora das algemas chinesas.
— Você deve vir também, Frank. Podemos precisar de você.
Frank ficou surpreso.
— Por quê? Não é como se eu tivesse ido bem no aquário.
— Você se saiu bem — Percy assegurou. — Foi preciso nós três para quebrar o vidro.
— Além disso, você é um filho de Marte — disse Jason. — Os fantasmas confederados derrotados são obrigados a atendê-lo. E o museu em Charleston tem muitos fantasmas confederados. Vamos precisar de você para mantê-los na linha.
Frank engoliu em seco. Annabeth tinha se lembrado do comentário do Percy sobre Frank ter se transformando em um peixinho dourado gigante e ela resistiu à vontade de sorrir. Ela nunca seria capaz de olhar para o cara grande novamente sem vê-lo como uma carpa.
— Ok — Frank cedeu. — Claro — ele franziu a testa para os dedos, tentando puxá-los para fora da armadilha. — Uh, como você...?
Leo riu.
— Cara, você nunca viu isso antes? Há um truque simples para sair.
Frank puxou novamente sem sorte. Mesmo Hazel estava tentando não rir.
Frank fez uma careta de concentração. De repente, ele desapareceu. No convés, onde ele estava em pé, uma iguana verde estava ao lado de um conjunto vazio de algemas chinesas.
— Muito bem, Frank Zhang — Leo disse secamente, fazendo a sua expressão de Quíron, o centauro. — Esse é exatamente o modo como as pessoas devem sair de algemas chinesas. Elas se transformam em iguanas.
Todo mundo começou a rir. Frank voltou para humano, pegou as algemas e as jogou na mochila. Ele deu um sorriso envergonhado.
— De qualquer forma — disse Frank, claramente ansioso para mudar de assunto — o museu é um lugar para procurar. Mas, uh, Jason, você disse que havia dois?
O sorriso de Jason desapareceu. O que quer que ele estava pensando, Annabeth poderia dizer que não era agradável.
— Sim — ele disse. — O outro lugar é chamado a Bateria... que é um parque perto do porto. A última vez que estive lá... com Reyna... — Ele olhou para Piper, em seguida, desviou o olhar. — Nós vimos algo no parque. Um fantasma ou algum tipo de espírito, com uma roupa de baile sulista da Guerra Civil, brilhante e flutuando. Nós tentamos abordá-lo, mas ele desapareceu assim que chegamos perto. Então Reyna teve uma sensação... Ela disse que deveria tentar sozinha. Talvez o fantasma falasse apenas com garotas. Ela foi até o espírito sozinha e, com certeza, ele falou com ela.
Todos esperavam.
— O que ele disse? — Annabeth perguntou.
— Reyna não quis me dizer — Jason admitiu. — Mas deve ter sido importante. Ela parecia... Abalada. Talvez tenha falado uma profecia ou dado más notícias. Reyna nunca agiu do mesmo jeito comigo depois disso.
Annabeth considerou isso. Depois de sua experiência com os eidolons, não gostou da ideia de se aproximar de um fantasma, especialmente um que mudava as pessoas com más notícias ou profecias. Por outro lado, sua mãe era a deusa do conhecimento e o conhecimento é a mais poderosa arma que existe. Annabeth não podia recusar uma possível fonte de informações.
— Uma aventura das meninas, então — Annabeth disse. — Piper e Hazel podem vir comigo.
Ambas assentiram, embora Hazel parecesse nervosa. Sem dúvida, seu tempo no Mundo Inferior havia dado a ela encontro com fantasmas suficientes para duas vidas. Os olhos de Piper brilhavam desafiadoramente, como se pensasse que qualquer coisa que Reyna tivesse feito, ela poderia lidar.
Annabeth percebeu que, se seis deles iriam sair nessas duas missões, isso deixaria Percy sozinho no navio com o Treinador Hedge, o que não talvez fosse uma situação em que uma namorada deve deixar seu namorado. Por dentro, ela não estava nada ansiosa para deixar Percy fora de sua vista de novo – não depois de terem sido separados por muitos meses. Por outro lado, Percy parecia tão perturbado por sua experiência com as criaturas do mar, ela pensou que talvez ele pudesse precisar de um descanso. Encontrou seus olhos, fazendo-lhe uma pergunta silenciosa. Ele acenou com a cabeça como que dissesse sim, vou ficar bem.
