quinta-feira, 17 de outubro de 2013

XXXVII - Leo






LEO DESEJOU QUE NÃO FOSSE TÃO BOM.
Realmente, às vezes isso era embaraçoso. Se ele não fosse tão bom em coisas mecânicas, talvez não tivessem achado a rampa secreta, nem se perdido no subterrâneo, sendo atacados por caras metálicos. Mas ele não se conteve. Parte daquilo era culpa de Hazel. Para uma garota com sentidos subterrâneos tão incríveis, ela não era muito boa em Roma. Continuou levando-os ao redor da cidade, deixando-os tontos e andando em círculos.
— Desculpa — ela dissera. — É só que... Há tantos túneis aqui, tantas camadas, é esmagador. É como ouvir uma orquestra ao seu redor e tentar se concentrar em um único instrumento. Você fica desorientado.
Como resultado, eles tiveram um tour completo de Roma. Frank parecia feliz de andar calmamente como um cão pastor (Hmm. Leo pensou se ele poderia se transformar assim, ou até melhor: Frank virar um cavalo em que ele poderia montar). Mas ele começou a ficar impaciente. Seus pés estavam doloridos, o dia estava ensolarado e quente e as ruas estavam lotadas de turistas.
O Fórum era normal, mas estava na maior parte em ruínas cobertas de arbustos e árvores. Foi preciso muita imaginação para vê-lo como o movimentado centro da Antiga Roma. Leo só conseguiu imaginá-lo desse jeito porque ele havia visto Nova Roma na Califórnia.
Eles passaram por grandes igrejas, arcos da independência, lojas de roupa e restaurantes de fast-food. Uma estátua de algum romano da Antiguidade parecia estar apontando para um McDonald‘s perto dali.
Nas ruas mais largas, o trânsito era completamente louco – cara, Leo pensava que as pessoas de Houston dirigiam como loucas – mas eles passavam a maior parte de seu tempo passando por pequenas vielas, fontes e cafés onde Leo não fora autorizado a descansar.
— Eu nunca imaginei que veria Roma — Hazel falou. — Quando eu estava viva, digo, pela primeira vez, Mussolini estava no comando. Estávamos em guerra.
— Mussolini? — Leo franziu o cenho. — Ele não era como um melhor amigo do Hitler?
Hazel encarou-o como se ele fosse um alien.
— Melhores amigos? Nunca. E eu amaria ver a Fontana de Trevi — ela falou.
— Tem fontes por todo o lado — Leo resmungou.
— Ou a Praça de Espanha — disse Hazel.
— Por que você iria à Itália para ver Praças da Espanha? — Leo perguntou. — É como ir para a China comer comida Mexicana, não?
— Você não tem jeito — Hazel reclamou.
— Já me disseram isso.
Ela virou para Frank e segurou sua mão, como se Leo não estivesse ali.
— Vamos. Acho que devíamos ir por aqui.
Frank sorriu para Leo de um jeito confuso, como se ele não conseguisse decidir entre se vangloriar ou agradecer por Leo ser um idiota – e deixou Hazel calmamente o levar.
Depois de andar muito, Hazel parou na frente de uma igreja. Pelo menos, Leo pensou que fosse uma igreja. A seção principal tinha um grande teto abobadado. A entrada tinha teto triangular, típicas colunas romanas e uma inscrição em seu topo: M. AGRIPPA ou algo assim.
— É latim para Pegue uma carona? — Leo especulou.
— Essa é nossa melhor aposta — Hazel soou como se estivesse mais confiante do que esteve no resto do dia. — Deve ter uma passagem secreta em qualquer lugar por aqui.
Grupos de turistas circulavam os degraus. Guias levantavam cartazes coloridos com números diferentes e falavam em dezenas de línguas como se estivessem jogando algum tipo de bingo internacional. Leo ouviu o guia turístico espanhol por alguns segundos e então reportou as informações para seus amigos:
— Esse é o Panteão. Ele foi originalmente construído por Marcus Agrippa como um templo para os deuses. Depois de ser queimado, o Imperador Adriano reconstruiu-o e está aí por dois mil anos. É uma das mais bem preservadas construções romanas no mundo.
Frank e Hazel olharam para ele.
— Como você sabe disso tudo? — Hazel perguntou.
— Eu sou brilhante.
— Cocô de centauro — Frank disse. — Ele escutou um dos guias de turismo.
Leo sorriu ironicamente.
— Talvez. Vamos. Vamos achar essa passagem secreta. Espero que esse lugar tenha ar condicionado.

É claro, sem ar condicionado.
Porém, pelo menos, não existia nenhum tipo de bloqueio ou ticket para entrar, então eles simplesmente atravessaram as escadas e passaram pelo grupo de turistas, entrando no prédio.