— Então está resolvido — Annabeth se virou para Leo, que estava estudando seu console, ouvindo Festus ranger e clicar no interfone. — Leo, quanto tempo até chegar a Charleston?
— Boa pergunta — ele murmurou. — Festus está detectando um grande grupo de águias atrás de nós, bem longe de acordo com o radar e ainda não estão à vista.
Piper se inclinou sobre o console.
— Você tem certeza que eles são romanos?
Leo revirou os olhos.
— Não, Pipes. Poderia ser um grupo aleatório de águias gigantes voando em perfeita formação. Claro que são romanos! Suponho que poderíamos virar o navio e lutar.
— O que seria uma ideia muito ruim — Jason disse — e removeria qualquer dúvida de que somos inimigos de Roma.
— Ou eu tenho outra ideia — Leo disse. — Se fomos direto para Charleston, estaremos lá em algumas horas. Mas as águias podem nos alcançar, e as coisas ficariam complicadas. Em vez disso, nós poderíamos fazer um chamariz para enganar as águias. Tomamos um desvio, vamos pelo caminho mais longo para Charleston e chegar lá amanhã de manhã.
Hazel começou a protestar, mas Leo levantou a mão.
— Eu sei, eu sei. Nico está com problemas e nós temos que nos apressar.
— É vinte sete de junho — disse Hazel. — Depois de hoje, mais quatro dias. E então ele morre.
— Eu sei! Mas isto pode desviar os romanos para fora de nosso caminho. Nós ainda devemos ter tempo suficiente para chegar a Roma.
Hazel fez uma careta.
— Quando você diz que deve ter o suficiente...
Leo deu de ombros.
— O que você entende por apenas o suficiente?
Hazel colocou seu rosto entre as mãos .
— Parece típico para nós.
Annabeth decidiu tomar isso como uma luz verde.
— Certo, Leo. Que tipo de chamariz você está falando?
— Estou tão feliz que tenha perguntado! — Ele apertou alguns botões no console, rodando o gira-discos e repetidamente pressionando o botão A no seu controlador Wii muito, muito rápido. Ele chamou para o interfone — Buford? Se apresentar a serviço, por favor.
Frank deu um passo para trás.
— Há alguém no navio? Quem é Buford?
Uma nuvem de vapor saiu da escada e mesa automática de Leo subiu ao convés. Annabeth não tinha visto muito Buford durante a viagem. Ele praticamente havia se hospedado na casa de máquinas. (Leo insistiu que Buford tinha uma paixão secreta pelo motor.) Era uma mesa de três pernas com um topo de mogno. Sua base de bronze possuía várias gavetas, engrenagens girando e um conjunto de saídas de vapor. Buford carregava um saco como aqueles de correio amarrado a uma de suas pernas. Ele caiu no leme e fez um som como um apito de trem.
— Este é Buford — Leo anunciou.
— Você nomeia seus móveis? — Frank perguntou.
Leo bufou.
— Cara, você gostaria de ter móveis legais. Buford, você está pronto para a Operação Fim da Mesa?
Buford vomitou vapor. Seu topo de mogno dividiu-se em quatro fatias de pizza, que alongaram em lâminas de madeira. As lâminas giraram e Buford decolou.
— Uma mesa helicóptero — Percy murmurou. — Tenho que admitir, isso é legal. O que tem no saco?
— Roupas de semideuses sujas — disse Leo. — E espero que você não se importe, Frank.
Frank engasgou.
— O quê?
— Ele vai desviar as águias para fora de nosso encalço.
— Eram minhas únicas calças extras!
Leo deu de ombros.
— Eu pedi a Buford para deixá-las lavadas e dobradas, enquanto estava fora. Esperamos que elas fiquem bem — ele esfregou as mãos e sorriu. — Bem! Eu chamo isso de um dia de trabalho tranquilo. Vou calcular nossa rota de desvio agora. Vejo todos vocês no jantar!

Percy dormiu cedo, o que deixou Annabeth sem nada para fazer à noite, exceto verificar seu computador. Ela trouxe o laptop de Dédalo, é claro. Dois anos atrás, tinha herdado a máquina do maior inventor de todos os tempos e estava carregada com ideias de invenção, esquemas e diagramas, a maioria dos quais Annabeth ainda estava tentando desvendar.
Depois de dois anos, um laptop típico estaria ultrapassado, mas Annabeth percebeu que a máquina de Dédalo ainda era cerca de 50 anos a frente de seu tempo. Ele poderia se expandir em um laptop de tamanho completo, encolher em um tablet ou se dobrar em um quadrado de metal menor que um telefone celular. Ele respondia mais rápido do que qualquer computador que ela já tinha visto, poderia acessar satélites ou a TV Hefesto, transmitida a partir do Monte Olimpo, e usar programas customizados que poderiam fazer praticamente qualquer coisa, exceto amarrar cadarços. Poderia existir algum aplicativo para isso também, mas Annabeth ainda não havia encontrado.
Ela sentou em sua cama, usando um dos programas 3D – a renderização de Dédalo para estudar um modelo do Partenon em Atenas. Ela sempre desejou visitá-lo, tanto porque amava arquitetura quanto porque era o templo mais famoso de sua mãe. Agora ela podia realizar seu desejo, se vivesse tempo suficiente para chegar a Grécia. Mas quanto mais pensava sobre a Marca de Atena, e as velhas lendas romanas que Reyna havia mencionado, mais nervosa ficava.
Ela não queria, mas recordou a discussão com sua mãe. Mesmo depois de tantas semanas, as palavras ainda voltavam para sua cabeça.
Annabeth se via andando de metrô de volta do Upper East Side depois de visitar a mãe de Percy. Durante esses longos meses quando Percy estava sumido, Annabeth fez a viagem pelo menos uma vez por mês para dar a Sally Jackson e seu marido Paul uma atualização sobre a busca e em parte porque Annabeth e Sally eram necessárias uma para a outra para levantar o astral e se convencerem de que Percy estava bem.
A primavera tinha sido especialmente difícil. Até então, Annabeth tinha razões para esperar que Percy estivesse vivo, já que o plano de Hera parecia envolver mandá-lo para o lado romano, mas ela não poderia ter certeza de onde ele estava. Jason tinha lembrado o local de seu acampamento, mais ou menos, mas todas as mágicas dos gregos – mesmo os campistas do chalé de Hécate – não podiam confirmar se Percy estava lá ou em qualquer outro lugar. Ele parecia ter desaparecido do planeta. Rachel, a oráculo, tentou ler o futuro, e mesmo ela não conseguia ver muito, mas estava certa de que Leo precisava terminar o Argo II antes que eles fizessem contato com os romanos.
No entanto, Annabeth passou cada momento livre vasculhando todas as fontes de quaisquer rumores de que Percy estivesse vivo. Ela havia conversado com os espíritos da natureza, leu lendas sobre Roma, se debruçado em busca de pistas sobre o laptop de Dédalo e gasto centenas de dracmas de ouro para Íris para enviar mensagens para cada espírito amigável, semideus ou monstro que já tivesse conhecido, tudo em vão.
Naquela tarde, voltando da casa de Sally, Annabeth se sentiu ainda mais drenada do que o habitual. Ela e Sally pela primeira vez choraram e tentaram ter esperanças juntas, mas seus nervos estavam desgastados. Finalmente Annabeth pegou a Lexington Avenue até a Grande Estação Central do metrô.
Havia outras maneiras de voltar para seu dormitório do ensino médio a partir do Upper East Side, contudo Annabeth gostava de ir através da Grande Estação Central. O belo design era um espaço aberto e lembrava o Monte Olimpo. Grandes edifícios a faziam sentir-se melhor – talvez porque estar em um lugar tão permanente fazia ela sentir-se mais permanente.
Ela tinha acabado de passar pela Doce América, a confeitaria onde a mãe de Percy costumava trabalhar e estava pensando em ir para dentro para comprar alguns doces azuis pelos velhos tempos, quando viu Atena estudar o mapa do metrô na parede.
— Mãe! — Annabeth não podia acreditar.