O interior era impressionante, considerando que havia sido construído dois mil anos atrás. O chão de marfim fora construído com quadrados e círculos como um jogo da velha romano. O salão principal era uma enorme câmara com uma rotunda circular, como o edifício do Capitólio, nos Estados Unidos. Revestindo as paredes estavam diferentes altares, estátuas e tumbas, coisas assim. Mas o que chamava atenção era a abertura circular no topo. Um feixe de luz inclinado para a rotunda brilhava no chão, como se Zeus estivesse ali queimando seres humanos insignificantes com uma lupa.
Leo não era arquiteto como Annabeth, mas apreciou aquela obra de engenharia. Os romanos fizeram o topo com grandes painéis de pedra, mas tinham escavado em cada painel um quadrado dentro de outros quadrados. Parecia legal. Leo achava que aquilo também fazia o domo mais leve e mais fácil de suportar.
Ele não mencionou aquilo para seus amigos. Duvidou se eles ligariam, mas se Annabeth estivesse ali, ela perderia o dia inteiro falando sobre aquilo. Pensar sobre isso fez Leo imaginar como ela estava na sua expedição à Marca de Atena. Leo nunca pensou que se sentiria assim, mas estava preocupado com aquela garota loira assustadora.
Hazel parou no centro da sala e rodopiou.
— Isso é incrível. Nos dias antigos, as crianças de Vulcano vinham aqui em segredo para consagrar as armas dos semideuses. É aqui onde o Ouro Imperial era encantado.
Leo imaginou como aquilo funcionava. Ele pensou em um bando de semideuses em capas escuras tentando silenciosamente rolar uma balista de escorpião pelas portas da frente.
— Mas nós não estamos aqui por isso — ele falou.
— Não — Hazel concordou. — Existe uma entrada... um túnel que nos levará em direção a Nico. Consigo sentir que estamos perto, mas não tenho certeza onde.
— Se esse edifício tem dois mil anos, faz sentido que um túnel secreto ou algo assim fosse deixado pelos romanos — Frank resmungou.
Então Leo cometeu o erro de ser muito bom. Ele escaneou o interior do templo, pensando: Se eu fizesse uma passagem secreta, onde eu a colocaria?
Ele conseguia às vezes descobrir como uma máquina funcionava colocando sua mão nela. Aprendeu a dirigir um helicóptero desta maneira. Ele arrumou Festus daquele jeito (antes de Festus cair e queimar). Uma vez até reprogramara uma placa eletrônica na Times Square para mostrar: TODAS MULHERES AMAM LEO... Acidentalmente, é claro.
Agora, ele tentava sentir as funções do antigo edifício. Ele virou em direção a um tipo de altar de mármore vermelho, com a estátua da Virgem Maria no topo.
— Por aqui.
Ele caminhou confiante até o santuário. Era parecido com uma lareira, com um recesso arqueado na parte inferior. Um manto estava escrito com um nome, como um tumba.
— A passagem é por aqui — ele falou. — O descanso final desse cara está no caminho. Rafael alguma coisa?
— Um pintor famoso, eu acho — disse Hazel.
Leo deu de ombros. Ele tinha um primo chamado Rafael e não pensou muito sobre o nome. Pensou se poderia produzir algum tipo de dinamite de seu cinto de ferramentas e fazer uma pequena demolição discreta, mas imaginou que os seguranças e zeladores do local não aprovariam.
— Espere aí... — Leo olhou para os lados para ficar seguro de que não estava sendo observado.
A maioria dos grupos turísticos estava olhando como bobo para o domo, mas um trio deixou Leo apreensivo. Quinze metros longe deles, alguns caras de meia idade com sotaque americano estavam conversando alto, queixando-se uns com os outros sobre o calor.
Pareciam peixes-boi com roupas de praia – sandálias, shorts de caminhada, camisas turísticas e chapéus flexíveis. Suas pernas eram grandes, sólidas e cobertas de vasinhos. Pareciam extremamente chatos e Leo pensou por que eles estavam andando por ali.
Eles não estavam observando-o. Leo não estava certo porque isso o deixava nervoso. Talvez não gostasse de peixes-boi. Esqueça-os, disse para si mesmo.
Ele andou ao redor da tumba. Leo colocou a mão na parte de trás de uma coluna romana, até sua base. Na parte inferior, uma série de linhas havia sido gravada no mármore – numerais romanos.
— Uh — Leo falou. — Não muito elegante, mas efetivo.
— O que foi? — perguntou Frank.