Ela não tinha visto sua mãe em meses, não desde que Zeus tinha fechado as portas do Olimpo e fora proibida toda a comunicação com semideuses.
Muitas vezes, Annabeth tentou chamar sua mãe de qualquer maneira, pedindo orientação, tentando o envio de oferendas em cada refeição no acampamento. Mas ela não tinha resposta. E aqui estava Atena, vestida de jeans e botas de caminhada e uma camisa de flanela vermelha, seu cabelo escuro caindo em cascata sobre os ombros. Ela segurava uma mochila e um cajado como se estivesse preparada para uma longa viagem.
— Tenho que voltar para casa — Atena murmurou, estudando o mapa. — O caminho é complexo. Queria que Ulisses estivesse aqui. Ele iria entender.
— Mãe! — Annabeth disse. — Atena!
A deusa virou. Ela parecia olhar através Annabeth sem reconhecimento.
— Esse foi o meu nome — disse a deusa com ar sonhador. — Antes que eles saqueassem minha cidade, pegassem a minha identidade e me fizessem isto — ela olhou para suas roupas com desgosto. — Eu tenho que voltar para casa.
Annabeth recuou em choque.
— Você é... você é Minerva?
— Não me chame assim! — Os olhos cinzentos da deusa queimavam com raiva. — Eu costumava carregar uma lança e um escudo. Segurei a vitória na palma da minha mão. Eu era muito mais do que isso.
— Mamãe — A voz de Annabeth tremia. — Sou a Annabeth. Sua filha.
— Minha filha... — Atena repetiu. — Sim, meus filhos vão me vingar. Eles devem destruir os romanos. Os horríveis, desonrosos, imitadores romanos. Hera argumentou que é preciso manter os dois Acampamentos separados. Eu disse: Não, deixe-os lutar. Deixe meus filhos destruir os usurpadores.
Os batimentos cardíacos de Annabeth bateram em seus ouvidos.
— Você queria isso? Mas você é sábia. Deveria entender melhor do que qualquer um.
— Uma vez! — disse a deusa — Realocada. Saqueada. Pilhada como um troféu e levada para longe da minha pátria amada. Eu perdi tanto. Jurei que nunca iria perdoar. Nem meus filhos perdoariam — ela se concentrou mais de perto sobre Annabeth. — Você é minha filha?
— Sim.
A deusa pescou algo do bolso de sua camisa – uma velha ficha antiga de metrô – e pressionou na mão de Annabeth.
— Siga a Marca de Atena — a deusa disse. — Vingue-me.
Annabeth olhou para a moeda. Enquanto a observava, ela mudou de uma ficha de metrô de Nova York para um antigo dracma de prata, do tipo usado pelos atenienses. Ela tinha uma coruja, animal sagrado de Atena, com um ramo de oliveira de um lado e uma inscrição em grego no outro.
A Marca de Atena.
Na época, Annabeth não tinha ideia o que isso significava. Ela não entendia por que sua mãe estava agindo assim. Minerva ou não, não deveria ser tão confusa.
— Mamãe... — ela tentou fazer o seu tom tão razoável quanto possível. — Percy está sumido. Preciso da sua ajuda — ela começou a explicar o plano de Hera para os unir os dois acampamentos para batalhar em conjunto para derrotar Gaia e os gigantes, mas a deusa bateu o cajado contra o chão de mármore.
— Nunca! — disse. — Qualquer um que ajuda Roma deve perecer. Se você se juntar a eles, não será uma filha minha. Você terá falhado comigo.
— Mãe!
— Eu não me importo sobre este Percy. Se ele passou para o lado dos romanos, que ele pereça. Mate-o. Mate todos os romanos. Encontre a Marca, siga até sua fonte. Testemunhe como Roma desonrou a mim e prometa a sua vingança.
— Atena não é a deusa da vingança — Annabeth enfiava as unhas nas palmas da mão. A moeda de prata parecia crescer e ficar cada vez mais quente em sua mão. — Percy é tudo para mim.
— E a vingança é tudo para mim — a deusa rosnou. — Qual de nós é mais sábia?
— Algo está errado com você. O que aconteceu?
— Roma aconteceu! — A deusa disse amargamente. — Veja o que eles fizeram, fazendo de mim uma romana. Eles querem que eu seja sua deusa? Então, deixe-os provar seu próprio mal. Mate-os, criança.
— Não!
— Então, você não é nada — a deusa virou-se para o mapa do metrô. Sua expressão se suavizou, tornando-se confusa e sem foco. — Se eu pudesse encontrar o caminho... O caminho de casa, então talvez... Mas, não. Vingue-me ou deixe-me. Você não é minha filha.
Os olhos de Annabeth piscaram. Pensou em mil coisas horríveis que queria dizer, mas não conseguiu. Ela virou-se e fugiu. Tentou jogar fora a moeda de prata, mas ela simplesmente reaparecia em seu bolso, da mesma forma que Contracorrente fazia com Percy. Infelizmente, o dracma de Annabeth não tinha poderes mágicos, pelo menos, em nada de útil. Só deu pesadelos e não importava o que fizesse, não conseguia se livrar do dracma.
Agora, sentado em sua cabine a bordo da Argo II, podia sentir a moeda ficar quente em seu bolso. Ela olhou para o modelo do Partenon na tela do computador e pensou na conversa com Atena. Frases que tinha ouvido ao longo dos últimos dias rodaram em sua cabeça: Amiga talentosa, pronta para sua visitante. Ninguém vai recuperar a estátua. A filha da sabedoria caminha solitária.
Ela estava com medo de que finalmente tivesse entendido o que aquilo significava. Rezou aos deuses para que estivesse errada.
Uma batida na porta a fez saltar.
Ela esperava que pudesse ser Percy, mas em vez disso Frank Zhang colocou a cabeça dentro da cabine.
— Hum, desculpe — disse ele. — Eu poderia...?
Ela estava tão assustada em vê-lo, que levou um bom tempo para perceber que ele queria entrar.
— Claro — ela respondeu. — Sim.
Ele entrou, olhando ao redor da cabine. Não havia muito para ver. Na sua mesa havia uma pilha de livros, jornais, uma caneta e um retrato de seu pai pilotando seu avião biplano Sopwith Camel, sorrindo ao fazer um joia com a mão. Annabeth gostava dessa foto. Ela se lembrava do tempo que ela tinha se sentido mais próxima a ele, quando ele acabou com um exército de monstros usando uma metralhadora de balas de Bronze Celestial só para protegê-la – o melhor presente que uma garota poderia esperar.
Pendurado em um gancho na parede estava o seu boné dos Yankees de Nova York, seu mais precioso presente de sua mãe. Uma vez que colocado, tinha o poder de deixar a pessoa completamente invisível. Desde a conversa de Annabeth com Atena, o boné tinha perdido sua magia. Annabeth não sabia por que, mas teimosamente trouxe junto na missão. Todas as manhãs ela o experimentava, esperando que ele fosse funcionar de novo. Até agora, ele só havia servido como um lembrete da ira de sua mãe. Tirando isso, sua cabine estava vazia. Ela manteve-a limpa e simples, o que a ajudava a pensar.
Percy não entendia porque ela sempre conseguia excelentes notas, já que como a maioria dos semideuses, ela tinha TDAH. Quando havia muitas distrações em seu espaço pessoal, não era capaz de se focar.
— Então... Frank — ela se aventurou. — O que posso fazer por você?
Entre todos no navio, Frank era quem ela pensava que tinha menos propensão a fazer uma visita. Ela não se sentiu menos confusa quando ele corou e puxou as algemas chinesas para fora de seu bolso.
— Eu não gosto de estar no escuro sobre isso — ele murmurou. — Você poderia me mostrar o truque? Eu não me sinto confortável pedindo para qualquer outra pessoa.
Annabeth processou suas palavras com um ligeiro atraso. Espera... Frank estava pedindo ajuda a ela? Em seguida, ocorreu-lhe: claro, Frank estava envergonhado. Leo tinha sido muito rígido. Ninguém gostava de ser motivo de chacota. Com uma expressão determinada, Frank parecia dizer que não queria que isso acontecesse novamente. Ele queria entender o quebra-cabeça, sem a solução da iguana.