— A combinação de uma fechadura — ele tateou em volta da coluna e descobriu um buraco quadrado do tamanho de uma tomada elétrica — A fechadura em si foi arrancada... provavelmente vandalizada em algum dia nos últimos séculos. Mas eu devo conseguir controlar o mecanismo interno, se eu puder...
Leo colocou a mão no chão de mármore. Ele conseguia sentir antigas engrenagens de bronze abaixo da pedra. Bronze normal provavelmente estaria corroído e estragado há muito tempo, mas aquele bronze era Bronze Celestial – trabalho de um semideus. Com um pouco de força de vontade, Leo incitou o bronze a se mover, usando os numerais romanos para guiá-lo. Os cilindros giraram – clique, clique, clique. Então, clique, clique.
No chão ao lado da parede, uma seção do piso de mármore deslizou sob outra, revelando uma abertura quadrada escura grande o suficiente para se passar por ela.
— Romanos deveriam ser pequenos — Leo olhou para Frank avaliando-o. — Você vai ter que se transformar em algo menor para entrar aí.
— Isso não foi legal! — Hazel censurou.
— O quê? Só falando...
— Não se preocupem com isso — Frank murmurou. — Nós devemos pegar os outros antes de explorar. Isso foi o que Piper disse.
— Eles estão do outro lado da cidade — Leo lembrou-o. — Além de que, hã, não tenho certeza de que posso fechar essa abertura. As engrenagens estão realmente velhas.
— Ótimo — disse Frank. — Como sabemos se é seguro lá embaixo?
Hazel se ajoelhou. Colocou sua mão na abertura como se estivesse checando a temperatura.
— Não tem nada vivo... Pelo menos não por várias centenas de metros. O túnel se inclina para baixo, depois se nivela e vai para o sul, mais ou menos. Não sinto nenhuma armadilha...
— Como você consegue dizer tudo isso? — Leo perguntou.
Ela deu de ombros.
— Do mesmo jeito que você pode abrir fechaduras em colunas de mármore, eu acho. Estou feliz que você não roube bancos.
— Oh... Cofres de bancos — Leo disse. — Nunca pensei sobre isso.
— Esqueça o que falei — Hazel suspirou. — Olhe, não é três da tarde ainda. Nós podemos pelo menos dar uma pequena explorada, tentar achar a localização de Nico antes de chamar os outros. Vocês dois fiquem aqui até eu chamá-los. Quero checar as coisas, ter certeza que o túnel é estruturalmente sólido. Vou estar apta a falar mais quando estiver no subsolo.
Frank fez uma careta.
— Nós não podemos deixar você ir sozinha. Você pode se machucar.
— Frank, eu posso cuidar de mim mesma. O subsolo é minha especialidade. É mais seguro para todos se eu for primeiro.
— A menos que Frank queira se transformar em uma toupeira — Leo sugeriu. — Ou um cão de pradaria. Essas coisas são incríveis.
— Cale a boca — Frank murmurou.
— Ou um texugo.
Frank apontou um dedo para o rosto de Leo.
— Valdez, eu juro...
— Vocês dois, fiquem quietos — repreendeu-os Hazel — Vou voltar logo. Me deem dez minutos. Se não me ouvirem nesse tempo… Deixem quieto. Eu vou estar bem. Só tentem não matar um ao outro enquanto eu estiver ali embaixo.
Ela desceu pela abertura. Leo e Frank tentaram escondê-la o máximo que puderam. Eles ficaram ombro a ombro, tentando parecer normais, como se fosse completamente natural para dois garotos ficarem andando ao redor da tumba de Rafael. Grupos turísticos vieram e foram. A maioria ignorou Leo e Frank. Algumas pessoas olharam para eles apreensivos e continuaram andando. Talvez os turistas pensassem que eles pediriam dicas. Por alguma razão, Leo podia enervar as pessoas quando sorria.
Os três peixes-boi americanos ainda estavam parados no centro da sala. Um deles vestia uma camisa que dizia ROMA, como se esquecesse em que cidade estava se não usasse a camisa. De vez em quando, ele lançava olhares de relance para Frank e Leo como se achasse a presença deles desagradável.
Alguma coisa naquele cara incomodou Leo. Ele queria que Hazel se apressasse.
— Ela falou comigo mais cedo — Frank falou abruptamente — Hazel me falou que você descobriu sobre minha linha da vida.
Leo agitou-se. Ele quase esqueceu que Frank estava parado próximo a ele.
— Sua linha da vida... Oh, a lenha queimada. Certo — Leo resistiu à vontade de pôr a sua mão em chamas e gritar: Bwah ha ha! A ideia era um pouco engraçada, mas ele não era tão cruel.
— Olhe, cara — ele falou. — Tudo bem. Eu nunca faria nada para deixar você em perigo. Estamos na mesma equipe.
Frank brincou com seu medalhão de Centurião.
— Eu sempre soube que o fogo poderia me matar, mas desde que a mansão da minha vó queimou em Vancouver... Parece mais real.
Leo assentiu. Ele sentia simpatia por Frank, mas o cara não deixou as coisas mais fáceis quando falou sobre a mansão de sua família. Era como dizer, Bati com minha Lamborghini, e esperar pelas pessoas dizerem, Oh, coitadinho!
Claro que Leo não falou daquilo para ele.
— Sua avó... ela morreu no fogo? Você não falou.
— Eu... eu não sei. Ela estava doente e bem velha. Disse que iria morrer em seu próprio tempo, de sua própria maneira. Mas eu penso que ela saiu de lá. Eu vi um pássaro voando para longe das chamas.
Leo pensou sobre aquilo.
— Então sua família inteira tem essa coisa de mudar de forma?
— Acho que sim. Minha mãe tinha. Minha vó falou que aquilo era o que a tinha matado no Afeganistão, na guerra. Mamãe tentou ajudar alguns amigos seus, e... Não sei exatamente o que aconteceu. Houve uma bomba incendiária.
Leo fez franziu o rosto em simpatia.
— Então nós dois perdemos nossas mães no fogo.
Ele não estava planejando, mas contou a Frank toda a história da noite na loja, quando Gaia aparecera para ele e sua mãe morrera.
Os olhos de Frank ficaram com lágrimas.
— Eu nunca gostei quando as pessoas me dizem, Lamento sobre sua mãe.
— Nunca parece verdadeiro — Leo concordou.
— Mas eu lamento muito pela sua mãe.
— Valeu.
Nenhum sinal de Hazel. Os turistas americanos ainda estavam pelo Panteão. Eles pareciam estar se aproximando dos dois, como se estivessem tentando chegar à Tumba de Rafael sem serem notados.
— De volta ao Acampamento Júpiter — Frank falou — o lar de nossa Coorte, Reticulus, me falou que eu tinha mais poder do que a maioria dos semideuses, sendo um filho de Marte e tendo a habilidade de mudar de forma de minha mãe. Ele me disse que era por isso que minha vida dependia de uma lenha queimada. É uma fraqueza tão grande que balanceia as coisas.
Leo se lembrou de sua conversa com Nêmesis, a deusa da vingança, no Great Salt Lake. Ela dissera algo familiar sobre o desejo de equilibrar a balança. Boa sorte é uma farsa. Sucessos verdadeiros requerem sacrifício.
Seu biscoito da sorte estava ainda no cinto, esperando para ser aberto. Logo você encontrará um problema que não conseguirá resolver, mas eu posso ajudá-lo... por um preço.
Leo desejou que pudesse tirar aquela memória de sua cabeça e enfiá-la no seu cinto de ferramentas. Estava ocupando espaço demais.
— Bem, nós todos temos fraquezas — ele disse. — Eu, por exemplo, sou tragicamente engraçado e bonito.
Frank bufou.
— Você talvez tenha fraquezas. Mas sua vida não depende de um pedaço de madeira.
— Não — Leo admitiu. Ele começou a pensar: Se o problema de Frank fosse seu problema, como ele resolveria? Quase toda falha de projeto poderia ser corrigida.
— Eu me pergunto...
Ele olhou ao redor do salão e vacilou. Os três turistas americanos estavam indo em sua direção: não mais circulando ou sorrateiramente. Eles estavam fazendo uma linha reta em direção à tumba de Rafael e os três estavam olhando para Leo.
— Uh, Frank? — Leo perguntou. — Já se passaram dez minutos?
Frank seguiu seu olhar. Os rostos dos americanos estavam confusos e raivosos, como se eles fossem sonâmbulos em um pesadelo muito irritante.
— Leo Valdez — chamou o que vestia a camisa com ROMA escrito. A sua voz tinha mudado. Estava rouca e metálica. Ele falou inglês como se fosse sua segunda língua. — Nos encontramos de novo.
Os três turistas piscaram, e seus olhos se tornaram de um ouro sólido.
Frank ganiu.
— Eidolons!
Os peixes-boi cerraram seus punhos. Normalmente, Leo não se preocuparia de ser morto por caras gordos com chapéus, mas suspeitava que os eidolons fossem perigosos até naqueles corpos, especialmente por que os espíritos não ligariam se seus hospedeiros sobreviveriam ou não.
— Eles não conseguem passar pelo buraco — Leo falou.
— Certo — disse Frank. — Subsolo soa realmente bom.
Ele se transformou em uma cobra e rastejou até a abertura. Leo pulou depois dele enquanto os espíritos começaram a gritar:
— Valdez! Matar o Valdez!

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