Annabeth se sentiu estranhamente honrada. Frank confiava que ela não iria tirar sarro dele. Além disso, ela tinha um fraco por alguém que estava em busca de conhecimento, até mesmo sobre algo tão simples como algemas chinesas.
Ela deu uma tapinha na cama ao lado dela.
— Claro. Sente-se.
Frank sentou-se na beira do colchão, como se estivesse se preparando para uma fuga rápida. Annabeth pegou o par de algemas chinesas e os prendeu ao lado de seu computador.
Ela fez uma varredura de infravermelho da chave. Poucos segundos depois, ela tinha um modelo 3D das algemas chinesas e elas apareceram na tela. Ela virou o laptop para que Frank pudesse ver.
— Como você fez isso? — Frank ficou maravilhado.
— Tecnologia grega antiga de ponta — disse ela. — Ok, olhe. A estrutura é uma trança biaxial cilíndrico, por isso tem excelente resistência — ela manipulou a imagem para que fosse espremida dentro e fora como um acordeão. — Quando você colocar os dedos dentro, ele solta. Mas quando você tentar removê-los, a circunferência encolhe a trança que prende e aperta. Não há nenhuma maneira que você possa puxar sem dificuldades.
Frank olhou para ela sem entender.
— Mas qual é a resposta?
— Bem... — ela mostrou-lhe alguns de seus cálculos, como as algemas poderiam resistir rasgando sob uma grande tensão, dependendo do material utilizado na trança — Surpreendente para uma estrutura de tecido, certo? Médicos os usam para tração e empreiteiros elétricos...
— Uh, mas a resposta?
Annabeth riu.
— Você não luta contra as algemas. Você aperta os dedos para dentro, não para fora. Soltando a trança.
— Oh — Frank tentou. Funcionou. — Obrigado, mas... Você não poderia ter me mostrado apenas na primeira vez, sem o programa 3D e os cálculos?
Annabeth hesitou. Às vezes, a sabedoria vem de lugares estranhos, mesmo de um peixinho adolescente gigante.
— Acho que você está certo. Isso foi bobagem. Aprendi algumas coisas também.
Frank tentou as algemas novamente.
— É fácil quando você sabe a solução.
— Muitas das melhores armadilhas são simples — disse Annabeth. — Você só tem que saber sobre ela e esperar que a sua vítima não saiba.
Frank assentiu. Ele parecia relutante em sair.
— Você sabe — Annabeth disse — Leo não tem a intenção de ser mau. Ele só tem uma boca grande. Quando pessoas o deixam nervoso, ele usa o humor como uma defesa.
Frank fez uma careta.
— Por que eu iria deixá-lo nervoso?
— Você é o dobro de seu tamanho. Pode se transformar em um dragão. — E Hazel gosta de você, Annabeth pensou, mas acabou não dizendo isso.
Frank não parecia convencido.
— Leo pode convocar fogo — ele torceu as algemas. — Annabeth... Em algum outro momento, talvez você poderia me ajudar com um outro problema que não é assim tão simples? Eu tenho... acho que você diria que é um calcanhar de Aquiles.
Annabeth sentia que ela tinha acabado de tomar um copo de chocolate quente romano. Nunca tinha realmente entendido o termo quente e aconchegante, mas Frank lhe deu essa sensação. Ele era apenas um grande urso de pelúcia. Podia ver por que Hazel gostava dele.
— Eu ficaria feliz — ela disse. — Alguém sabe sobre este Calcanhar de Aquiles?
— Percy e Hazel. É isso. Percy... Ele é um cara muito bom. Eu o seguiria em qualquer lugar. Pensei que você deveria saber.
Annabeth acariciou seu braço.
— Percy tem um talento especial para escolher bons amigos. Gosto de você. Mas, Frank, você pode confiar em todos neste navio. Mesmo Leo. Nós somos todos uma equipe. Temos de confiar um no outro.
— S-sim suponho.
— Então, qual é a fraqueza que você está preocupado?
O sino soou o jantar e Frank pulou.
— Talvez... talvez mais tarde — disse ele. — É difícil de falar. Mas muito obrigado, Annabeth — ele levantou as algemas chinesas. — Mantenha a simplicidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário